Posted: 11 Apr 2020 03:21 AM PDT
«Ainda se lembram porque precisávamos de achatar a curva? Para garantir que os serviços de saúde não entravam em rutura e que ninguém morria por falta de ventiladores. Ainda é cedo, mas os cuidados intensivos parecem estar longe do máximo da sua capacidade e os hospitais, abandonados pelos utentes, têm mais razões para se preocuparem com as vítimas deste abandono prolongado. O objetivo do confinamento não era impedir que todas as pessoas fossem infetadas. Porque é possível que o vírus regresse no inverno e não haja vacina até lá. O que quer dizer que poucos serão imunes e voltaremos a isto se a crise nos deixar casas onde nos fecharmos.
Nunca tivemos, e bem, a estratégia inicial do Reino Unido, que queria deixar que a coisa se espalhasse, defendendo apenas os grupos de risco e permitindo que os sobreviventes ficassem imunes e o resto morresse. Mas também não desejávamos ficar eternamente amarrados aos humores do vírus, todos por infetar até um dia haver vacina. O que me leva à pergunta que aflige quem tem de fazer alguns planos: quando houver uma queda sustentada de novos infetados e os cientistas e políticos acharem que devemos ir regressando gradualmente a uma vida mais ou menos normal, protegendo os grupos de risco (numerosos em Portugal) e mantendo a curva baixa, o pânico instalado permitirá essa escolha? Para as pessoas voltarem ao trabalho quando for necessário temos de reduzir a ansiedade. A utilização generalizada de máscaras em locais fechados e transportes públicos, para além de reduzir a velocidade de disseminação da doença, pode dar confiança. E fazerem-se mais testes também. Mas, mesmo com uma acentuada queda de infetados, os pais não permitirão que os seus filhos voltem à escola. E, com eles em casa, não podem ir trabalhar. O regresso parcial dos que não estão a trabalhar que imagino é de quem não tem menores ou ascendentes a cargo.
Por falta de apoio médico, por doses cavalares de ansiedade, por falta de exercício, pelo isolamento insano, pela rapidíssima degradação das condições socioeconómicas de centenas de milhares de famílias, a saúde dos portugueses degradou-se brutalmente neste mês. E o pior, sobretudo para os mais pobres, ainda está para vir. Só uma sociedade patologicamente assustada pode pôr a possibilidade de prolongar indefinidamente o isolamento, atirando os mais vulneráveis para uma miséria sem fim. E só uma total inconsciência em relação à crise que nos espera pode achar que, no inverno, estaremos em condições sociais para repetir o que fizemos este mês. Sem pressas nem irresponsabilidades que estraguem o que conseguimos, temos de nos começar a preparar psicologicamente para o regresso, controlando a pandemia sem ficarmos seus eternos escravos. Não podemos deixar que se instale a ideia de que ficaremos fechados em casa até não haver um único infetado ou óbito. É nesse momento que mostraremos a nossa coragem. Até agora só vimos quanto pode o nosso medo. O medo não é mau. Mas, como a coragem, deve ser na dose certa.»
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