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quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

Como é que chegámos aqui? Ficando e calando

por estatuadesal

(Por Valupi, in Blog Aspirina B, 26/11/2020)

Como é que chegámos aqui? Aqui onde a direita partidária se foi prostrar aos pés de um partido com um solitário deputado, deputado esse que defende em público a violação de direitos humanos e o aprisionamento de democratas. Aqui onde um caluniador profissional sem leituras nem pensamento é tratado como a intelligentsia da actual direita, o ponta-de-lança da normalização mediática do tal deputado abjecto e seu partido aberrante.

André Ventura e João Miguel Tavares partilham a mesma visão sobre o regime: está podre, corroído pela corrupção. Ambos repetem que toda a classe política, da Assembleia da República à Presidência da República, passando igualmente pelos Governos sucessivos, é cúmplice na criação e aprovação de leis cuja finalidade suprema não é o interesse nacional, tão-somente a impunidade para se continuar a roubar sem ser possível aos raros polícias, procuradores e juízes que resistem imaculados apanharem a bandidagem e dar-lhe a sova que merece.

Ambos são igualmente sósias na esperança messiânica de que Passos regresse para resgatar a Grei das mãos dos socialistas diabólicos e inaugurar um novo regime que irá durar mil anos sem casos de corrupção, pois finalmente a Justiça vai obrigar os criminosos socialistas a provarem a sua inocência caso pretendam sair dos calabouços (pista: não vai ser nada fácil dado que o mal está-lhes entranhado na pele e consegue ver-se nos olhos a brilharem de maldade quando os corruptos ficam às escuras).

Inacreditavelmente, o presidente da comissão das comemorações do 10 de Junho de 2019, vedeta incensada pelo director de um “jornal de referência” que o cita sem parar, nunca é interrogado sobre as fontes do seu conhecimento acerca dos males que nos afligem. Rui Tavares, em A imaculada conceção do fascismo inconcebível, ensaia ao de leve esse exercício, mesmo assim já marcando uma radical diferença face à classe jornalística e comentarista circundante. Nem Tavares nem Ventura precisam de qualquer dado, número, facto para despacharem caudalosas lengalengas sobre o Apocalipse que precede a entrada no Paraíso (se o tal Passos coiso e tal, bem entendido). Basta-lhes a indústria da calúnia dominada pela direita e sua imparável produção sensacionalista, método que deu a ambos o prémio de terem visto um primeiro-ministro, um Presidente da República e um líder da oposição a irem ter com eles com o rabo a abanar.

Considerar João Miguel Tavares um liberal, ele que faz claque pelos que cometem crimes na Justiça e que treme de êxtase com a ideia de se reduzirem os direitos individuais face ao Estado (mas só para se apanhar e castigar os seus alvos, depois pode-se voltar logo ao Estado de direito democrático, claro), é não apenas estúpido perante o que vende em público, é lunático.

Considerar André Ventura de direita, ele que poderia ocupar qualquer quadrante ideológico do populismo exactamente com os mesmos objectivos imorais, inumanos e subversivos, é não apenas lunático perante o seu oportunismo rapace, faz de nós estúpidos.

Nós não chegámos aqui. Este aqui tem estado connosco desde 2004. Chama-se decadência da direita e, por terem declarado guerra à decência com meios de condicionamento da opinião pública nunca antes usados em democracia, conseguiram arrastar a esquerda para uma forma de cumplicidade que explica o actual triunfo dos pulhas e suas pulhices. Se ficamos banzos com o festival de irracionalidade criminosa que Trump está a dar ao mundo, não ficarmos atónitos com a facilidade com que André Ventura e João Miguel Tavares nos tratam como borregos é em si mesmo um crime de lesa inteligência e contra o respeito próprio.

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