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quinta-feira, 18 de junho de 2020

A pandemia da política portuguesa: faz o que eu digo...

Curto

David Dinis

David Dinis

Director-adjunto

18 JUNHO 2020

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Bom dia!
Pois é, nem em plena emergência de saúde, nem em plena crise económica nos livramos da velha política à portuguesa. Basta rever os dois capítulos de ontem, puxar pela memória, e perceber como nem a pandemia tem o condão de a mudar. Vamos a isto?
Capítulo 1: o Orçamento Retificativo
Ontem foi a estreia de João Leão como ministro das Finanças. É o segundo ministro da pasta de António Costa, tomou posse num momento difícil, mas com uma rara predisposição da oposição para apoiar os planos do Governo. Seria, portanto, o momento para serenar os ânimos e capitalizar a unidade, certo? Não, errado. Com a fama de ser pouco político, João entrou no debate como leão, a falar grosso para a direita - como lembra Vítor Matos, na análise ao que lá se passou -, sem pejo de trazer de volta o fantasma da troika a quem lhe apontava críticas (ou dúvidas) sobre o seu Retificativo. É caso para dizer que a tentação de colher aplausos na bancada socialista falou mais alto do que a vontade de semear o consenso. É pena e uma boa oportunidade perdida para marcar a diferença, mas não é o mais grave.
O mais grave é a ameaça que o Governo fez pairar sobre a oposição de esta não ter poder para propor alterações ao Retificativo. A intimação chegou aos deputados sob a forma de parecer, mas parece mal. Sobretudo para quem, como o PS, tem histórico de querer mudar os Retificativos dos outros governos, nos momentos em que está na oposição - como aqui lhe recordamos. É como diz o ditado: faz o que eu digo, não faças o que eu faço. O resultado? Uma ameaça de turbulência visível ontem nas bancadas à esquerda e à direita, que até passar por um tema mal resolvido no Orçamento aprovado há poucos meses. Lá diz outro ditado: quem semeia ventos, colhe tempestades.
Capítulo 2: um político no Banco de Portugal
Mas não pense que é só o PS. Ontem, no novo debate, o PSD não hesitou em fazer a velha política, chamando "desertor" a Mário Centeno e voltando a ameaçar a nomeação de Centeno para o Banco de Portugal. Mas bastaria ao PSD olhar para a sua história para ver como tantas vezes nomeou políticos do seu partido, ou mesmo vindos de governos que liderou, para postos iguais ou semelhantes. Sim, posso dar-lhe exemplos: António de Sousa, Tavares Moreira, Pedro Duarte Neves, Silveira Godinho ou, mais recentemente, Hélder Rosalino. Não nos descansa, mas aqui não somos caso único: a verdade é que as nomeações para o banco central obedecem, não raras vezes, a critérios de fidelidade política em toda a União Europeia, como lembra um estudo que a politóloga Marina Costa Lobo partilhou no Twitter por estes dias. Valha-nos o BCE: pelo menos agora eles não têm na mão a política monetária, para darem uma mão aos governos na gestão de ciclos económicos.
Mas, já agora, não pense que o PSD fica sozinho nesta incoerência histórica (ou aparente amnésia política). António Costa, que agora clama contra a "perseguição" da oposição a Centeno, em 2015 dizia querer o Banco de Portugal “acima da conflitualidade política”. E sem “governamentalização”. Mas vá, isso eram promessas de quando estava na oposição. Como é que dizia o ditado?

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