Uma pandemia política
por estatuadesal(Pedro Adão e Silva, in Expresso, 03/10/2020)
Pedro Adão e Silva
De acordo com a sondagem ICS/ISCTE que o Expresso hoje publica, um ano depois das legislativas pouco ou nada mudou: PS e PSD têm os mesmos resultados que tiveram nas urnas; os partidos de esquerda continuam a formar uma maioria sólida e os políticos mais bem avaliados são o Presidente e o primeiro-ministro. A única novidade é mesmo o crescimento do Chega e a intensificação da tendência de queda do CDS.
À primeira vista nada mudou, pelo que uma crise política tenderia a resultar num cenário em tudo idêntico ao atual. Ou seja, não se resolveria nenhum problema e, pelo caminho, acrescentar-se-iam alguns. Os partidos sabem-no e é também isso que condiciona o seu comportamento.
Mas é ilusório pensar que não está a acontecer nada na política portuguesa. Alguma coisa teria de mudar com a pandemia. A deterioração da situação económica e social tem inevitavelmente tradução política.
É sabido que o efeito do comportamento da economia na avaliação dos governos é, por definição, assimétrico: quando a economia melhora, os ganhos para quem governa não são lineares, pois são marcados pelas predisposições políticas. Quem é favor do partido do Governo valoriza o que está a acontecer, enquanto quem está mais próximo da oposição não tem a mesma opinião. Ao mesmo tempo, quando a situação piora, os executivos são responsabilizados, independentemente das orientações políticas dos eleitores. O corolário é simples: os problemas económicos tornam-se politicamente mais salientes à medida que a situação se deteriora e, acima de tudo, com um impacto transversal ao espectro ideológico.
Como mostram os resultados da sondagem, os portugueses reconhecem que a situação está a piorar (79% dos inquiridos em comparação com apenas 18% em fevereiro), mas esta opinião ainda não se traduz nem na intenção de voto nem na avaliação do primeiro-ministro. No entanto, existem indícios de mudança. Há mesmo uma linha que converge a um ritmo acelerado: o número de inquiridos que afirma que o Governo está a fazer um trabalho positivo aproxima-se muito do daqueles que fazem uma avaliação negativa. Em fevereiro, 57% avaliavam entre o bom e o muito bom o trabalho do executivo; agora, esse número é de 49%, enquanto a variação do número de avaliações negativas cresceu nove pontos, de 34% para 43%.
Com o tempo, é provável que a queda na avaliação política, agora circunscrita ao Governo, acabe por contaminar a intenção de voto no PS e a opinião sobre o primeiro-ministro. Como não se vislumbra que esteja para emergir uma alternativa maioritária à direita, a probabilidade de estarmos confrontados com uma verdadeira pandemia política, marcada por maior fragmentação partidária, crescimento da representação antissistémica e incapacidade de compromisso, é real.
Nessa altura, a tensão em torno do orçamento do Estado para 2021 vai parecer uma memória distante de um tempo tranquilo. Era bom que os partidos pensassem já nisso.
Seria uma boa altura para re-apresentar o PRD que reunisse os descontentes do PS e PSD. Se aparecer alguém que o lidere tem já o meu voto garantido!
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