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sábado, 28 de abril de 2018

Desemprego recorde no Brasil

Novo artigo em Aventar


por Sotero

O IBGE divulgou nessa sexta-feira, 27, novos dados sobre situação dos desempregados no Brasil. O resultado é o novo recorde de número de desempregados.

O número de desempregados no país aumentou em 1,379 milhão de pessoas, o que representa uma alta de 11,2%. Temos quase 14 milhões de pessoas desempregadas. Ainda segundão o IBGE, o número de desocupados é o maior desde julho, quando também ficou em 90,6.

A velha forma de governar da direita golpista brasileira: pobreza, miséria, desemprego parabéns aos envolvidos.

O perigo iminente da dividendocracia

por estatuadesal

(Francisco Louçã, in Expresso, 28/04/2018)

LOUCA3

Agora os números confirmam o meu receio, que quem lê esta coluna já conhece e me pode ter levado a mal. Parece que se chama a isto racio­nalidade, a que alguns meios científicos atribuem mesmo poderes divinatórios e omniscientes. Então, a fábula ia assim: as administrações das empresas, escolhidas e reeleitas pela assembleia geral, usam o seu melhor critério e a sua mais racional informação para a decisão mais estratégica, a que orienta o pagamento de dividendos aos acionistas, e a soma de todas essas decisões em mercado livre e com agentes motivados pelo seu benefício próprio conduz à felicidade geral. Em Portugal, isso quer dizer este ano que, tendo o produto de toda a economia aumentado 2,5%, os dividendos nas principais empresas aumentam em 20%, para mais de dois mil milhões de euros.

Dizem alguns analistas que este bodo aos acionistas exprime o receio de uma recuperação lenta e mais vale pássaro na mão do que a voar. Ingenuidade. Esta utilização dos lucros das empresas representa antes uma escolha social em prejuízo do investimento. Se os dividendos esgotam ou até superam os resultados, as empresas são forçadas a reduzir as suas reservas para os pagarem e, se querem investir, terão de o fazer recorrendo a dívida, uma das maleitas da economia portuguesa. Pouco capital próprio é a consequência de excesso de dividendos generosos. Muita dívida e custos financeiros vulneráveis é a consequência da consequência.

Este retrato é cristalino no caso do PSI20. Algumas destas empresas reduziram os resultados e aumentaram os dividendos: é o caso da Jerónimo Martins, que entrega todo o seu lucro aos acionistas, como a Novabase ou a F. Ramada. Há empresas que pagam dividendos mesmo com prejuízos, como a Sonae Capital. Outras que pagam mais em dividendos do que o que obtiveram em lucros, como os CTT ou a NOS. Outras que pagam três quartos dos lucros (Galp), dois terços (Altri), metade (Sonae SGPS e Sonaecom) ou um terço (Amorim, que tem menos lucros do que no ano anterior, mas paga mais dividendos), tudo segundo uma investigação do “Jornal de Negócios”.

Há uma interpretação simplista que diz que os administradores se limitam deste modo a melhorar as suas possibilidades de serem reeleitos, levando à assembleia geral propostas agradáveis para os acionistas. Pode ser. Mas estamos no tempo em que as empresas cultivam a imagem de inovação, em que o Governo elogia o investimento, em que os programas de financiamento favorecem a criação de capacidade produtiva e mesmo do emprego.

Assim, ao contrário, estes números demonstram mais do que uma operação de sedução, indicam a visão de uma economia extrativa, em que a empresa é uma mina, o trabalho é um filão e o investimento é um direito passado a uma renda futura. Com este PSI20, Portugal não precisa de inimigos.


O teu crápula é pior do que o meu

Escreveu Paulo Rangel um mapa da União Europeia para acusar os socialistas de conviverem com gente de muito má catadura. Atento, não esconde os factos, a começar por aqueles que poluem a reunião do seu próprio grupo no Parlamento de Estrasburgo: a Hungria do seu colega de partido europeu, Viktor Orban (na foto), é um susto e, acrescenta, a Polónia, com um governo de extrema-direita, está numa situação “muito alarmante” (“Público”, 24 abril). Mas o que lhe interessa é mostrar que alguns dos que criticam estes parentescos têm esqueletos no armário, ou seja, que têm razão, mas não têm autoridade. É uma forma curiosa de ver as coisas.

