Posted: 13 Mar 2021 03:57 AM PST
«Falta quase um ano para as eleições presidenciais francesas – primeira volta a 8 de Abril de 2022. Mas a campanha já começou. O debate em curso resume-se numa pergunta: pode Marine Le Pen ser eleita Presidente da França? Não é provável, mas é possível, dizem as sondagens e os politólogos. Emmanuel Macron continua favorito mas só venceria Le Pen, na segunda volta, por uma curta margem: 52-48% ou 53-47%. Em 2017, Macron somou 66% na segunda volta.
No dia 27 de Fevereiro, o diário Libération fez soar o alarme: acabou a “frente republicana”. Muitos eleitores de esquerda e de direita detestam Macron e dispõem-se a escolher a abstenção ou votar Le Pen. O director, Dov Alfon, escreveu no editorial: “A frase ‘o fascismo não passará’, tão querida à esquerda, poderá perder a sua força em 2022. Um grande número de eleitores recusará votar Macron para barrar o caminho a Le Pen.” Em suma: “Nem Macron, nem Le Pen.”
Segundo a sondagem Harris Interactive (8 de Março), 24% dos eleitores do Insubmissos (extrema-esquerda), de Jean-Luc Mélenchon, 5% dos ecologistas e 21% dos eleitores de Os Republicanos (direita tradicional) optariam pelo voto Le Pen no segundo turno. Mas a maior ameaça a Macron seria a abstenção: 52% dos eleitores de Mélenchon, 42% dos socialistas da presidente de Paris, Anne Hidalgo, 44% dos ecologistas e 41% da direita...
Dias depois do inquérito do Libération, cinco politólogos e economistas, conotados com a esquerda, assinaram um artigo no site Telos: “Macron=Le Pen… a sério?” (Alain Bergounioux, Elie Cohen, Gérard Grunberg, Bernard Manin e Jean-Louis Missika). Argumentam que a crença de que Macron derrotará infalivelmente Le Pen encerra uma armadilha que, desde já, deve ser desmontada. Serão os eleitores dos outros candidatos a decidir quem será eleito na segunda volta. “Marine Le Pen arrisca-se a ser eleita Presidente da República em 2022, não por causa do seu programa, da amplidão dos seus apoios ou dos seus esforços de ‘desdiabolização’, mas por uma série de flutuações na opinião, fruto de uma aversão a Macron, que alimenta a rejeição da tradicional disciplina da ‘frente republicana’ na segunda volta.”
São muitas as acusações, entre elas uma suposta tentação autoritária. “O paradoxo é que os defensores das liberdades públicas que se afastam de Macron, por ele ter reforçado o aparelho repressivo, encaram, sem tremer, confiar esse mesmo aparelho a Marine Le Pen.” Note-se que a actual cota de popularidade do PR até é boa: 48% dos franceses dizem confiar nele (Harris Interactive, 26 Fevereiro).
Esquerda e direita
O problema de fundo está relacionado com o enfraquecimento da clivagem esquerda-direita, que não desapareceu, mas deixou de ser o factor “natural” dos alinhamentos políticos. Segundo um recente inquérito do IFOP, mais de dois terços dos franceses consideram que “a oposição entre esquerda e direita está ultrapassada”, enquanto 28% pensam que ela “faz ainda sentido, mas deixou de ser determinante”.
Escreve Grunberg, num outro texto, que “o eixo esquerda-direita já não absorve a diversidade das sensibilidades culturais, societais e identitárias”. É por ser fraca e dividida, que a esquerda é incapaz de chegar a acordo sobre uma candidatura única ou sobre a opção na segunda volta. “A sua identidade é posta em causa pelas novas clivagens que não se encaixam no eixo esquerda-direita. Estas novas clivagens fragmentam o seu eleitorado tradicional e constroem uma nova configuração política. E as diversas componentes da esquerda não compreendem esta nova configuração e nem são capazes de a ela se adaptar. Ora, é ela que vai estruturar as presidenciais de 2022”.
Em 2017, Macron impôs uma clivagem entre partidários da “França aberta” e da “França fechada”, entre progressistas e populistas, mundialistas e nacionalistas. Para isso, serviu-se dos temas condutores do discurso de Marine Le Pen. Esta tem flutuado nas suas posições. Depois do “namoro” com Putin e Trump, depois da sedução pelo “Brexit”, está a ensaiar uma viragem à moda de Salvini: passar de eurocéptica a eurófila, de forma a anular uma das linhas de ataque de Macron.
Mas também este terá de elaborar uma nova mensagem, porque os tempos mudaram. “A sucessão de crises durante o quinquénio contribuiu para esvaziar o macronismo da sua substância”, diz Françoise Fressoz, analista do Monde. A conquista de 2017 assentava na afirmação da fé europeia, numa ideia de progresso fundada na emancipação individual e numa profunda renovação da vida política. Deste contrato apenas subsiste a fé na Europa. O resto foi varrido pelos ‘coletes amarelos’ e, depois, pela crise epidémica que levou à doutrina do ‘custe o que custar’. (…) A sociedade francesa aparece, ao mesmo tempo, esfarelada e desencorajada.”
As sondagens para a primeira volta colocam Macron e Le Pen a par, na casa dos 25% (em 2017, respectivamente 24 e 21,5%). O candidato republicano mais cotado será Xavier Bertrand, com 12 a 15%, seguindo-se Mélenchon com 11, a socialista Anne Hidalgo e o ecologista Yannick Jadot, ambos na casa dos 6/7%. Os Republicanos continuam a perder terreno. A esquerda está fragmentada. Le Pen tem um eleitorado fidelizado. Com que futuro?
Até agora, Marine Le Pen tem sofrido o efeito do “tecto de vidro”, uma barreira invisível que não consegue ultrapassar. Isto significava que ela e o seu partido não tinham vocação de governo, sendo essencialmente uma força de protesto. No entanto, algo pode estar a mudar. Em 2018, apenas 40% dos franceses admitiam que ela pudesse um dia chegar ao poder. Em 2020, esse número subiu para 56%. No entanto, hoje, 64% dos franceses excluem em absoluto dar o seu voto a Le Pen.
Continua a funcionar o “tecto de vidro”? Provavelmente sim. O que poderá diferenciar as presidenciais de 2022 é o facto de Marine Le Pen poder vencer por uma catastrófica “conjugação dos astros”: da volatilidade dos eleitores de esquerda e direita a inesperadas “emoções políticas”. Alguém imagina o efeito de uma vitória da extrema-direita em França?»
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