Elisabete Miranda
Jornalista
31 MARÇO 2020
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“Tenho uma pequena confeção com 25 pessoas. As máquinas são enormes, não podem ser transportadas para casa. Se fechar, vou à falência.”
"Tenho uma micro empresa de turismo rural num dos locais mais profundos de Portugal. Tenho uma sociedade por quotas - eu, que sou sócia gerente, e o meu marido, que está desempregado. Todos os meses desconto para a Segurança Social, tenho os impostos e obrigações em dia. Porque não tenho apoio?”
“Tenho quatro funcionários a trabalhar na loja online e oito em casa num limbo laboral, sem estarem de férias, nem deixarem de estar, à espera dum enquadramento legal para a precaução e para o medo. Tenho uma estagiária com estágio financiado pelo IEFP que, por acaso é casada com um profissional que está a fazer receção de doentes com Covid-19. Recorri à página do IEFP para saber como proceder na atual conjuntura, porque não temos obviamente capacidade para orientar um estágio. Eis que me deparei com uma resposta inacreditável: Se não se sente em condições de continuar o estágio, deverá formalizar o pedido de desistência, expondo o motivo, enviando esse pedido por e-mail para o serviço do IEFP. Na atual conjuntura, o Estado responde displicentemente a uma estagiária: Desista, vá para casa e depois logo se vê!”
“Não antecipo quebra no volume de negócios mas vou ter um problema de cobrança. Vou continuar a faturar, mas os clientes não me vão pagar. O lay-off não cobre isto, não tenho outro remédio senão mandar embora a estagiária, para já”.
As citações que aqui reproduzo são excertos adaptados de conversas e de emails que eu, como muitos outro colegas meus, temos recebido ao longo das últimas três semanas. De empresários angustiados sem saberem como vão pagar os salários no fim do mês, de pessoas revoltadas por se verem desamparadas por um Estado que ajudam a financiar, de cidadãos perplexos com a desorganização de uma máquina pública que funciona deficientemente e que, em alturas de maior pressão, bloqueia quase por completo, dando respostas equivocas ou nenhuns esclarecimentos.
Não são empresários que tentam pôr-se a salvo sem olhar para os destroços que deixam para trás (como alguns casos que também vimos relatando), parecem ser empresários conscienciosos que durante 15 dias esperaram que lhes fosse lançada uma boia de salvação, e empresários que, 15 dias depois, começaram a temer que não haja boia que os salve da tempestade.
As medidas que o Governo anunciou na semana passada, de apoio ao pagamento aos salários de empresas em situação de crise (lay-off simplificado), de adiamento da taxa social única e dos impostos, de adiamento do pagamento de empréstimos bancários e o lançamento de empréstimos com desconto, mais ainda assim caros para a ocasião, apesar de tardias, permitem a alguns setores respirar temporariamente de alívio. Mas, para outros, é só a confirmação de que terão de se desenvencilhar sozinhos numa crise com contornos imprevisíveis.
Na linha da frente dos esquecidos pelo Estado temos os trabalhadores temporários. Ao todo, a associação do setor fala em “75 mil pessoas despedidas”, entre as que já o foram, nas últimas duas semanas, e as que ainda vão ser, nas próximas duas, como pode ler nesta reportagem de Helena Bento. Muitos deles sem terem descontos suficientes para acederem ao subsídio de desemprego, ficam dependentes de um incerto subsídio social.
Depois, temos os trabalhadores independentes, que também vão poder adiar impostos e contribuições sociais, mas que só terão um magro e tardio apoio ao financiamento do seu salário se cessarem toda a sua atividade - continuando a trabalhar qualquer coisa para sobreviver não são elegíveis, o que não deixará de constituir um incentivo à subdeclaração de rendimentos ou ao ócio.
Depois temos os sócios gerentes de micro-empresas, que, apesar de em 2015 terem passado a descontar 34,75% para a Segurança Social em troca de uma proteção social alargada, não têm apoio no lay-off e quase só em situações desesperadas conseguirão obter subsídio de desemprego.
A lista de desamparados pelo Estado nesta crise é longa, e, a julgar por uma leitura (ainda superficial) da legislação de proteção às rendas ontem apresentada, poderá engrossar com os pequenos senhorios que, durante meses, não só se verão impedidos de cobrar as rendas aos inquilinos afetados pela crise como ainda se arriscam a ficar com um empréstimo a pagar no fim, mesmo que não tenham conseguido recuperar as rendas.
É certo que o dinheiro público é de todos, e, por isso, tem de ser gerido com cautela, e também é preciso ter em conta que não há soluções técnicas fáceis para apoiar grupos profissionais que facilmente conseguem manipular as suas declarações de rendimento e desviar para si recursos que fazem falta à comunidade. Mas, em tempos de crise como a que se avizinha, é preferível que o Estado corra o risco de apoiar um oportunista, do que deixe cair na miséria um necessitado.
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