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quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

Procuradoria Europeia: uma triste novela portuguesa seguida de uma confusão lamentável

por estatuadesal

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 12/01/2021)

Se pegássemos em cada um dos elementos da cansativa novela da escolha do procurador europeu, podia ser apenas incómodo. O problema é quando juntamos tudo. Não suspeito que o PS esteja a tentar dominar a Procuradoria Europeia. Suspeito de guerras corporativas. Como se tudo já não fosse péssimo, Costa acrescentou-lhe a pior das confusões: a que toma o governo pela Nação. Foi salvo pelo PSD, que apresentou uma queixa-crime contra o primeiro-ministro. Nada se safa nesta novela portuguesa.

O Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) escolheu José Guerra, relegando Ana Carla Almeida para terceiro lugar. Teve como critério a antiguidade. Parece que o critério surgiu depois de se conhecerem os candidatos, o que é absurdo. Mas por esse absurdo o governo não tem qualquer responsabilidade. Chegada ao júri europeu, a escolha foi invertida, com Ana Carla Almeida em primeiro lugar. O critério foi a currículo em investigação de crimes económicos. O governo optou pela escolha nacional. Tendo em conta que escolha europeia não era vinculativa, a opção da ministra da Justiça era legitima. Só obrigaria a um cuidado redobrados.

Dois problemas: a magistrada preterida anda a investigar o caso das golas anti-fumo, que envolve o governo e há proximidades antigas da ministra com o magistrado que foi selecionado (trabalhou com ela no DIAP de Lisboa). Mais uma vez, cada uma das coisas isoladas não levanta problemas: um magistrado que esteja a investigar o governo não passa à frente dos restantes só para não levantar suspeitas; como a ministra é magistrada do Ministério Público é quase inevitável que tenha relações com muitos dos envolvidos, sobretudo se forem de topo. Estes dois factos, associados ao do governo ter contrariado a decisão do júri europeu, obrigariam a cuidados ainda mais redobrados.

Quando se percebe que a carta que acompanhou o currículo (e não o currículo), em novembro de 2019, tem dois erros de palmatória (chamem-lhe mentiras ou lapsos, conforme a severidade do julgamento) que têm a coincidência de favorecer o escolhido (a de que era Procurador Geral Adjunto e a de que dirigiu a investigação ao caso da UGT, quando só foi procurador no julgamento), tudo começa a cheirar mesmo mal. Nesta altura, já não se pode escrever que esta trapalhada, que isolada poderia ser apenas isso, exige cuidados redobrados. Porque já todos os cuidados foram descurados. Ainda mais quando o demissionário diretor-geral de Política de Justiça, ainda por cima um dos autores do programa do PS para o setor, garante que a ministra conhecia a carta.

Não suspeito que o PS esteja a tentar dominar a Procuradoria Europeia. Não me parece que ambição seja tanta e que uma carta chegasse para tal coisa. Suspeito que esta história tem mais a ver com guerras corporativas. E que isto demonstra que não é excelente ideia ter uma magistrada como ministra da Justiça. A moda da tecnocracia retirou ao poder político a autonomia em relação às áreas que tutela. E isso tem, como se vê neste caso, efeitos. Em vez de estar acima das guerras intestinas dos poderes do Estado, faz parte deles.

Como se tudo isto não fosse péssimo, António Costa resolveu acrescentar-lhe a pior das confusões. Ao dizer que as críticas, justas ou injustas, excessivas ou não, de Paulo Rangel e Poiares Maduro eram uma campanha contra o país, toma o governo pela Nação. Um democrata, como António Costa indubitavelmente é, não pode fazer uma confusão destas. É que criticar a um procedimento administrativo do governo não é o mesmo que andar na Europa, no meio de uma negociação com Comissão Europeia em torno do orçamento, a advogar contra o Portugal para conseguir que ele fosse vetado, como aconteceu no início da “geringonça”. O que se fez há quatro anos é politicamente inaceitável – porque tenta nos corredores de Bruxelas o que não conseguiu no Parlamento nacional –, a critica a uma escolha para um cargo europeu é legitima. Mas Costa tem sorte. É sempre salvo pelo PSD. Pôr um processo contra o primeiro-ministro, tentando judicializar um combate político, faz o pleno do disparate. Nada se safa nesta novela portuguesa.

 

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