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terça-feira, 8 de dezembro de 2020

Um texto de Vasco Lourenço que desmascara muitas mentiras da direita

por estatuadesal

(Vasco Lourenço, 05/12/2020)

Junto texto, sobre o 25 de Novembro e também sobre a passagem dos 40 anos da morte de Sá Carneiro. Saliento tratar-se de um texto pessoal, da minha inteira responsabilidade, que estamos a divulgar, como divulgamos outros textos, a pedido ou não dos respectivos autores, que consideramos de possível interesse para vocês.

Cordiais saudações de Abril

Vasco Lourenço


Indignação? Desprezo? Apenas um desabafo, de quem está farto de tanta hipocrisia...

Indignação? Desprezo? Confesso que julgava já ter idade e experiência que me deveriam permitir não me espantar e, muito menos, indignar.

Lamentavelmente, tenho de confessar que, de tudo isso, só é uma realidade a minha provecta idade. Porque, do resto, não reza a história...

Tudo isto vem a propósito da passagem dos 45 anos sobre o 25 de Novembro e dos 40 anos sobre a trágica morte de Sá Carneiro.

O que vi escrito e proferido em vários órgãos da comunicação social, surpreendendo-me (apesar de tudo) e indignando-me, faz-me pensar que não há limites, nem para a ignorância, nem para a leviandade, nem para a má fé!

Muito já se escreveu sobre esses dois acontecimentos, muito já se dissecou sobre a natureza dos mesmos e sobre as características pessoais dos actores em causa.

Não vou tratar especificamente o dito e escrito sobre os acontecimentos do 25 de Novembro - fui um interventor directo, bem no centro do vulcão, já escrevi alguma coisa sobre o que aconteceu, tomei há algum tempo conhecimento de "pormenores" fundamentais para um mais correcto conhecimento de toda a trama desse marco da história do processo do 25 de Abril (ainda que não duvide de que, mesmo eu, ainda não sei tudo) - apetecia-me fazer alguns comentários, tais foram as barbaridades deitadas "boca fora", ou lançadas para o papel!

Decidi limitar-me a aconselhar jornalistas, comentadores e historiadores, como Filipe Luis da revista Visão: "antes de escreverem, sobre acontecimentos históricos, informem-se bem, para evitar dizer tantas asneiras, como fizeram, desta vez"! É que, para além do mais, vão baralhar e confundir, dando-lhes bastante mais trabalho, os futuros historiadores...

Quanto ao aniversário da morte de Sá Carneiro, não comento as homenagens, de roupagens várias, que os seus admiradores lhe fizeram. Estão no seu pleno direito, cada um tem os ídolos e os heróis que quer ter!...No entanto, tendo-me sido chamada a atenção para o programa Expresso da meia noite, na estação televisiva SIC-Noticias, tive o trabalho de o ver e, desde logo, não posso deixar de fazer um comentário , nomeadamente aos aí dois defensores desse mito (Maria João Avilez e Pedro Santana Lopes) que, mito "apenas" porque morreu como morreu, deve ser a personagem que tem o seu nome em mais ruas, avenidas, praças ou ruelas do País (para já não falar num aeroporto...).

Comentário simples: "para elogiar as virtudes do vosso herói, não precisam de deturpar o que se passou! Sejam honestos! Ainda não vale tudo"!

Não sei se os dois pensarão que "uma mentira repetida à exaustão, passa a ser verdade"?

Vejamos:

"Sá Carneiro era pela Democracia plena, quem fosse contra, tinha de se haver com ele"! Como???!!!

Então não foi ele que afirmou que a sua maioria de 56% (de deputados, não de votos que não chegaram aos 48%), obtida através da AD, valia mais do que a maioria de 92% que aprovara a Constituição da República?

Não foi isso que fundamentou as suas três tentativas de violar a referida Constituição da República, com a reprivatização dos sectores básicos da economia? Não hesitando mesmo em recorrer a subterfúgios sujos, ao jogar com as férias dos juízes da Comissão Constitucional! Que importava que a Constituição preconizasse que "só com uma maioria superior a 2/3 dos deputados se poderiam alterar determinadas leis"? A "sua maioria" é que interessava!...

Ou será que a Democracia só vale, se nós tivermos a maioria? Ah, grande democrata!

Tutela militar?

Aí, felizmente, João Soares pôs os pontos nos iis, deixando os outros intervenientes sem argumentos - nenhum ousou contradizê-lo!... (Oh João, então você foi lá estragar o arranjinho tão bem preparado!? Isso não se faz!...).

Falemos claro! Os Capitães de Abril demonstraram, no seu conjunto, ser mais civilistas do que a maioria dos políticos civis!

Demonstraram-no, no terreno, ao transmitirem, num prazo que até o historiador presente no programa "aceitou" ser único no mundo, apesar de ainda ter chamado à colação o caso da transição pacífica em Espanha. (Esquecendo, ou não querendo lembrar-se, que, como hoje é consensual no seio dos estudiosos desse processo, nomeadamente de reputados especialistas espanhóis, que "A transição pacífica para a Democracia, em Espanha, só foi possível, porque houve o 25 de Abril")!

E fizeram-no, mesmo tendo passado por rupturas entre si, com prisões temporárias de uns pelos outros!

Se há uma afirmação que não "admito" ouvir e me faz "ir aos arames e sair de mim" é precisamente a de "Os militares foram obrigados a regressar a quartéis"!

