por estatuadesal
(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 15/07//2020)
Daniel Oliveira
Acho que não digo nada de muito chocante se escrever que duvido dos números da pandemia na Grécia. Não apenas por conhecer Atenas e as suas periferias e me custar a acreditar em milagres – como nunca acreditei que eles existissem por cá, quando o confinamento acabasse. Mas porque me parece improvável que um país com campos de refugiados a abarrotar de gente em condições sub-humanas consiga, pelo menos nesses espaços, manter números improváveis para as mais ordenadas e ricas cidades do mundo. Provavelmente não testa ali. Duvido dos números de Espanha. Porque tiveram súbitas e misteriosas quedas e subidas. Porque contrastam com situações complicadas na Catalunha e na Galiza.
E duvido, obviamente, dos números britânicos. Deixem-me ser um pouco aborrecido e falar de números (uso os que estavam disponíveis esta terça-feira). Portugal tem 46.818 e já somou 1.662 óbitos. São 4.592 casos e 163 mortos por milhão de habitantes. O Reino Unido tem 290.133 casos e 44.830 óbitos. São 4.273 casos e 660 mortos por milhão de habitantes. O Reino Unido tem um óbito por cada 6,5 infetados, nós temos um óbito por cada 28 infetados. Em número de casos por milhão de habitantes, estamos praticamente empatados, sendo eles os 15º pior da Europa e nós o 14º. Quando chegamos ao número de óbitos por milhão de habitantes, eles são o 4º e nós o 16º.
A disparidade entre os dois indicadores, que é confirmada em novos casos e não se explica por pouca testagem inglesa, só pode ter duas conclusões: ou o vírus tem, no Reino Unido, uma taxa de letalidade assombrosa, ou eles estão a "martelar" os números de alguma forma. Pode até ser na forma como testam. E é provável que sejam eles e não nós, porque a nossa posição relativa nos dois indicadores (14º e 16º) é próxima, a deles é que é muito diferente (15º e 4º).
O cuidado que os ingleses quiseram impor aos seus compatriotas que regressassem de Quarteira contrasta com a balda que se instalou na reabertura dos pubs. E essas imagens parecem ter tido menos impacto nos portugueses que desejavam os ingleses do que as imagens de Lagos tiveram nos ingleses que temiam os portugueses. Por isso, os algarvios ficaram furiosos com os infetados lisboetas, por os impedirem de receber infetados ingleses. O vírus, quando vem com gorjeta em libras, é sempre mais suportável.
A guerra das estatísticas da covid passou a ter uma função comercial na concorrência pelas migalhas de uma economia em ruínas. Começam a ficar parecidos com os valores do défice orçamental de cada país: já não é suposto dizerem nada sobre a realidade, mas apenas trabalhar na “credibilidade”. O que conta é a aparência. E isso é um convite à mentira, que é perigosa para a saúde pública.
Pelo menos no espaço da União Europeia poderíamos ter encontrado uma forma de impor critérios claros, para que todos soubessem como lidar com isto. Isto porque é suposto termos uma política comum de fronteiras. Mas, já se sabe que a União Europeia pode servir para saber que empresas se pode apoiar – tendo como bitola as necessidades da economia alemã –, não serve para lidar com crises. Não serviu para lidar com a crise financeira, não serviu para lidar com a crise dos refugiados, não serve para lidar com a crise pandémica. Restaria a diplomacia portuguesa ter evitado o pior. Infelizmente, o brilhante Augusto Santos Silva não tem mostrado, neste departamento, o seu brilhantismo.
Sem comentários:
Enviar um comentário