Regista Rangel que, dos seis governos liderados por gente do Partido Socialista Europeu, três estão a contas com suspeitas, ou acusações, ou mesmo condenações por malfeitorias várias e não ligeiras. São eles os governos de Malta, da Roménia e da Eslováquia. O assassínio de jornalistas ou os ataques à independência do poder judiciário conduzem a uma situação em que “a liberdade de imprensa está sequestrada numa teia nebulosa de conexões a organizações criminais e mafiosas”, ainda segundo o eurodeputado do PSD. Poderia dizer mais. Poderia ter lembrado que, quando os levantamentos das primaveras árabes derrubaram os governos ditatoriais da Tunísia e do Egito, os partidos que se encontravam no poder eram da Internacional Socia­lista. Mas talvez baste a atualidade imediata.

Ora, o argumento é ao mesmo tempo preocupante e cândido. Preocupante será, porque se refere a ministros demitidos, a investigações em curso, a acusações fortes, atuações violentas destes governos. Mas serve candidamente para um propósito, afirmar que “o problema é muito mais profundo e muito mais complexo do que a simples ‘diabolização’ de Viktor Orban”, o que soa a algum relativismo. É de lembrar que Orban era o discípulo preferido de Kohl, o poderoso chanceler alemão, e chegou ao poder com proteção e pergaminhos.

O autor explica depois o que pensa, que este diabolismo partilhado entre o seu companheiro de partido e os tais socialistas se radica em atitudes e culturas comuns de violência antidemocrática, por exemplo contra os refugiados, que exprimiriam uma “fissura entre o Ocidente e o Leste europeu”. É então a geografia e a história que os condena e irmana, o que de algum modo alivia a parceria que uns e outros, direita e socialistas, estabelecem com tais personagens, que aceitariam resignados. O teu crápula é pior do que o meu, que também não é grande coisa, mas cá vamos vivendo.

A teoria tem encanto mas não é suficiente para explicar a realidade. De facto, a Áustria não está no Leste europeu e foi onde um partido da direita clássica se aliou a um partido de extrema-direita. E a União Europeia não é determinada pelo Leste europeu nem pelos extravagantes socialistas suspeitos de mafiosos e, apesar disso, foram os mais garbosos dos democratas ocidentais que assinaram o acordo com a Turquia, pagando-lhe para reter os refugiados. O problema talvez esteja também na democracia liberal, mesmo em Bruxelas e Berlim, a ver bem as coisas.


A visita do ministro que diz que nos salvou

Yanis Varoufakis é um personagem simpático. É uma vítima, é bom não o esquecer: no seu curto ministério, tentou evitar que a Grécia caísse no abismo da dívida. As lições que concluiu desse episódio são instrutivas, por vezes mesmo divertidas, como a descrição das reuniões com Schauble. É certo que não quis preparar alternativas: o seu plano B era uma charada sem medidas concretas e não quis ouvir ninguém nem fazer nada até ser tarde demais. Mas aprendeu com esse tormento. A experiência demonstrou-lhe, como explicou em Lisboa, que é impossível que o euro continue igual, mesmo que pense que o seu fim nos remeteria para a véspera da guerra como nos anos 30.

Não é muito claro o que deduz desse trapézio de impossibilidades. Esta dupla negativa levou a uma macronização acelerada de alguns varoufakistas, deslumbrados com esse novo Napoleão que intimou os diferentes países a realizarem até junho deste ano uma convenção, para se alinharem com as suas esplendorosas ideias. Ora, não há o menor vislumbre de que algum Estado se submeta a uma promessa vinda de eleições francesas e, portanto, ninguém mexe uma palha. Hamon, aliado de Varoufakis, veio à sua cola mostrar todo o desprezo do mundo por Macron. Fim da linha para a hipótese de alguém reformar o euro.

