Translate

segunda-feira, 18 de março de 2024

 

 A esquerda, as eleições e a guerra na Ucrânia

estatuadesal

17 de Março de

(Whale project, in Estátua de Sal, 16/03/2024, revisão da Estátua)


(Este artigo resulta de um comentário a um texto que publicámos, de Miguel Castelo Branco, sobre o envio de 100 milhões de euros para a Ucrânia, (ver aqui). Pela sua atualidade resolvi dar-lhe destaque.

Estátua de Sal, 17/03/2024)


Se as eleições tivessem sido em Março, ou em Abril de 2022, tinha sido pior ainda.

O Bloco de Esquerda, após a Guerra do Iraque, tratou de arrepiar caminho e engolir todas as narrativas do Natostão.

Foi assim na campanha de destruição da Líbia, foi assim na Síria, foi assim até com uma certa justificação do acho meio tresloucado do Trump ao assassinar o General iraniano Qasem Soleimani. Afinal de contas, garantiam os bloquistas, o homem não tinha feito nada pela democracia. Presumo que isso justificaria alguém ser assassinado. A esse título, metade da população mundial poderia ser morta.

Na guerra da Ucrânia trataram de manifestar, desde a primeira hora, a solidariedade sem reservas aos pobres ucranianos e a condenação total da Rússia.

Foi assim que conseguiram evitar os ataques cerrados dos comentadeiros a soldo da hierarquia e manter o seu eleitorado. Afinal, não vem mal ao mundo num partido que defende os pobrezinhos e uns salários mais decentes, mas não toca nas grandes narrativas dominantes.

Ora, o que o Partido Comunista disse acabou por não ser muito diferente do que disse o Papa Francisco, quando referiu que, talvez isto não tivesse acontecido, se a NATO não andasse a ladrar às portas da Rússia. E tratou de ressalvar que em nada se identifica com o regime oligárquico de Putin, mas que era preciso reconhecer que havia forças sinistras na Ucrânia - nomeadamente nazis -, e que um país como a Rússia - que muitas vidas perdeu para o nazismo -, devia sentir-se ameaçado, já que a NATO tudo fez para que a guerra acontecesse. Em nenhum momento o PCP deu qualquer apoio expresso ou tácito à invasão russa, apenas disse que a dita não nasceu do nada, mas sim de um processo de provocação que começou, pelo menos em 2014.

Claro que, como esse partido é uma verdadeira pedra no sapato da oligarquia que nos faz perder direitos todos os dias, a nossa comunicação social, detida pelos nossos oligarcas, tratou logo de arregimentar os comentadeiros para fazer a colagem e criar a identidade, comunistas = putinistas. E, tal era tanto a verdade e ficava provado, por o Partido Comunista Russo ter apoiado a invasão. A sério, houve quem dissesse isso.

O que não deixa de ser caricato. A invasão russa foi-nos vendida como um ato solitário e tresloucado de um homem que se sabia à beira da morte por cancro, e queria, de algum modo, ficar na História. Mas depois já os comunistas portugueses deviam pagar porque os comunistas russos tinham apoiado a suposta decisão tresloucada e solitária de Putin. Aí, já não era suposto, até terem tido medo de serem mortos por aquele temível envenenador.

Ora, no caso dos comunistas russos, e de todos os outros partidos com assento na Duma, em Fevereiro de 2022 toda a gente sabia que haveria uma grande invasão ao Donbass. Dirigentes banderistas prometiam o massacre de pelo menos um milhão de pessoas e a expulsão das restantes para a Rússia.

E, desde 16 de Fevereiro de 2022, a coisa estava bem encaminhada. A artilharia começou a atacar forte e feio e as explosões chegaram a ser reportadas pelos nossos media como festejos com fogo-de-artifício, pelo facto de Putin finalmente ter reconhecido a independência daquelas regiões da Ucrânia.

A verdade é que nenhum partido russo - por muito amante da paz que fosse, ou se afirmasse -, queria ter às costas o ónus da morte de um milhão de pessoas, violações, torturas, expulsão dos sobreviventes e todas as malfeitorias provocadas pelo modo de atuação já demonstrado pelos bandeiristas. Seria um saldo mortal para qualquer partido, e até para Putin, que talvez enfrentasse aí a revolta popular e militar que nós tentamos instilar com as sanções.

Eu queria ver o que faria o garnisé cantante Macron, o cara de pão ralo do Scholz, ou até a senhora de cabelo lambido Van der Pfizer, se se vissem ante a possibilidade de enfrentar, em tempo curto, um pelotão de fuzilamento ou o fundo da Sibéria. Talvez tratassem de renunciar e deixar a outro o pepino.

Por cá, o PCP foi logo vilipendiado e mais ainda quando, no 25 de Abril, os deputados comunistas não quiseram engolir o sapo de ouvir o que o liberticida Zelensky - que por lá, na Ucrânia, atacava os comunistas com a fúria dos nazis -, tinha a dizer na nossa casa da democracia. Justamente no dia em que festejávamos a queda de um regime, semelhante ao que ele instituiu na Ucrânia, já antes da invasão russa. Esta, deu lhe o mote para avançar mais ainda, ilegalizando tantos partidos - ao que consta, doze -, mas já antes opositores desapareciam, eram assassinados em plena rua, tinham de fugir para a Rússia ou iam malhar com os ossos na cadeia. Cadeias, que são muito más para a saúde e, onde as mortes são tantas, que é preciso cremarem os mortos.

Pois foi este traste que os deputados bloquistas ficaram a ouvir, enquanto os deputados comunistas trataram de se poupar da azia de ficar a ouvir o carrasco dos comunistas ucranianos. Mas, aos bloquistas, não fez nenhuma mossa o destino dos esquerdistas ucranianos. Já para não falar de outras minorias para eles tão queridas.

São escolhas e, temos de concluir que em termos de ganhos eleitorais, a escolha bloquista, desde a destruição da Líbia, é a mais acertada. Esta escolha contribuiu, em muito, para os comunistas serem mais uma vez os maus da fita, só faltou o comem criancinhas.

Assim, até tivemos um fascista ucraniano a pedir, em direto na televisão, a ilegalização do PCP e a perguntar como é que era possível ainda haver em Portugal um partido comunista, sem que ninguém, mesmo à esquerda, o mandasse para a senhora mal comportada que o desovou. Nas rodas de bêbados, de onde certamente saíram muitos dos votos do Chega, ouviam-se, desde pedidos da tal ilegalização, até à deportação para a Rússia de todo aquele que fosse militante comunista. Em frente a algumas sedes do PCP foram colocados verdadeiros altares em homenagem às vítimas da guerra na Ucrânia, na Ucrânia ocidental, bem entendido, as paredes pintadas com slogans de todo o tipo. E, como se viu, a campanha resultou em pleno. Claro que alguma coisa falhou na campanha comunista, que nunca conseguiu desconstruir esta narrativa aldrabona e nefasta.

Mas se o PCP ainda teve alguma votação foi mesmo porque as pessoas começam a estar fartas da Ucrânia. Sonharam com uma guerra rápida e agora veem- se perante um conflito que ninguém arrisca dizer como acabará. Estão fartas de perder dinheiro e direitos porque é preciso ajudar a Ucrânia. Não fosse isso e, talvez, tivessem tido o mesmo destino que o CDS teve nas eleições de 2022.

Destino que os comentadeiros continuam a vaticinar: "Ainda não foi desta que corremos os comunas do Parlamento, mas para a próxima é que é". A ver vamos, como diz o cego.

Sem comentários:

Enviar um comentário