João Cândido da Silva
Coordenador do Expresso Online
26 MAIO 2020
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Bom dia,
Uma taxa de crescimento dos novos casos de infecção de 0,5% e um aumento de 1% no número de vítimas mortais, com uma subida para 4,32% da relação entre os portadores do novo coronavírus que desencadeia a covid-19 e os óbitos. Estes são, em resumo, os dados mais recentes da direcção-geral da Saúde sobre a evolução da pandemia em Portugal, onde os doentes que recuperaram totalizam, agora, perto de 18 mil. Aparentemente, o surto permanece sob controlo em território português e o facto de esta segunda-feira apenas se terem identificado novas situações de infeção nas regiões do Norte e de Lisboa e Vale do Tejo dá um sinal de que a progressiva reabertura da economia e o regresso da sociedade à nova normalidade comportam riscos que podem ser controlados. Mas será assim tão fácil?
A Organização Mundial da Saúde (OMS) está a transmitir perspectivas difíceis de compatibilizar. Em causa está a possibilidade de eclosão de uma segunda vaga, com um novo pico que forçaria a novas restricções. Uma dose de bom senso, ainda que esquálida, permite constatar que o vírus não desapareceu, tem uma forte capacidade de propagação, não existe vacina e não se conhecem fármacos plenamente eficazes, realidades que aconselham prudência e cumprimento das regras de distanciamento e de protecção. Neste cenário, uma segunda vaga não pode ser um mero tema de especulação e debate fútil entre peritos que apreciem discordar.
Michael Ryan, que tem a responsabilidade de liderar o programa de Emergências Sanitárias da OMS, foi claro durante a conferência de imprensa que deu nesta segunda-feira. É preciso "estar ciente de que a doença pode disparar a qualquer altura", afirmou Ryan: "não podemos supor [que os números de novas infecções] vão continuar a descer e que teremos alguns meses para nos preparar para uma segunda vaga. Pode acontecer um segundo pico, como aconteceu noutras pandemias, como na da gripe pneumónica".
Maria Van Kerkhove, principal responsável técnica da OMS no combate à covid-19, alertou que os estudos de seroprevalência já efetuados são poucos. "Se encontrar uma oportunidade, este vírus provocará surtos. Uma característica única deste coronavírus é a capacidade de se amplificar em certos ambientes fechados, com uma super-propagação, como temos visto em lares de idosos ou hospitais", acrescentou. Até aqui, parecia reinar o consenso no interior da organização, mas María Neira desfez as ilusões.
Durante uma entrevista à rádio catalã RAC1, a diretora do Departamento de Saúde Pública da OMS afirmou ser "cada vez mais" improvável a ocorrência de uma segunda grande vaga, embora tenha recomendado muita prudência. E adiantou que os modelos de previsão com que a organização trabalha "avançam muitas possibilidades, desde novos surtos pontuais a uma nova vaga importante, mas esta última possibilidade é cada vez mais de descartar". Com estas palavras de natureza potencialmente tranquilizadora, María Neira acabou por deixar as coisas um pouco confusas. E preocupantes.
Para representantes dos médicos, enfermeiros e psicólogos portugueses, as mensagens divergentes transmitidas por altos responsáveis da OMS não trazem nada de positivo. Exigem uma comunicação feita com clareza, sublinham que é necessário evitar a "ansiedade" e o "afrouxamento" resultantes da "incerteza" e avisam para os perigos do "futurismo". “É arriscado falar-se à volta de probabilidades sem que exista já um grau de certeza minimamente consensualizado. Quando se está a comunicar à frente de um organismo destes [OMS], aquilo que se diz tem um elevadíssimo impacto nas pessoas e no que elas sentem”, afirma Francisco Miranda Rodrigues, bastonário da Ordem dos Psicólogos.
A segunda vaga de covid-19 é uma possibilidade, mas as palavras vagas que chegam da OMS são uma certeza. Em qualquer dos casos, não são coisas que se desejem.
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