Varoufakis mostrou também a sua faceta mais histriónica, ao anunciar que foi ele quem permitiu a geringonça portuguesa. Tudo compreensível, é campanha eleitoral, ninguém leva a mal. Mais estranho é anunciar uma “lista transnacional”, uma fantasia, dado que a lei europeia não a permite. Mascarar a compreensível cooperação entre partidos com uma plataforma comum como se fosse uma única “lista transnacional” é só um pequeno engodo.

O esplendor do politicamente idiota

por estatuadesal

(Miguel Sousa Tavares, in Expresso, 28/04/2018)

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Miguel Sousa Tavares

Pobre Fernando Medina, do que ele se foi lembrar: fazer um Museu das Descobertas, ou dos Descobrimentos, em Lisboa! Uma ideia que pareceria absolutamente consensual e necessária e que só pecava por tardia, parece que se transformou numa polémica que já suscitou a indignação de mais de uma centena de historiadores e “cientistas sociais”, trazida a público num abaixo-assinado de professores de diversas Universidades, portuguesas e estrangeiras — se bem que, para dizer a verdade, quase todas de segundo plano, as Universidades, e quase todos, portugueses, os professores, com excepção de alguns, que presumo brasileiros, em decorrência dos nomes que ostentam e que só podem ter origem em antepassados portugueses e não em avós balantas ou mesmo tupi-guaranis.

Antes de, com a devida vénia e indisfarçável terror, entrar na polémica, deixem-me confessar a minha ignorância preliminar relativamente a duas questões, seguramente menores: desconheço quase por completo, não só os nomes, mas, sobretudo, a importância dos ditos historiadores para o que, num português em voga mas não recomendável, chamam “a riqueza problematizante” do que ora os ocupa; e desconheço ainda mais o que faça ao certo um cientista social que o torne uma autoridade na matéria.

Isto posto, e indo ao fundo da controvérsia, estas cem excelentíssimas autoridades indignam-se, em suma, contra o maldito nome do nascituro museu. Porque a questão, dizem eles, é que chamar-lhe Museu das Descobertas ou dos Descobrimentos, “não é apenas um nome, é o que representa enquanto projecto ideológico”. Este, esclarecem, é o projecto ideológico do Estado Novo, “incompatível com o Portugal democrático”. Bravo, António Ferro, o SNI continua vivo, os Descobrimentos portugueses mais não foram do que a antecâmara do colonialismo e o Estado Novo o seu apogeu e desfecho natural! O “mar sem fim português”, de que falava Pessoa, outra coisa não era, afinal, do que o Portugal do Minho a Timor, de que falava Salazar.

Pois, bem, se a palavra “descobertas” envolve um “projecto ideológico” de conotações maléficas, isso significa que as excelentíssimas autoridades têm outro projecto ideológico que se opõe e resgata este. Qual seja, e abreviando, chamar a atenção, por exemplo, para que os povos alegadamente descobertos pelos portugueses não se terão sentido descobertos, porque, de facto, já lá estavam. É um argumento tão fantástico, que, de facto, é irrebatível. Mas, salvo desconhecida opinião, ninguém sustenta que Vasco da Gama criou do nada o samorim de Calicut, que os Jesuítas encontraram o Tibete despovoado ou que Pedro Álvares Cabral celebrou a primeira missa em Terras de Santa Cruz para uns fantasmas vestidos de índios. Não, o que eles fizeram foi encontrar as rotas, marítimas ou terrestres, que ligaram o Ocidente e a Europa ao Oriente e às Américas, pondo em contacto dois mundos até aí sem contacto algum (com a excepção parcial das viagens de Marco Polo, por via terrestre, e as viagens marítimas, sem sequência científica ou outra, dos vikings). O que se sustenta é que não foi o samorim que se deu ao trabalho de largar o seu luxuoso trono e apanhar uma low-cost para a Europa, mas o Gama que se arriscou a ir mar fora naquelas cascas de noz ao seu encontro. Na época, isso significou — em termos de navegação, de cartografia, de indústria naval, de rotas comerciais e de avanços científicos em todas as áreas — um pulo de uma dimensão nunca antes e raras vezes igualado depois, na história da Humanidade. Sem falar das terras virgens que descobrimos e dos que não descobriram povos, dos que navegaram em pleno desconhecido, movidos por um verdadeiro sentido de descoberta tão extremo e destemido que só poderemos classificar como quase demência: Bartolomeu Dias dobrando o Cabo da Boa Esperança sem saber o que iria encontrar do outro lado; Fernão de Magalhães procurando insanamente o Estreito que ainda hoje tem o seu nome, ligando o Atlântico ao Pacífico e provando que a terra era redonda e circum-navegável em toda a sua extensão; os irmãos Corte-Real desbravando o limite extremo do norte navegável. Todos eles em mar aberto e em terra de ninguém, onde seria impossível às excelentíssimas autoridades encontrarem forma práctica de dar execução a outro dos argumentos arrolados para o conceito ideológico do seu museu: “Valorizar as experiências de todos os povos que estiveram envolvidos neste processo”.

