Translate

segunda-feira, 12 de abril de 2021

A montanha pariu um rato


por estatuadesal

(Estátua de Sal, 09/04/2021)

Sócrates foi corrompido? Talvez. Rosário Teixeira é um incompetente? É!

Seguindo a leitura que Ivo Rosa esteve a fazer do despacho instrutório do processo Marquês, fiquei com os cabelos em pé. Crimes imputados mas já prescritos, acusações sem qualquer indício que vá além de um argumento de romance, incongruências e contradições factuais de datas, desconhecimento dos acórdãos do Tribunal Constitucional, contradições mesmo entre partes várias da acusação. Como é possível que um processo desta importância tenha tantas falhas, aberrações e atropelos ao Direito?

Tudo começou com a prisão de Sócrates. À época o Ministério Público não tinha qualquer prova que incriminasse o detido. Prendeu para investigar. Investigou e deve dizer-se que nenhum político em Portugal, em algum tempo, foi tão devassado e escrutinado como Sócrates. O facto de o MP não ter encontrado nenhuma prova objetiva e insofismável de que Sócrates tenha sido corrompido, deve levar-nos a pensar. Com milhares de escutas ao próprio e a todos os que o rodeavam, apreensão de emails e correspondência cobrindo largos períodos de tempo, em nenhum momento vem ao de cima “conversas” que indiciem os presumíveis crimes?! É, de facto, tão estranha essa ocorrência, tanto ou mais estranha ainda que a facilidade com que o amigo de Sócrates lhe fazia chegar elevadas quantias de dinheiro.

Depois de ter promovido a prisão de um ex-Primeiro Ministro, com informação prévia à imprensa e às televisões, o Ministério Público tinha que construir posteriormente uma acusação que justificasse uma tão grave diligência. Não conseguiu, apesar de ter recorrido a uma panóplia de atropelos aos formalismos e às regras mínimas do processo penal, como ficou patente na longa leitura de Ivo Rosa.

No final da decisão de Ivo Rosa o que restou? Essencialmente as dúvidas do Juiz em o amigo de Sócrates lhe entregar dinheiro de forma capciosa e sub-reptícia, indiciando tal um crime de corrupção sem objeto identificado – ainda que já prescrito -, originando em consequência um crime de branqueamento de capitais.

É sabido que a Justiça ainda vai seguir o seu percurso e que o MP irá seguramente recorrer da decisão de Ivo Rosa. Contudo, apesar de não ser jurista, parece-me que dificilmente a decisão agora havida poderá ser muito alterada, tal o cuidado e a qualidade jurídica dos argumentos contidos neste despacho de pronúncia.

Contudo, deve desde já elogiar-se Ivo Rosa. Pela primeira vez no processo Marquês a comunicação social e as televisões não foram informadas previamente do que iria ser o resultado das suas decisões. O segredo de justiça foi respeitado até ao fim, o que é inédito no âmbito do dito processo.

Sendo a Justiça um sistema imperfeito – porque humanos e imperfeitos são os seus agentes -, fiquei hoje com a sensação de que o sistema contém em si, ainda assim, uma lógica de contrapesos que lhe permite corrigir os seus próprios limites e falhas.

Assim o consiga fazer em tempo útil e com o mínimo de danos para quem sofra de tais deficiências. No caso de Sócrates, tal já não será possível. Devido à mediatização do processo, decorrente das reiteradas violações do segredo de justiça, para o bem ou para o mal, já todos o julgámos. 

Sem comentários:

Enviar um comentário