Vítor Matos
Editor de política
04 MAIO 2020
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Bom dia!
Era óbvio que a realização do comício do 1º de Maio na Alameda ia ter efeitos secundários. A CGTP, velha “correia de transmissão” do PCP, passou a correia de retransmissão de uma polémica desnecessária onde a maior responsabilidade é do Governo (e do Presidente da República) por ter autorizado uma exceção que passou o sinal errado à população. Só não terá sido uma correia de retransmissão do vírus pela organização exemplar da Intersindical, elogiada aqui pelo ministro Eduardo Cabrita. Alvo de críticas previsíveis, a Intersindical que não é ingénua e sabia que ia estar sob fogo, emitiu ontem um comunicado que só se pode justificar por cegueira ideológica: “Há setores da nossa sociedade que procuram no surto epidémico a justificação para o regresso ao passado, para a reintrodução do totalitarismo, de mordaças e do unanimismo como única forma de pensar e estar."
No contexto que estamos a viver, só por desonestidade intelectual se pode agitar o fantasma do fascismo por críticas legítimas numa democracia: discordar ou dizer à CGTP que não podia realizar o comício durante o excecionalíssimo estado de emergência por causa de uma pandemia que já matou mais de mil pessoas em Portugal, que devastou a Espanha (com o contributo de uma manifestação) e está a devastar o mundo, é voltar ao fascismo? Vamos excluir da equação as críticas da direita, ficamos só com as da esquerda. A UGT, que não foi para as ruas - Carlos SIlva fez críticas duras à CGTP no Expresso - e celebrou o 1º de Maio pelas redes sociais, quer reintroduzir o “totalitarismo”? A corrente do Bloco de Esquerda na própria CGTP que foi contra o comício na Alameda, é um grupo de saudosistas a defender uma “mordaça” na luta pelos direitos dos trabalhadores? E Catarina Martins, que num gesto político significativo, fez uma comunicação nas redes sociais e não foi à Alameda, ao contrário de Jerónimo de Sousa, quer instituir o “unanimismo”? As palavras têm peso mas a memória também: quem lutou pela “unicidade sindical” e o “unanimismo” foi PCP e a CGTP nos tempos do PREC, para ter o monopólio do mundo laboral.
Luís Marques Mendes resumiu bem o problema no comentário de ontem à noite na SIC: a autorização para as celebrações “mina a autoridade política” - e o Governo não se pode queixar se as pessoas começarem a prevaricar. Mais do que isso, passa a ideia de que o Executivo tem medo da CGTP porque se aproximam tempos difíceis, e a paz social será importante durante a crise económica.
Na verdade, a a posição da Inter - liderada agora pela militante comunista Isabel Camarinha - é filha dos argumentos do PCP, que tem apontado mais para o “medo” e o “alarmismo” do que para a necessidade de medidas excecionais (como o estado de emergência ou de calamidade) para conter os riscos da pandemia na saúde pública. Jorge Cordeiro, um dos principais dirigentes comunistas, escreveu um artigo no “Avante!” a semana passada que mostra como o PCP continua a olhar para o mundo por um funil, à luz de uma fé dogmática que distorce o mundo sempre no mesmo sentido. Fica esta passagem: “Em nome do necessário distanciamento e das medidas de prudência de cada um consigo próprio e para com os outros, o que aí está à escala de massas é a profusão a partir de agigantamento do medo, para lá do racional, da criação de um clima geral de intimidação social dirigido para e suportado na exacerbação do individual” - tudo aproveitado pelo capital monopolista para anular a luta coletiva. Aqui não há vida para além da luta de classes (outra coisa são os abusos das empresas que devem ser punidos).
Como era de esperar, a decisão do Governo gerou ondas de choque, sobretudo com a ajuda da própria ministra da Saúde que, na ânsia de justificar a aprovação dos comícios da CGTP, deu a entender este sábado, numa entrevista a Rodrigo Guedes de Carvalho, na SIC, que o 13 de Maio também se podia celebrar em Fátima,desde que fossem “respeitadas as regras sanitárias”. As declarações inesperadas de Marta Temido geraram surpresa no Santuário, mas a governante havia de esclarecer ontem, com a polémica já instalada, o que tinha ficado em dúvida: “O que o Ministério da Saúde pretendeu explicitar é que há uma diferença entre peregrinos e celebrantes” e que as peregrinações continuavam proibidas.
A própria igreja, que não quis comentar a homilia de um padre que fez críticas à 'geringonça' - "manda no país" - em plena missa, por causa do 1º de Maio, manteve a decisão de não levar gente para Fátima por ser “um perigo para a saúde pública”, afirmou o cardeal D. António Marto. O "Público" avança hoje que o primeiro-ministro falou com o bispo sobre a realização de cerimonias só com a presença de eclesiásticos e alguns fiéis.
O responsável pela Proteção Civil de Santarém foi mais longe e recomendou “juizinho” com o 13 de Maio.
No dia em que começa o lento desconfinamento no país, pode ver aqui o ponto da situação do surto em Portugal em gráficos e mapas: 25.282 infetados e 1043 mortos, a variação mais baixa desde o início do surto. E pode informar-se ainda sobre a situação no resto do mundo.
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