Posted: 03 Feb 2021 03:29 AM PST
«O líder do PSD tem um desejo: que o Governo continue em permanente equilíbrio precário, desde que não caia; que se desgaste ainda mais com a simples tentativa de se conservar em pé. Na entrevista que concedeu esta semana à TVI, Rui Rio não podia ser mais claro: por um lado, “gostava” que o Presidente da República fosse “mais crítico e exigente” com o Governo. Para que o Governo governe melhor, claro, mas também para tornar “maior” a “força” da oposição. Com o Presidente neste papel de agitador, Rui Rio teria o seu totobola: alguém promoveria a instabilidade para que ele pudesse continuar a dizer, com razão, que “o pior que podia haver era uma crise política, além da pandemia e da crise económica”.
As palavras de Rui Rio traçam de forma clara o horizonte político do país até às eleições autárquicas do Outono. O Governo, exaurido de energia e inspiração por um ano de pandemia, dispõe de um seguro de vida – porque a oposição sabe que quem criar uma crise política será duramente castigado pelos eleitores; porque, no fundo, ninguém quer assumir o pesado encargo de liderar o país num momento como o actual. E porque a oposição sabe também que um cenário de eleições antecipadas só serviria o caos – e as ambições da extrema-direita que se alimenta da putrefacção do regime. Uma crise que levasse a legislativas geraria provavelmente um PS mais fraco mas ganhador, um PSD em agonia à espera de um D. Sebastião vindo de Massamá, um CDS extinto, um Bloco e um PCP penalizados e o PAN trucidado pela nova prioridade dada ao destino das pessoas. Ganharia a Iniciativa Liberal (tem o mérito de renovar o discurso político cristalizado no Estado e nos seus funcionários) e, obviamente, o Chega.
Vamos assistir a uma situação paradoxal: o estado de desânimo e descrença vão exponenciar as críticas e as denúncias contra o Governo; mas, para lá das palavras, todos agirão para o conservar. A crise que desgastou o Governo ampara-o. O Presidente colaborativo não o encostará às cordas por saber que é melhor haver um governo desorientado e exausto do que um governo improvável ou imprevisível – e porque, como a sua vitória provou, os portugueses não querem. Num momento dramático da vida do país, o que melhor parece satisfazer o interesse nacional é o torpor da política como a “arte do possível”. Um sobressalto político que desperte o país do pessimismo, da desconfiança e da amargura só pode vir do próprio Governo. Depois de anos a viver com o beneplácito da conjuntura, António Costa tem finalmente a oportunidade de garantir um lugar na História.»
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