Translate

quarta-feira, 17 de junho de 2020

Estupefacto com os estupefactos

por estatuadesal

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 17/06/2020)

Daniel Oliveira

A relação do Estado com o Novo Banco é de débito direto. Pode vir a ter de injetar dinheiro não apenas para limpar o legado do BES mas para compensar o capital que o banco não foi buscar por causa da pandemia. Perante isto, o Presidente da República mostrou-se “estupefacto”. É assim que vai estar, até às eleições, perante qualquer notícia impopular. Das duas uma: ou não conhece os termos da venda do Novo Banco e é incompetente, porque é seu dever estar informado num tema desta relevância, ou conhece e é demagogo.

O ministro das Finanças e o Banco de Portugal já vieram desmentir esta ideia. É como acionista (o Fundo de Resolução tem 25% do Novo Banco) que o Estado pode ser chamado a injetar ainda mais dinheiro, ao abrigo de uma rede de segurança de último recurso. É mais dinheiro público, mas não tem nada a ver com o mecanismo de capital contingente, descansam-nos. A primeira coisa a fazer é acabar com esta charada. Tornar públicos – e não apenas para os deputados – os contratos de venda do Novo Banco e toda a documentação que corresponda a qualquer dever do Estado.

Depois, todos os que apoiaram esta venda devem assumir as suas responsabilidades políticas. E isso inclui Mário Centeno, António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa. Mas não devemos ficar por aí. Os organizadores da venda são responsáveis: Sérgio Monteiro, um homem obscuro que continua a passar pelos pingos da chuva e que recebeu meio milhão de euros por este rico trabalho; e Carlos Costa. Os dois também têm de responder perante o país, sem direito a qualquer tipo de reserva que impeça o escrutínio democrático.

Só depois disto podemos andar ainda mais para trás. Discutir aquela que foi, como disse Centeno, “a mais desastrosa resolução bancária alguma vez feita na Europa”. Aí, os responsáveis são o mesmíssimo Carlos Costa, o sempre eretamente rigoroso Passos Coelho e a inenarrável Maria Luís Albuquerque, que disse que uma solução que já custou cinco mil milhões ao Estado não teria custos para os contribuintes.

Depois desta catástrofe, havia três possibilidades para o Novo Banco: deixar falir, dissolvendo-o; vender em condições tais que o Estado ficaria a pagar tudo; e nacionalizar. A primeira era impossível sem um efeito sistémico em toda a banca e na economia; a segunda era ruinosa e tirava todo o poder ao Estado; a terceira era ruinosa mas dava poder ao Estado. Eu defendi a terceira, batendo-se Portugal com quem, na Europa, impôs ao país uma resolução experimentalista e desastrosa. Quem defendeu a segunda, que corresponde à nacionalização dos riscos e privatização dos ganhos, tem de assumir as suas responsabilidades. Sabendo que, depois de esmifrar o Estado, a Lone Star fará o que entender com o banco. E que todas as garantias que agora nos são dadas valem o mesmo do que as anteriores: nada.

Sem comentários:

Enviar um comentário