Translate

quarta-feira, 15 de julho de 2020

Verão (quase) azul, Salgado e nada ‘silly’

Curto

Raquel Moleiro

Raquel Moleiro

Coordenadora de Sociedade

15 JULHO 2020

Partilhar

Facebook
Twitter
Email
Facebook

Nunca teve uma data exata para surgir, mas era certo que despontava com sol e calor, gostava de areia nos pés e alimentava-se de períodos prolongados de ócio. Com as escolas fechadas, a Justiça a um dia da pausa estival e o campeonato de futebol quase resolvido, a silly season já devia estar a dar os primeiros ares da sua graça no panorama nacional. Mas nem com os termómetros a rondar os 40 graus ela aparece. É como se a nova normalidade tivesse omitido essa valência, riscou-a do calendário com a mesma assertividade com que eliminou (para já) os festivais de Verão, os bares e discotecas noite dentro, as praias forradas a multidão. Há uma emergência de saúde pública mundial que teima em não abrandar (ou mesmo regressar onde já foi cruel) e uma crise económica que por enquanto só deixou ver uma pontinha da desgraça. No arranque da segunda quinzena de julho, ainda não há tempo de antena para futilidades.
As férias judiciais começam amanhã e o Ministério Público fez questão de se despedir com tal estrondo que as ondas do impacto ainda deverão sentir em setembro, quando reabrirem os tribunais. Ontem à noite, já perto das 21h, seis anos e dois dias após o afastamento de Ricardo Salgado do BES, o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) deduziu acusação contra 25 arguidos (conheça aqui, um a um), no âmbito do processo “Universo Espírito Santo”, por crimes económicos e financeiros que causaram prejuízos de 11,8 mil milhões de euros, explica o MP num comunicado de três páginas, onde revela que abriu pelo menos mais três processos relacionados com a derrocada do grupo, um dos quais relacionado com políticos estrangeiros.
Salgado, outrora conhecido como o dono disto tudo, líder do BES entre 1991 e 2014, aparece como o mentor de uma alegada associação criminosa, acusado pela equipa do procurador José Ranito de 65 crimes, entre os quais 29 de burla qualificada e 12 de corrupção ativa, a que se juntam infidelidade, manipulação de mercado, branqueamento de capitais e falsificação de documentos. De acordo com o Público, do saco azul do GES saíu dinheiro para pagar campanha de Cavaco e ao atual presidente da TAP.
O despacho tem 4117 páginas, conseguindo ultrapassar as 4083 da Operação Marquês, que envolve José Sócrates. Entre os acusados há mais três elementos da família Espírito Santo, e um arrolado como testemunha de acusação: José Maria Ricciardi, que cedo entrou em rutura com o primo Ricardo Salgado. “Não podia na altura sequer imaginar a extensão e gravidade das fraudes e crimes praticados e dos prejuízos causados a terceiros”, diz.
Já eram quase 23h quando a defesa do antigo banqueiro reagiu. Num comunicado assinado pelos advogados Francisco Proença de Carvalho e Adriano Squilacce, afirma-se que o conteúdo do despacho “falsifica” a história do Banco Espírito Santo (BES), que Ricardo Salgado “não praticou qualquer crime” e que não houve lesados enquanto este esteve à frente da instituição.
O tema vai certamente dominar o dia (ou dias), e não é por falta de concorrência. Esta quarta-feira, PCP e Bloco de Esquerda reúnem-se com António Costa. Da agenda constam dois temas que poderão determinar o futuro da estabilidade governativa: o Orçamento do Estado para 2021 e o plano de recuperação económica. O primeiro-ministro não esconde que quer entendimentos à esquerda.
No Parlamento os holofotes viram-se para Mário Centeno. É votado o relatório descritivo da audição do ex-ministro à Comissão de Orçamento e Finanças, realizada no passado dia 8. Mas daí não sairá nenhum travão à sua nomeação para Governador do Banco de Portugal. Trata-se de um mero pró-forma do processo. O documento é omisso sobre a adequação de Centeno à sucessão de Carlos Costa e a simples transcrição da audição ocupa cerca de 91% das 61 páginas, quase 27 mil palavras, 159 mil carateres. Foi redigido em tempo recorde para tentar adiantar-se à providência cautelar da Iniciativa Liberal que acabou ontem rejeitada pelo Supremo Tribunal Administrativo.

Sem comentários:

Enviar um comentário