Rui Gustavo
Jornalista de Sociedade
01 ABRIL 2020
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Um dia, há muitos anos, um aluno perguntou à antropóloga Margaret Mead qual era, para ela, o primeiro vestígio de civilização humana. A antropóloga americana, autora de “Adolescência, sexo e cultura em Samoa”, respondeu: “Um fémur com 15 mil anos encontrado numa escavação arqueológica.”
O aluno esperava que a professora falasse de anzóis, ferramentas ou barro cozido, mas Mead continuou: “O fémur estava partido, mas tinha cicatrizado. É um dos maiores ossos do corpo humano (liga a anca ao joelho) e demora seis semanas a curar. Alguém tinha cuidado daquela pessoa. Abrigou-a e alimentou-a. Protegeu-a, ao invés de a abandonar à sua sorte”.
Na natureza, qualquer animal que parta uma perna está condenado. Se for um predador, não consegue caçar; se for uma presa, não consegue fugir. Está morto. Então, concluía Mead, que lutou pelos direitos das mulheres nos anos 50 e 60 e foi galardoada com a medalha da liberdade, o que nos distingue enquanto civilização é a empatia, a capacidade de nos preocuparmos com os outros.
Mead nunca enfrentou uma pandemia, mas fez a sua parte na II Guerra Mundial onde terá visto o pior e o melhor dos homens. Esta história, contada por um colunista da revista americana Forbes comovido com uma vizinha dos pais idosos e isolados pela covid que se disponibilizou para os ajudar no que fosse preciso, trouxe-me à cabeça uma imagem óbvia: partimos o fémur e vamos precisar de tomar conta uns dos outros. Durante bem mais de seis semanas. E cada um tem de fazer a sua parte. Para a maioria isso implica não fazer nada e ficar em casa.
Hoje, duas semanas depois de ter sido declarado o estado de emergência em Portugal – a primeira vez desde o 25 de abril – o Presidente da República vai decidir se o prologa durante mais 15 dias, até 17 de abril. Este “se” é retórico. É óbvio que vai, como deu a entender nas declarações que fez ontem depois de uma reunião com especialistas em saúde pública que foram unânimes sobre a necessidade da renovação das medidas de confinamento. "Impõem-se", frisou Marcelo, que puxou dos galões por ter decretado este estado de exceção mesmo contra a aparente falta de vontade do Governo e do primeiro-ministro António Costa, que via a medida como paralisadora da “vida” e da economia.
A decisão só será "revelada" amanhã, depois de o Presidente ouvir o Governo - que vai definir os termos exatos do confinamento - e da aprovação da Assembleia da República: Mas a única dúvida é saber se as medidas de contenção vão apertar ou se se mantêm na mesma.
Apesar de no mês que hoje começa se prever um continuo aumento do número de infetados e de mortos (a curva só vai começar a descer no final de maio, previsivelmente) o aparente sucesso das medidas tomadas durante o estado de emergência, pode levar a que o Governo se decida pela reabertura das escolas numa data próxima de 4 de maio. Seria o primeiro sinal de que o osso está a sarar.
A grande prova vai ter lugar na páscoa, que este ano se celebra a 12 de abril. O vírus não viaja sozinho e vamos mesmo ter de resistir a juntar a família e comer ovos de chocolate sozinhos. Para não ficarmos coxos.
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