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terça-feira, 14 de julho de 2020

O acusado disto tudo

Curto

Rui Gustavo

Rui Gustavo

Jornalista de Sociedade

14 JULHO 2020

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Imagine por um momento que aquela jovem que simboliza a Justiça é mesmo uma mulher eternamente vendada a pesar nos dois pratos da balança os interesses que se confrontam em tribunal. Hoje, no penúltimo dia de trabalho, talvez troque as pesadas vestes que usa habitualmente por um fresco vestido de verão e deite mãos aos últimos trabalhos antes das férias judiciais que vão durar um mês e meio, até ao final de agosto. (Na verdade, contra o que parece ser o entendimento geral, os tribunais não fecham para os casos urgentes e, na maior parte dos casos, os magistrados têm direito aos mesmos 22 dias de férias de todos os funcionários públicos).
Hoje, em Coimbra, um homem vai ser sentenciado por, alegadamente, ter obrigado a mulher a prostituir-se para além de a espancar regularmente como forma de motivação para o trabalho; um burlão do OLX saberá se vai ter de cumprir pena de prisão por vender iPhones falsificados; o Ministério Público pôs mais uma acha espetacular na fogueira da EDP, ela própria suspeita de corrupção por, alegadamente, ter comprado os favores de um ex-secretário de Estado, Artur Trindade, a troco de um lugar para si e outro para o pai, já falecido.
A sempre cega Justiça está a investigar-se a si própria no caso Lex, que tem como arguidos o ex-juiz Rui Rangel e envolve outros magistrados como Vaz das Neves e Fátima Galante. A acusação está quase pronta e deverá acusar os desembargadores de corrupção.O presidente do Benfica, Luís Filpe Vieira, é um dos arguidos no processo que só deverá ter um despacho depois das férias.
Mas a grande pasta que a jovem eternizada na capa de um dos melhores discos dos Metallica “…Anda Justice For all” quer fechar já tem o nome do antigo dono disto tudo, Ricardo Salgado, o banqueiro a quem ninguém dizia não e que nos últimos seis anos se viu envolvido em processos judiciais por ter levado à queda do grupo Espírito Santo, que dirigiu durante mais de vinte anos.
Nos últimos dias, a equipa de procuradores dirigida por José Ranito está a dar tudo para acabar a acusação contra Ricardo Salgado e os outros 48 arguidos antes das férias judiciais, que começam na próxima quinta-feira e levarão, em princípio, a que o processo fique suspenso até setembro. O documento já terá mais de quatro mil páginas (o despacho da Operação Marquês tem 4083) e deverá acusar o banqueiro de quase todos os crimes económicos previstos no código penal e de liderar uma associação criminosa que levou à queda do grupo. A investigação tem já seis anos e vai dar origem a um mega processo que atravessará muitas férias judiciais, aberturas de anos judiciais, ministros da Justiça e procuradores-gerais da República.
Salgado, que já esteve em prisão domiciliária durante cinco meses, é um dos acusados na Operação Marquês (é suspeito de corromper Sócrates para que o ex-primeiro ministro favorecesse os interesses do grupo GES) e é ainda arguido na Operação Monte Branco, que começou em 2011 e não tem ainda acusação; também é arguido no caso EDP.
O Banco de Portugal, mais célere, já lhe aplicou multas num total de cerca de seis milhões de euros e a inibição de trabalhar na banca por oito anos. A defesa do banqueiro pode resumir-se a uma frase: “Eu nunca na minha vida corrompi ninguém”, disse o acusado disto tudo à saída do tribunal depois de ter sido ouvido pelo juiz Ivo Rosa.

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