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sábado, 10 de março de 2018

Ponte sobre o Tejo

por estatuadesal

(João Quadros, in Jornal de Negócios, 09/03/2018)

quadros

João Quadros

Segundo um relatório do LNEC, a ponte 25 de Abril tem fissuras em pilares, parafusos desapertados e cabos deslaçados, no fundo está um bocado como a revolução que lhe deu o nome. Mas se está em risco de cair faz sentido para aqueles que continuam a chamar-lhe ponte Salazar.

À partida, confio nos estudos do LNEC desde que vi o saudoso engenheiro Edgar Cardoso aos saltos em cima da pala do antigo estádio de Alvalade para provar que estava segura. A verdade é que, mais tarde, o estádio foi demolido e a única parte que se manteve firme e hirta, até ao fim, apesar das obras todas em redor , foi a pala do estádio. Foi graças ao professor Edgar Cardoso que a profissão de engenheiro ganhou um tal estatuto no país que, mesmo depois do que aconteceu com Sócrates, continua a ser bem vista.

Seria uma tragédia se a ponte 25 de Abril ruísse, especialmente se caísse em cima de um daqueles paquetes de cruzeiros cheios de turistas que nos vêm encher os cofres. Por outro lado, o facto de ficarmos só com uma ponte podia evitar discussões, muitas vezes quase violentas, entre casais sobre: "Vamos pela 25 de Abril ou pela Vasco da Gama?" É uma das decisões mais terríveis de tomar para quem chega a Lisboa. Se vão mais do que duas pessoas no carro parece o público do "Preço Certo em Euros" a mandar palpites: "Vasco da Gama!" "Sobre o Tejo!"

Fez esta semana 16 anos da tragédia de Entre-os-Rios. Desconfio que pouco se aprendeu desde aí. Inaugurar pilares de pontes não dá votos nas eleições, porque mete mergulhadores e é quase tudo debaixo de água e não dá jeito para tirar fotos ou fazer reportagens.

Por outro lado, se muitas vezes o Governo não corrige aquilo que todos vemos que está mal, por que raio iria gastar dinheiro em pormenores que não damos por isso? Não fossem as notícias, sabia lá que a ponte estava neste estado, e passo lá algumas vezes e sou um tipo pessimista e chato, sempre pronto a apontar defeitos.

Agora, não consigo voltar a olhar para a ponte 25 de Abril com os mesmos olhos. Não vou desistir da Maratona de Lisboa deste ano mas, quando passar na ponte, vou em biquinhos de pés. Só volto a sentir segurança a atravessar a 25/4 depois de fazerem um teste com uma feijoada na ponte como fizeram aquando da inauguração da Vasco da Gama. Porque o que nos vai valendo é que Lisboa não é famosa por sismos a não ser em livros de História.

Para terminar, se andamos todos há uns bons anos a fazer de cobaias da Lusoponte, acho que o mínimo é voltarmos aos tempos em que em Agosto não pagávamos portagens. Para mim, não pagar portagem na ponte 25 de Abril era o melhor que o Agosto tinha.


TOP-5

Sobre o Tejo

1. Assessor jurídico da SAD do Benfica tinha uma toupeira no Instituto de Gestão Financeira e Equipamento da Justiça que, "como contrapartida pelas informações, os funcionários receberiam favores ou prendas, como convites para lugares VIP" - A bitcoin portuguesa são os bilhetes para ir ver os jogos do Benfica

2. Audiências dos Óscares de 2018 foram as piores de sempre - As pessoas só viam aquilo por causa do assédio.

3. Em Portugal, os patrões têm formação média mais baixa do que os trabalhadores - Estudassem! Espera... neste caso não dá.

4. CTT distribui aos accionistas mais do dobro dos lucros - Espero que em bebidas energéticas e todo o género de traquitanas que vendem aos balcões dos CTT.

5. Ministério Público quer Paulo Gonçalves longe do Estádio da luz - Que injustiça, logo o indivíduo que dava bilhetes a tanta gente para poder ir ver os jogos

José Augusto Silva, uma “toupeira” muito acessível

José Augusto Silva, uma “toupeira” muito acessível

09/03/2018 by João Mendes

Tem razão, o advogado Paulo Gomes, que representa José Augusto Silva no processo e-toupeira, quando afirma que existem neste país pessoas que recebem milhões de euros de corrupção sem que nada de particularmente grave lhes aconteça. Acontece que, se ficarem provadas as suspeitas que pendem sobre o informático que está no centro da tempestade vermelha e branca, o cliente de Paulo Gomes não se limitou a receber umas camisolas e uns bilhetes para o Estádio da Luz. Violou a lei e comprometeu processos judiciais em curso.

