por estatuadesal |
(Daniel Oliveira, in Expresso, 31/12/2020)
Tino de Rans gasta um décimo de Ventura, que gasta um terço de João Ferreira mas o triplo de Ana Gomes, que gasta o dobro de Marcelo. É isto o início da campanha, numa sucessão de títulos de jornais. Despolitizar a política é, há anos, uma das principais ocupações da comunicação social. Neste caso, alimentando a ideia de que os candidatos podem gastar o mesmo por estarem em igualdade de circunstâncias. Marcelo está no lugar e na televisão todos os dias. Para ter igual exposição, João Ferreira teria de gastar muitíssimo mais. Já há cinco anos Marcelo criticou os seus oponentes pela despesa em outdoors. Exposto durante 15 anos, semanalmente e em horário nobre, fez-se Presidente em dois canais de televisão. Mas queria que os que se tinham de se dar a conhecer prescindissem desse esforço. Precisamos de um jornalismo que escrutine o poder. Não precisamos de substituir a democracia pela mediocracia. A campanha populista contra os gastos dos candidatos é uma campanha pelo monopólio mediático sobre a política. Uma campanha inútil em tempo de redes sociais. Mas perigosa, quando essas redes, concebidas de forma a favorecer a polarização, se arriscam a ficar com o exclusivo da mediação. Claro que podemos fazer perguntas difíceis: quem paga as dispendiosas campanhas do Chega, apesar da magra subvenção de um partido com um deputado? E podemos ter respostas difíceis: ao contrário de outros, o PCP não encontra os seus eleitores no Twitter.
Mas é bom lembrar que o populismo de que todos se queixam não nasceu nas redes sociais. O mais desbragado medrou nos tabloides. O mais sorrateiro, que trata com desprezo o poder que elegemos e com obediência os poderes não eleitos (do poder judicial que é fonte de notícias ao poder económico que é financiador de jornais), nasceu na imprensa de referência. E, apesar do moralismo, foi o jornalismo-espetáculo que favoreceu a arruada inútil, o soundbite comicieiro, a polémica vazia para encher ciclos noticiosos de 24 horas. Podem-se e devem-se fazer campanhas mais baratas. Mas elas têm de ser feitas fora da televisão e não podem ficar reféns das redes sociais. E isso custa dinheiro.
Chateia-me, pá!
A brincadeira corre na internet para mostrar como pensa um anti-vaxxer. Com ironia, alguém conta que sofreu uma intoxicação alimentar. Decidiu fazer uma pesquisa e descobriu que, todos os anos, elas matam 420 mil pessoas. Desde então, não alimenta os filhos. Sabe que a alimentação previne a fome, mas acha irresponsável ignorar os perigos associados à comida. E apela a que cada um faça as suas pesquisas. Só depois devem decidir se querem pôr crianças em risco, alimentando-as. Céticos em relação à ciência, os anti-vaxxers têm uma inesgotável fé em tudo o que encontram no Google. É a pandemia do conforto, típica de sociedades ricas e mais habitual em pessoas escolarizadas, com a arrogância do meio conhecimento. Como sempre, haverá reações adversas à vacina contra a covid-19. Mas aos que se tencionam pendurar na minha imunidade, esperando para ver se não há perigo, apetece-me propor que também fiquem para o fim se precisarem de cuidados intensivos. Não o faço, porque aceito a escolha de cada um. Apenas sublinho que quem, sem contraindicações, decida não se vacinar está a prolongar a pandemia e a limitar a minha liberdade por mais tempo do que o necessário. E isso é, como diria Pinheiro de Azevedo, uma coisa que me chateia.
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