por estatuadesal |
(Luís Aguiar Conraria, in Expresso, 19/02/2021)
1 Em estatística distinguem-se os erros de tipo I dos de tipo II. Definimos uma hipótese que consideramos mais verosímil — o nosso default — e diz-se que cometemos um erro de tipo I quando erradamente rejeitamos essa hipótese. O erro de tipo II acontece sempre que erradamente aceitamos essa hipótese como verdadeira. (Na verdade, nunca aceitamos uma hipótese, diz-se apenas que não a rejeitamos, mas adiante.)
Imagine uma farmacêutica que alega ter uma determinada vacina. Nada mais natural do que, até prova em contrário, partirmos do princípio de que não presta. Não queremos no mercado uma vacina que não funcione ou que tenha efeitos secundários graves. Com esta atitude, reduzimos os erros de tipo I.
Mas, ao nos focarmos nos perigos de aprovar uma droga errada, exigindo sucessivos testes clínicos, muitas vezes esquecemos as vidas que se perdem por causa dos erros de tipo II: os doentes que podiam ser salvos e não o são, porque a droga não foi aprovada em tempo útil. Uma atitude racional obriga a ponderar ambos os tipos de risco.
É difícil. A visibilidade do erro I é muito maior. Basta ver a atitude de tantos no momento do lançamento das vacinas contra a covid. Todos à espera dos efeitos secundários para acusarem as autoridades responsáveis de terem sido apressadas. Ou ver como reagimos quando soubemos que a Rússia avançou para a vacinação sem ter terminado a terceira fase de testes clínicos. “Que irresponsáveis”, dissemos nós. Mas...
A vacina da Moderna foi concebida a 13 de janeiro de 2020, dois dias depois da sequenciação genética do coronavírus. E, se estávamos todos de pedras na mão para as atirar às autoridades de saúde caso houvesse efeitos secundários, nem nos lembramos de as responsabilizar pelas centenas de milhares de vidas que se perderam porque demoraram a autorizar as vacinas. Entre desemprego, morte, confinamentos forçados, escolas fechadas, quantos milhões viram a sua vida destruída porque não se aprovou a vacina mais cedo?
Condenámos a pressa da Rússia em administrar a sua vacina, acusando-os de puro marketing, mas não perguntámos quantos russos se salvaram graças a essa rapidez. Nem nos lembrámos de que o marketing só funcionaria se a vacina resultasse.
Nesta situação, os custos do atraso são óbvios. Na maioria das vezes, nem damos conta. Se, por acaso, um tratamento eficaz para o tratamento da diabetes não obtiver autorização das autoridades do medicamento ninguém saberá. Olhos que não veem, coração que não sente: como ninguém sabe, ninguém acusará o Infarmed, ou a Agência Europeia do Medicamento (EMA), de negligência criminosa. Já se um mau medicamento, com sérios efeitos secundários, for aprovado, o escândalo será imediato e cabeças rolarão. Assim, as EMA e os Infarmed têm muito mais incentivos a evitar um determinado tipo de erros do que outros.
Na prática, a sociedade decidiu que as vítimas dos erros de tipo I, ou seja, as vítimas de um medicamento errado, valem muito mais do que as vítimas de erros de tipo II, as pessoas que padecem de doenças que seriam curadas se tivessem acesso aos medicamentos uns anos mais cedo.
Ninguém advoga que se aprove facilmente qualquer droga que apareça. Seria cometer o engano oposto. Simplesmente, se fôssemos mais maduros, ponderaríamos ambos os riscos. Foi Harry Truman que pediu um economista maneta. Queixava-se de que todos os economistas lhe respondiam o mesmo: “On the one hand... on the other hand.” Com a aprovação de medicamentos, passa-se o contrário, precisamos de especialistas com os dois olhos, o esquerdo para as vítimas de um tipo de erro e o direito para as vítimas do outro.
2 Circula uma petição a pedir a deportação de Mamadou Ba. Veio na sequência da exigência do CDS para que Mamadou saísse do Grupo de Trabalho para a Prevenção e o Combate ao Racismo e à Discriminação. Qual o crime que o conhecido ativista português cometeu? Disse que o tenente-coronel Marcelino da Mata era fascista e criminoso de guerra.
Espanto-me sempre com o escarcéu que os paladinos do antipoliticamente correto fazem quando não se usa do politicamente correto para falar dos seus adorados. Que Marcelino da Mata, enquanto voluntaria e fervorosamente combatia por um regime colonialista e opressor, cometeu crimes de guerra não é propriamente segredo. E que era um herói de um regime ditatorial, a que muitos chamam fascista, é um facto. Até foi condecorado por Salazar.
E agora? É proibido chamar fascista e sanguinário a um herói de guerra do Portugal salazarista? Tenham juízo e respeitem a liberdade de expressão.
Professor de Economia da Universidade do Minho
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