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sábado, 9 de maio de 2020

Quaresma no lugar certo – o da Política

por estatuadesal

(Isabel Moreira, in Expresso Diário, 07/05/2020)

FUTEBOL - Ricardo Quaresma. Jogo de qualificacao para o Campeonato do Mundo 2018, Portugal - Ilhas Faroe, realizado Estadio no Bessa, no Porto. Quinta, 31 de Agosto de 2017. (EPOCA 2017/2018) (Vitor Garcez)

Os racistas podem ser os monstros que a memória do século XX não apaga e podem ser figurinhas medíocres, sem convicção, oportunistas do momento. Mas o racismo é sempre assunto sério, é sempre coisa da polis, porque os racistas, os grandes monstros ou os pequenotes anedóticos, comungam no objetivo do apagamento do outro. Discriminar em função da etnia é sempre apagar, é tirar do mapa e esse objetivo é conseguido pelo verbo, pela ação, com pequenos e com grandes gestos.

Pretender que se crie um plano de confinamento específico para a comunidade cigana, devidamente estereotipada e falsamente acusada de comportamentos alucinantes em tempos de pandemia, remete-nos para a máquina jurídico-administrativa que o nazismo montou para que, numa política de pequenos passos, os judeus fossem despojados da sua humanidade com adesão consequente dos alemães “puros” ao novo normal, ao afastamento (apagamento) dos judeus da cidade. Criou-se, também pelo Direito, uma consciência coletiva de obediência ao normativo.

Pretender que haja regras de confinamento para a todos e outras à parte para as pessoas ciganas faz-nos pensar nos tempos que um parlamento aprovou leis para proteger o sangue de um povo idealizado.

Felizmente, a esmagadora maioria das portuguesas e dos portugueses sabe que somos comunidade junta e que o recurso à ciganofobia em tempos de menor atenção mediática é coisa de racista aflito. Mas o racismo é sempre assunto sério e é sempre assunto político. Todas e todos nós temos lugar aí mesmo, na cidadania livre.

Ricardo Quaresma deu um pontapé no racismo de Ventura. Ventura, nervoso, pediu para calarem o jogador, dizendo que não lhe cabe falar de política.

Ricardo Quaresma, na verdade, erguendo-se como pessoa cigana, foi a pessoa livre e responsável que recusou o nosso apagamento e que falando no lugar certo engrandeceu a política.

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