Enfim, e sempre resumindo, vem depois o argumento da escravatura. É incontornável e eu subscrevo-o: deve estar referenciado num museu sobre as Descobertas, e subsequente colonização portuguesa. Sem esquecer, porém, que não foram os portugueses que inventaram a escravatura, mas apenas aproveitaram o comércio de escravos que encontraram florescente nas costas oriental e ocidental de África. E sem esquecer também que, sem desculpar o que foi a tragédia da escravatura, não há erro mais simplista de cometer do que julgar a História pelos padrões éticos contemporâneos. E estou à vontade no assunto, pois escrevi um romance histórico cujo tema central era a escravatura em São Tomé e Príncipe e em que, apesar de ela ter durado até à primeira metade do século XX (!), não encontrei, curiosamente, entre tanta fonte pesquisada e tanto historiador preocupado, nenhum trabalho histórico de referência que a contemplasse.

Não resisto a uma palavra aos invocados historiadores brasileiros que assinam esta petição. Conheço muito, de ver e de ler, da herança história de Portugal no Brasil — e tenho um profundo orgulho nela. Todos os ciclos de prosperidade histórica do Brasil, ligados às riquezas naturais, tirando o primeiro — o do pau-brasil, irrelevante, em termos económicos — foram feitos graças a árvores levadas para lá pelos portugueses: a cana de açúcar, a borracha, o cafeeiro, até os coqueiros, que levámos da Índia. E o ouro, o célebre ouro, roubado pelo D. João V? Ah, o ouro do Brasil! Do célebre “quinto real” (tudo o que cabia à Coroa), nem um quinto cá chegou. O resto? Perguntem a todas as ‘Lava-Jato’ que saltearam o Brasil, desde 1822. Pedras, monumentos? Tudo o que ficou de pé é português: no Pará, em Pernambuco, em Salvador, em Minas, no Rio, em Paraty, onde quiserem. E o Amazonas, cujo desbravamento por Pedro Teixeira é uma aventura assombrosa de coragem e persistência e cuja colonização, que incluiu a construção dos sete fortes de fronteira, erguidos com pedras de granito levadas de Portugal a mando do marquês de Pombal, e a que o Brasil ficou a dever milhões de quilómetros quadrados de floresta virgem preciosa, e que foi, no dizer do grande historiador brasileiro Joaquim Nabuco, “talvez a maior extraordinária epopeia de todos os Descobrimentos portugueses”? É bem provável que os brasileiros não saibam nem queiram saber dessa história. Os portugueses não sabem com certeza. Mas deviam saber.

Que haja portugueses que tenham vergonha desta história e queiram reescrevê-la numa espécie de museu de autoflagelação é problema deles. Mas não pode ser problema dos outros. O dinheiro dos nossos impostos não pode servir para fazer um museu contra a nossa História, contra uma História que foi tão grandiosa que, se calhar por isso mesmo, nem a conseguimos entender, na nossa pequenez actual. Tudo isto me faz lembrar o que escreveu no início de um poema uma senhora que, por acaso, era minha mãe: “Navegavam sem o mapa que faziam/ Atrás deixando conluios e conversas/ Intrigas surdas de bordéis e paços...”.

