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segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

Um sonho destruído?

por estatuadesal

(José Gameiro, in Expresso, 21/01/2021)

José Gameiro

Corro o risco de ser considerado um velho conservador e pessimista. Paciência. Em vésperas de mais uma eleição presidencial, apeteceu-me pensar sobre o caminho percorrido pela minha geração. Já devem estar a pensar, este gajo tem a mania, como é que ele consegue numa crónica escrever sobre umas dezenas de anos de um país. Presunção e água benta, cada um toma a que quer...

Numa conversa recente, com alguém com quem falo regularmente e que não partilha as chamadas ideias de esquerda, ouvi isto: “Para vocês que começaram um sonho quando eram jovens, olhar para o país, agora, deve ser uma desilusão.”

Muita desta desilusão, para quem teve sempre alguma participação cívica ou mesmo política, advém da velha crítica aos partidos. As suas características macrofágicas, a dificuldade de aceitação do pensamento independente, o uso oportunista de quem não é filiado e o seu posterior afastamento, não são exclusivos de Portugal. Em democracia não há alternativa ao sistema partidário, ainda que entre nós a frouxidão da participação dos cidadãos na vida política seja muito limitada. A lógica partidária é uma lógica futebolística, por vezes quase de seita. Como a hipótese de os partidos se reformarem é muito baixa, por aqui estamos conversados.

Para um leigo em economia é difícil compreender qual o caminho a seguir, mas uma coisa podemos ter a certeza, o nosso país, desde o ano 2000, está a ficar para trás em relação à maior parte dos países europeus. Temos uma taxa anual de crescimento média de 0,67%...

Quando oiço jovens recém-licenciados dizerem que ganham menos de mil euros líquidos por mês e que desesperam para se autonomizarem da família, ou seja, terem uma casa, sustentarem-se todos os meses, sinto alguma vergonha pela minha geração. Claro que estão muito melhor do que antes da democracia, mas não pode servir de desculpa... Não fomos capazes de transformar os nossos sonhos num futuro melhor para os nossos filhos e netos.

Mas conseguimos ter um país seguro, com um sistema de saúde universal e quase gratuito em que ninguém fica à porta de um hospital porque não tem dinheiro para pagar.

Claro que isto tem um preço que pagamos indiretamente, através dos nossos impostos. Muito se discute sobre a altíssima carga fiscal. As teses liberais defendem que uma baixa fiscal criaria, a prazo, maior rendimento, para os que menos ganham. Não sei discutir isto. Mas sei que nem toda a receita fiscal, longe disso, serve para pagar a saúde, a justiça, a segurança e todos os serviços públicos. Também tem servido para pagar os negócios, altamente rentáveis da energia e das Scuts.

Somos fracos, muito fracos, na capacidade de contestar decisões duvidosas. Deixamos isto aos políticos da oposição, apesar de cada vez mais termos informação acessível. Somos também muito fracos na produtividade, no rigor do cumprimento das horas e dos prazos.

Em relação ao pensar a nossa posição na Europa e no mundo, não somos fracos, somos nulos e deixamos esta discussão aos políticos. Mesmo estes, publicamente, não se aventuram por aqui, como se vê na atual campanha eleitoral. Nenhum candidato e nenhum jornalista pôs questões internacionais e, no nosso regime constitucional, o PR pode ter um papel importante nas relações externas. Preferiram discutir questões de atualidade e proferir afirmações vagas sobre a necessidade de nos darmos todos muito bem...

Se aqueles que pensam à esquerda não conseguirem mudar este estado de coisas, vou continuar a ouvir a frase do jovem empregado num supermercado com quem conversei há dias e a quem dedico esta crónica: “Acabei o curso de Economia numa escola de referência, preciso de ganhar dinheiro, estou aqui na caixa. Mal possa, piro-me para outro país...” 

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