Translate

quinta-feira, 7 de maio de 2020

A morte, a fome e o desemprego da covid-19 mais os golos de trivela que Quaresma marca a André Ventura

Miguel Cadete

Miguel Cadete

Diretor-Adjunto

07 MAIO 2020

Partilhar

Facebook
Twitter
Email
Facebook

Desde que foi detetado o primeiro caso de covid-19 em Portugal já foram contabilizadas 1089 mortes. O boletim de ontem da DGS assinalava mais 15 óbitos e um total de casos confirmados que ultrapassa os 26 mil. Porém, faz cada fez menos sentido distinguir entre as baixas da crise sanitária e as da crise económica provocadas pela pandemia.
Esta última torna-se cada vez mais visível e, também ontem, foram conhecidas mais projeções dos estragos provocados pela covid-19 na economia portuguesa: segundo a Comissão Europeia, o PIB de Portugal deverá recuar 6,8% em 2020, a maior crise alguma vez registada desde o 25 de Abril de 1975.
Outras projeções foram menos - positivas – em abril, o FMI previu uma quebra de 8% - e, no concerto das nações, o número de casos confirmados e de óbitos em Portugal é dos mais pequenos, seguindo os dados da ECDC ou as comparações internacionais do “Financial Times”, que assinalam que o número de mortes em 2020 é “apenas” 10% superior ao dos anos anteriores.
Se cotejados com os valores de Espanha, Itália, Reino Unido, Brasil ou Estados Unidos da América, as estatísticas portuguesas estão longe de revelar, por agora, um surto descontrolado. E as mesmas previsões da Comissão Europeia que ontem foram conhecidas até apontam para uma rápida recuperação, já em 2021, de 5,8%, ainda que mais frágil do que as dos parceiros da União Europeia e da zona euro.
Contudo, e mesmo que o Ministério das Finanças se tenha congratulado com estas informações – a quebra portuguesa é “menos negativa do que a da média dos países do euro [previsão de quebra de 7,7%] ou da União Europeia [7,4%]” – não deixa de ser precoce, com tão pouco que se sabe do novo coronavírus e do seu impacto, ter os olhos postos em dezembro deste ano. Por agora, há menos 42 mil portugueses sem trabalhar, mas os economistas são consensuais quando consideram que “só daqui a vários meses será possível perceber o real impacto da pandemia no emprego”.
Se ao longo dos últimos dois meses não se registou, felizmente, o colapso do sistema nacional de saúde, o mesmo não se pode dizer da Segurança Social. Os pedidos de apoio chegam de todos os lados e, ontem, o primeiro-ministro viu-se obrigado a defender a ministra do Trabalho: “cento e oitenta e sete anos seria o tempo que a Segurança Social levaria a processar os pedidos de apoio extraordinário que chegaram em mês e meio se o fizesse ao ritmo do tempo pré-pandemia”, lê-se em mais um Exclusivo Expresso, número revelador da “pressão extraordinária” a que está submetida esta frente.
No Conselho de Ministros de hoje as medidas que atenuam os efeitos da crise devem estender-se aos sócios-gerentes, uma reivindicação que vem desde o início da epidemia mas que ainda não foi resolvida. E que poderá não chegar a ser: há suspeitas de que tal possa ser inconstitucional, tal como se lê hoje na manchete do “Jornal de Negócios”.
Será igualmente conhecido na reunião ministerial de hoje o futuro dos festivais portugueses, ainda que ontem o presidente da Câmara de Oeiras já tenha feito saber que o NOS Alive não se realiza. A realizar-se no mesmo local, o concerto dos Guns N’Roses foi adiado sine die. E a juntar-se às notícias menos boas, também os Foals, um dos cabeças de cartaz do Super Bock Super Rock, cancelaram a sua digressão europeia.
Não há circo nem há pão. Os atrasos da Segurança Social são consideráveis e agravam a situação de muitos, nomeadamente no que respeita ao pagamento dos lay offs. O ministro da Economia sublinhou que terá sido “virtualmente impossível à máquina da Segurança Social conseguir processar todos os pagamentos”.
Para uma economia dependente do turismo, como a portuguesa, as limitações à circulação de pessoas e as restrições que se impõem a restaurantes e hotéis serão certamente um pesadelo capaz de prejudicar o nosso rendimento e as estatísticas do desemprego. “Há que criar a perceção global que o país está a funcionar e preparado para vir a receber turistas”, frisa Eduardo Abreu, da Neoturis, empresa que preparou um estudo para o Expresso que assinala algumas das nossas vantagens relativamente aos outros países e região que são concorrentes de Portugal no sector.
Tudo dependerá, porém, da descoberta e massificação de uma vacina ou de tratamentos médicos que reponham alguma normalidade na saúde pública. A esse respeito, vale a pena citar um estudo serológico produzido pela Fundação Champalimaud, em Loulé, em que se conclui que o contacto com o vírus é muito superior ao número de casos confirmados: 2,8% das pessoas analisadas já tinham contactado o vírus e desenvolveram anticorpos nos últimos meses. “É uma taxa de infeção 14 vezes superior ao detetado por testes de diagnóstico usados isoladamente”, afirmam os investigadores.
Estes são valores que apesar de ainda estarem longe da “imunidade de grupo”, levam a crer que o fim da pandemia pode não estar assim tão distante. E, mais uma vez, recordam que a batalha sanitária não pode ser desligada da crise económica. Um país minado pela destruição de riqueza e pelo desemprego sofrerá certamente muitas mais epidemias, não só sanitárias mas também sociais e políticas. O melhor exemplo disso mesmo tem sido a batalha contra o populismo aberta por Ricardo Quaresma, ex-jogador de futebol da Seleção Nacional, contra o líder do Chega, André Ventura.
Na segunda publicação desta semana nas suas redes sociais, Quaresma marcou mais um golo de trivela a Ventura, após o político ter proposto um “confinamento específico” para ciganos. O político afinal parece jogar sem guarda-redes, e está com a baliza toda aberta. Depois de ter dito, na terça-feira, que o racismo de Ventura “apenas serve para virar homens contra homens”, o futebolista português voltou ontem a marcar golo ao lembrar que o seu avô, o também jogador de futebol Artur Quaresma, recusou fazer a saudação nazi, em 1938, antes de ter início um jogo entre Portugal e Espanha. No entanto, o tweet já foi apagado.

Sem comentários:

Enviar um comentário