Não, os militares regressaram a quartéis porque essa foi sempre a sua vontade, foi desde o início a promessa que fizeram aos portugueses! Que, como todas as outras, cumpriram exemplarmente! E se não o fizeram mais cedo - a previsão era em 1981 - foi da total responsabilidade dos políticos, que se não entenderam para fazer a revisão da Constituição no prazo previsto!

Ah!!!, há quem afirme que o Pacto MFA - Partidos foi assinado pelos partidos, porque tiveram medo, vendo-se coagidos a fazê-lo !... Mas que coragem!

Participei na discussão e aprovação dos dois Pactos, fui um dos defensores da revisão do Primeiro, não admito que alguém venha dizer que foi obrigado a assiná-lo!

O estudo da situação, que então fizeram, levou-os a considerar que deviam assinar? Mas, onde e quando, não é o estudo da situação, feita em cada momento, que determina as opções tomadas? Ou será que se considera que "vale tudo", a palavra e a ética não têm valor, é preciso é atingir o poder, seja com que custo for? Pessoalmente, considero que nem na guerra os fins justificam todos e quaisquer meios!

Sá Carneiro queria acabar com a tutela militar!

Essa só contaram para vocês!

Ele queria era substituir a tutela militar em vigor, por uma outra tutela militar diferente!

Sintomaticamente, através de um militar da "velha guarda", serventuário e defensor do regime de ditadura derrubado pelo 25 de Abril, responsável no mesmo pela abertura de um "segundo Tarrafal", o Campo de S. Nicolau, em Angola!

Isto é, queria substituir a tutela militar dos outros, pela sua própria tutela militar!

Ou cabe na cabeça de alguém que, se Soares Carneiro vencesse, a transmissão do poder para os eleitos democraticamente se teria processado, como se processou?

De forma pacífica, porque fora sempre essa a vontade, a decisão dos Capitães de Abril!?

E porque, natural e felizmente, foi Ramalho Eanes - um militar de Abril - a vencer as eleições!

E a presidir a essa transferência de poder!

Mesmo sem pretender "fazer futurologia" é fácil imaginar como teria sido a transmissão do poder, coordenada pela extrema-direita na Presidência da República!

Permita-se-me um aparte: confio não assistir à repetição do que então se passou. Falo do apoio do PPD/PSD a um candidato de extrema-direita a Presidente da República!...

Passados estes anos todos, já não pedimos que se limpem da sujeira que então fizeram, ao tentar demonstrar que nos estavam a forçar a regressar aos quartéis!

Mas, exigimos que deixem de ser cínicos e desonestos, como sempre o foram, no que a isto diz respeito! É tempo de não continuar a mentir, para a História!

Falo em relação não só ao PPD, nessa altura já crismado de PPD/PSD, mas também ao PS! PS que, decidido a não apoiar Ramalho Eanes para o segundo mandato de Presidente da República, convidou outro militar a ser o seu candidato! ...

Por isso, podem dizer que houve 4 pais civis da Democracia! Não o contesto! A construção da Democracia em Portugal é fruto da acção de muitos e muitos cidadãos, do povo em geral, logicamente também dos diversos partidos políticos e dos seus dirigentes, com diferentes responsabilidades, como em tudo.

Mas, se querem encontrar um Pai para a Democracia, olhem para o colectivo de militares que constituiu o Movimento dos Capitães, mais tarde estendido ao Movimento das Forças Armadas!

Vasco Lourenço


P. S. Permitam-me que, como rodapé, teça alguns comentários e deixe algumas perguntas:

1. João Soares, o seu pai nunca lhe contou que Sá Carneiro o tentou convencer a sair do País, quando ele saiu para "se tratar", alegando que tudo estava perdido, que os comunistas iam tomar conta do País, se ficassem seriam presos, era necessário saírem, para organizar a luta, no estrangeiro? A mim, contou-mo, mais que uma vez...

2. Maria João Avilez, pode perguntar ao filho de Sá Carneiro se ele ainda tem o autógrafo que o pai me pediu (para o filho...), no Porto, durante uma grande manifestação de apoio ao VI Governo Provisório, no mês de Outubro/Novembro (?) de 1975?

E importa-se de repetir, sem se rir, que "a comunicação social , em Portugal, nunca foi, nem é amável e atenta à direita e extrema direita"? É que, repito o que já disse atrás, "essa só contaram para você"!

3. Realço a frescura, o banho de juventude, protagonizado pelo Adolfo Mesquita Nunes! Estou convicto de que se Adelino Amaro da Costa assistiu, onde quer que esteja, se terá sentido altamente satisfeito com a sua intervenção, nomeadamente quando meteu na ordem um jornalista que envergonha a classe dos membros de uma comunicação social que se deseja idónea e isenta. E, Adelino Amaro da Costa bem merece o tributo que, com a sua intervenção, lhe prestou!

4. Por fim, não gostei de ver o Presidente da República deitar achas para a fogueira, sobre as circunstâncias da morte de Sá Carneiro. Sou dos que, ao longo dos tempos, me fui convencendo de que se tratou efectivamente de um acidente! Apesar de todas as manipulações, apesar de todos os ingredientes (que hoje seriam chamados de fake news), com deputados do PPD/PSD a presidir às várias comissões de inquérito, como foi possível não demonstrar a teoria do atentado? Na minha opinião, continua-se com essa teoria fundamentalmente porque ela é essencial à continuação do mito! "O herói que morre assassinado, cobardemente, pelos vilões"!

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