Houve tempos em que o Brexit prometia ser uma ponte para os Estados Unidos da América. Numa visita a Bruxelas, em novembro de 2016, o então ministro dos Negócios Estrangeiros Boris Johnson comentava com os jornalistas que Donald Trump era "um negociador" e que isso poderia "ser bom para o Reino Unido". Anos mais, em 2019, o próprio presidente norte-americano admitia que estar "a trabalhar num acordo comercial muito importante". No entanto, para o atual sucessor de Trump, Joe Biden, a Europa parece valer mais em união.
A campanha de Biden sentiu a hostilidade dos britânicos pró-Brexit quando Barack Obama entrou no debate para defender os laços com a União Europeia. Boris Johnson chegou mesmo a sugerir que o "presidente parcialmente queniano" tinha uma "antipatia ancestral pelo Império Britânico".
Hoje, as declarações podem fazer ricochete nas relações transatlânticas com o Reino Unido.
"Alguns dos insultos em relação ao presidente para quem trabalhei, Barack Obama, vão certamente ser recordados, porque grande parte da equipa está agora a trabalhar para Joe Biden", afirma Brett Buen, antigo diplomata da administração Obama.
No entanto, Buen acredita que serão outros os obstáculos a prevalecer sobre a relação entre os dois países.
"Penso que eles terão uma boa relação de trabalho. Joe Biden é uma pessoa de trato fácil. Dá-se bem com quase toda a gente. Onde eu penso que o Reino Unido vai ter dificuldades é no que diz respeito a acordos comerciais. Esses vão ser quase impossíveis. Biden vai colocar a classe média no centro da sua política externa, tentar captar o apoio de pessoas da cintura industrial e não vai fazer isso com acordos de comércio livre", diz.
Os interesses instalados têm um peso significativo na realização de acordos comerciais.
Um dos maiores entraves para o Reino Unido, pode vir a crescer no próprio solo. A ideia é defendida pelo investigador da Universidade de Oxford Nigel Bowles, para quem "a agricultura é um grande problema político para qualquer governo do Reino Unido [e] é um problema político particular para um governo conservador, devido à dependência que tem dos votos rurais".
Dar resposta aos padrões alimentares e agrícolas representa já um desafio para o governo britânico.
"Já vimos o peso que os pequenos círculos eleitorais podem ter no caso da pesca. Esse efeito será multiplicado várias vezes", afirma o investigador.
Mas, comércio à parte, outras questões se colocam perante a aliança transatlântica, quando novas potências militares emergem.
Para Brett Buen, "encontramo-nos agora em plena era pós-americana. Vai haver mais crises, mais confrontos. Estamos a ver os esforços de potências medianas como a Arábia Saudita, a Turquia, a Rússia".
Nigel Bowles relembra ainda o papel da China, que "coloca problemas graves e profundos para qualquer nova administração dos Estados Unidos" e com a qual o risco de guerra "apesar de razoavelmente baixo, não é negligenciável".
É neste xadrez mundial que Buen acredita que "papel do Reino Unido será extremamente importante [enquanto] como membro de uma federação de países que parece um pouco diferente da estrutura das nossas alianças mais antigas, seja através da NATO ou da União Europeia.
Com o Reino Unido fora da União Europeia, Biden não descarta estabelecer um acordo comercial com o governo britânico. No entanto, já em setembro, expôs o principal entrave para que esse acordo aconteça: o regresso de uma fronteira entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda.
Para Biden, se Boris Johnson quiser reforçar os laços comerciais com os Estados Unidos da América, terá de garantir o respeito pelo processo de paz.
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