A confirmarem-se as acusações, José Augusto Silva não será um pobre inocente que recebeu umas camisolas e uns bilhetes por ser um adepto exemplar, como se de um simples bode expiatório se tratasse. José Augusto Silva terá usado a sua posição profissional e os seus conhecimentos informáticos para usurpar as credenciais da magistrada Ana Paula Vitorino, violar o segredo de justiça e aceder ilegalmente a dados de processos em curso, que colocam o SL Benfica numa posição extremamente delicada, entregando-os ao director jurídico do Benfica, Paulo Gonçalves.

José Augusto Silva terá então subvertido o normal funcionamento da justiça, deixando-se corromper para o efeito, e isso, por si só, não é coisa pouca. E se a isto juntarmos o emprego que o SL Benfica deu ao seu sobrinho ou os vários convites para o camarote presidencial da Luz, por norma reservado às mais altas individualidades do desporto, da política e do mundo empresarial, fico com a sensação que a margem para dúvidas se reduz drasticamente.

É óbvio que precisamos de uma justiça mais competente, capaz de prender políticos, banqueiros e empresários corruptos, que os há em demasia neste país de compadrios. Mas se queremos um país onde a justiça funcione, não podemos tolerar que os seus funcionários vendam informação confidencial sobre processos em segredo de justiça a dirigentes desportivos corruptos, seja a troco de um milhão de euros, seja a troco de um bilhete para a bancada Coca-cola. E o mais grave no meio de tudo isto é perceber o quão barato pode ser corromper alguém com acesso privilegiado a informação tão sensível. Se é assim com processos relacionados com o futebol, imaginem como será quando o tema são falcatruas bancárias ou corrupção político-partidária.

Paridade no cu dos outros

por CGP

O governo aprovou ontem o aumento das quotas de mulheres na administração pública e empresas privadas cotadas na bolsa. Segundo esta notícia, passará a ser obrigatório ter pelo menos 40% de mulheres em conselhos de administração e orgãos de fiscalização. Para quem não conhece os membros do consleho de ministros que aprovaram estas medidas, fica, as fotos abaixo.

sexta-feira, 9 de março de 2018

RUI VERSUS CRISTAS

por estatuadesal

(In Blog O Jumento, 08/03/2018)

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Nas próximas legislativas vão haver duas disputas, uma disputa entre a direita e a esquerda e uma segunda disputa entre Rui Rio e o CDS. Se as sondagens passarem a perceção de que a esquerda ganha sem problemas, a verdadeira luta eleitoral vai ser entre os dois partidos da direita. Cristas já ganhou à candidata do PSD em Lisboa, onde nem a paragem do presidente num sinal laranja a ajudou, espera agora ganhar ao PSD no país.

Passos Coelho cometeu o erro estratégico de em vez de se assumir líder da oposição ter optado por ser devoto do mafarrico, esperando que fosse este a fazer a vida do António Costa num Inferno. Durante dois anos foi Assunção Cristas quem assumiu a liderança da oposição, muitas vezes de forma desastrada, mas a verdade é que o PSD esteve ausente.

Se Passos optou pela ausência, parece que Rui Rio preferiu desaparecer e em vez de fazer oposição opta por ir de vez em quanto tomar um chá com Marcelo Rebelo de Sousa para aparecer na televisão. Mas o pior é que só ao fim de dois meses e depois de um namoro prolongado com o primeiro-ministro é que se lembrou que tinha algumas obrigações como líder da oposição.

Parece que David Justino vai ser o primeiro-ministro sombra do Conselho Estratégico Nacional, cabendo-lhe estudar as diferenças em relação à política do governo. Curiosamente, há poucos dias eram os tais ministros na sombra que iriam negociar os consensos com os ministros. Por outras palavras, ainda não se sabe muito bem como é que Rui Rio faz oposição, se negoceia de manhã e se opõe à tarde, se faz consensos em Lisboa e oposição no Porto.

Cristas percebe que ou a direita ganha as eleições ou o PSD não resistirá a satisfazer os seus partilhando o poder com o PS, dispensando os serviços do CDS e pondo fim a uma aliança que não se percebe se ainda existe. A líder do CDS não só assume a liderança da direita, fazendo um discurso que condiciona o PSD, como não tem vergonha de fazer seu o legado do governo de Passos Coelho.

