Elisabete Miranda
Jornalista
04 FEVEREIRO 2020
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Bom dia. O Parlamento retoma esta manhã a maratona de discussão e votação do orçamento de Estado para 2020, e, a repetir-se o ritual extenuante do últimos anos, no final destes quatro dias, deputados, secretários de Estado e jornalistas fecharão este capítulo com a sensação de que ficaram a dever muitas horas à cama.
Para já, o primeiro terço da proposta orçamental foi votada com pequenas surpresas, mas sem sobressaltos de maior. O Governo aceitou a contragosto um aumento mínimo de 10 euros nas pensões mais baixas, já a partir de maio; o Chega proporcionou a primeira coligação negativa da sessão; o PCP amealhou aliados para outra, que diz que os rendimentos dos filhos deixam de contar para a atribuição do complemento solidário para idosos, em todas as situações; e Mário Centeno perdeu mais alguns poderes de controlo de despesa.
Nos próximos dias confirmar-se-á que alguns funcionários públicos vão receber mais uns pozinhos a somar à atualização de 0,3%, mas a maioria continuará sem recuperar o poder de compra que perdeu desde 2010. Que a generalidade dos impostos não mexe, reservando-se apenas pequenos brindes a famílias e empresas. E que a dramatização criada em torno da descida do IVA da eletricidade não terá passado disso mesmo.
Serão aprovadas medidas que parecem penalizações mas são tábuas de salvação, viabilizar-se-á uma mão cheia de promessas com destino ainda incerto e há dúvidas alimentadas por discursos contraditórios que permanecerão por clarificar. Tudo sem grandes desvios do guião que estava inicialmente traçado ou que entretanto foi negociado, sobretudo com o Bloco de Esquerda e o PCP, em troca de mais uma viabilização do documento.
Ao longo das últimas semanas, os relatórios de entidades independentes evidenciaram o que os partidos à esquerda não gostam de ouvir e confirmaram algumas conclusões que o Governo não gosta de admitir.
Segundo o Conselho de Finanças Públicas, este é um orçamento que deve mais à herança da geringonça do que a novas medidas deste Governo - só 15% das medidas com impacto orçamental são novas. E, segundo a UTAO, por muitos impostos que Centeno tenha aliviado, atingiremos mesmo uma carga fiscal recorde.
Já os muitos debates e conferências que se organizaram sinalizam que o orçamento, desagradando a poucos, parece não agradar verdadeiramente a ninguém. Para a esquerda não chega para as necessidades, para a direita não é reformista. Para as empresas, que nos últimos anos andaram a “flirtar” com António Costa, não arrefece mas também não aquece a relação – e está muito longe de justificar que embarquem num compromisso de aumentos sustentados de salários.
Do lado do Governo, não se regateiam elogios ao documento – foi um dos mais rápidos da história, é o melhor dos últimos cinco anos, e bate recordes no saldo orçamental e no saldo estrutural.
Mas ainda não foi desta que se produziu um documento legível, que o português médio consiga entender – sendo menos ambicioso do que isso, não há um documento que professores universitários, de Economia, consigam facilmente decifrar, como foi lamentado num debate recente no ISEG. E também não parece estar para breve o dia em que as opções de política virão acompanhadas de um estudo prévio sobre o seu impacto, e com a perspetiva de uma análise posterior aos seus efeitos, como um outro debate realizado no ISCTE evidenciou.
Mário Centeno bate vários recordes neste orçamento mas em matéria de transparência e de prestação de contas deixará tudo mais ou menos na mesma.
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