Cristas sabe que pode ficar afastada do poder durante mais uma legislatura, mas aceita esse preço se sair das eleições como líder da direita. A verdade é que neste momento Assunção Cristas já não é apenas líder do CDS, é líder de uma direita onde está mais de 40% do PSD, precisamente os apoiantes de Passos Coelho. Ao assumir o legado do anterior Governo, ao ser mais leal com o PSD de Passos do que Rui Rio e ao continuar a segurar a bandeira e o programa do PAF, é bem provável que Cristas tenha o apoio silencioso dos apoiantes de Passos Coelho.

Rio ficou preso na sua própria estratégia e depois de anos num jogo de toca e foge, de deslealdade e de pequenas falsidades não sabe se deve assumir o legado do seu partido afastando-se de consensos com o PS sob o patrocínio de Marcelo, ou se não deve assumir esse legado e assumir todas consequências eleitorais.

Com as hesitações de Rio a líder do CDS afirma-se cada vez mais como líder da direita e Rui Rio arrisca-se a ser uma Teresa Leal Coelho das legislativas. A vingança serve-se fria e da mesma forma que os seus apoiantes tiraram o tapete à candidata por Lisboa, é a agora a vez de os apoiantes de Passos verem Rio em dificuldades.

quinta-feira, 8 de março de 2018

Se hoje um homem lhe oferecer flores…

por estatuadesal

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 08/03/2018) 

Daniel

Daniel Oliveira

O Dia Internacional da Mulher nasceu da confluência dos movimentos socialista e sufragista do início do século passado. O 8 de março, que foi antecedido por outras datas, celebra duas exigências: condições de trabalho dignas e direito ao voto. Nasce como um movimento laboral e cívico de uma enorme radicalidade para a época, tendo chegado a ser violento. Vê-lo transformado no elogio à sensibilidade feminina, com entrega de flores, promoções de roupa, descontos em ginásios e cursos gratuitos de maquilhagem não é apenas uma perversão da data. É um insulto ao feminismo que ela celebra.

Um dos mais claros sinais da derrota de vários movimentos emancipatórios é a sua captura pelo mercado. Em Nova Iorque, a marcha do orgulho gay é hoje mais um evento social com forte investimento de marcas em busca de nichos de mercado do que uma manifestação cívica e política pelos direitos LGBT. Em Portugal, o 1º de Maio já serve para grandes superfícies, sobretudo as que mais exploram os seus próprios trabalhadores, organizarem grandes campanhas de descontos para fidelizar clientes. E há países onde a coisa está muito mais avançada e a data perdeu já o seu sentido político. E o 8 de Março passou a ser mais um dia em que a mulher é reduzida ao seu papel ornamental.

O 8 de Março nasceu da confluência dos movimentos socialista e sufragista, de uma enorme radicalidade para a época, tendo chegado a ser violento. Vê-lo transformado no elogio à sensibilidade feminina, com entrega de flores, promoções de roupa e atividades dirigidas às mulheres, é um insulto ao feminismo que ele celebra

O mercado, como único espaço de socialização, tomou conta de todas as celebrações. Não se limitou a conquistar o presente. Conquistou o passado, esvaziando de memória tudo o que não corresponda às suas necessidades. Ofuscando com as cores do néon tudo o que cheire a contracultura. Querem marca que mais venda do que uma t-shirt com a cara de Che Guevara?

A magia cultural do capitalismo é a sua capacidade de padronizar a diversidade, reduzindo-a ao seu valor de mercado. De mercantilizar a subversão, tornando-a inofensiva e lucrativa. De embrulhar todas as tradições e memórias, por mais antagónicas que sejam, no mesmo papel brilhante. Até o Natal, o 1º de Maio, o dia da mulher ou o dia dos namorados se equipararem. Há qualquer coisa de “1984” neste apagar da nossa memória coletiva. Só que em vez do Estado omnipresente, temos o mercado absoluto.

Da mesma forma que oferecemos às multinacionais das Tecnologias da Informação o que nunca demos a uma ditadura, é voluntariamente que participamos neste processo de amnésia histórica em que cada celebração se torna o seu oposto. Em que o 1º de Maio reduz o trabalhador a consumidor e o 8 de Março celebra todos os estereótipos femininos. Para manter vivas estas datas, que correspondem a lutas que ainda estão em curso, não se pode ceder um milímetro ao comércio que as toma.

Por isso, se hoje um homem lhe oferecer flores explique-lhe que elas foram pagas com os 17 cêntimos por euro que os homens recebem indevidamente a mais do que as mulheres. Que elas foram pagas por si.