Para terminar: já me tinha pronunciado sobre isto antes. Antes de esta irrepetível oportunidade para fazer uma coisa bem feita ter sido capturada pela intelligentsia ociosa dos abaixo-assinados. Mas volto ao que então escrevi: eu não queria apenas um Museu das Descobertas em Lisboa. Queria um Museu de Portugal e do Mar ou dos Portugueses e o Mar. Onde coubesse também a história de duas outras extraordinárias epopeias que o comum dos portugueses e dos estrangeiros que nos visitam desconhece: a nossa contribuição única e indispensável na história da pesca à baleia (juntamente com os cabo-verdianos), no Atlântico e Pacífico, e na história da pesca ao bacalhau à vela, na Gronelândia e norte do Canadá. Desse modo se tornaria patente que não foi por um simples acaso, nem para espalhar a fé e o império, ou apenas para trazer a pimenta e a canela da Índia, que este pequeníssimo povo, entalado entre o fim da Europa e o mar, escolheu o mar como destino. E, porque o espaço tem relação directa com isso, porque está miseravelmente desaproveitado, porque é lindo e porque sai mais barato aos contribuintes, queria vê-lo na Cordoaria Nacional.


Miguel Sousa Tavares escreve de acordo com a antiga ortografia

sexta-feira, 27 de abril de 2018

ESTAMOS CHEIOS DE MEDO…

por estatuadesal

(José Gabriel, 27/04/2018)

cerebro

Anda por aí uma grande excitação com os ósculos textuais e teóricos trocados entre Santos Silva e Francisco de Assis. Os comentadores mediáticos de direita - passe o quase pleonasmo -, estão em êxtase analítico.

É o regresso do PS à origem genética, dizem. Ao magma constitutivo da social-democracia, bradam. A esquerda da esquerda treme, asseguram. Mais dizem: Jerónimo e Catarina - eles gostam muito de personalizar - poderão ser reduzidos à irrelevância e temem ser atraiçoados pelo PS que, seduzido pelo canto das sereias, seria atraído para as águas supostamente calmas de um qualquer bloco central ou o quieto pântano de uma maioria absoluta.

No arroubo teórico de Assis, o amor entre o PS e a direita promete enlace "para a posteridade", para a eternidade digo mesmo, já que está de acordo com a natureza - a natureza tem as costas largas -, das coisas.

Ó gente, em que descuido especulativo viveis! A esquerda que julgais assustada já passou por muito pior no tempo em que os semelhantes a vós esmagavam com os seus traseiros gordos as aspirações de um povo que já em si tinha quem lutasse sem esperar facilidades ou prebendas.

Quando se formou a - chamemos-lhe assim - aliança que suporta o actual governo, os protagonistas da esquerda que quereis assustar partiram para este caminho sem ilusões, mas com um enorme sentido de responsabilidade. Sem cálculo político-partidário ou eleitoral, mas com a consciência de que era necessário e urgente fazer o que fosse necessário para impedir que os sucessivos golpes de um governo de direita radical e arbitrário, cujo ódio à Constituição ainda hoje é agitado pelos seus apoiantes políticos. 

Os sujeitos deste processo sabiam perfeitamente o que podiam perder, mas sabiam também o que o país e o povo podiam ganhar com a sua decisão. Não houve aqui qualquer procura de vantagens laterais, mas também não houve qualquer ingenuidade quanto aos tortuosos escolhos desta via nem do preço que se poderia vir a pagar. Habituados que estão - há longos anos - a enfrentar o que de pior lhes venha ao caminho, não se assustam com as ameaças desta trupe de palhaços ricos e seus mainatos.

Por isso, teorizem lá todos os modos de acabar com aquilo que vocês e o Paulo Portas - les beaux esprits...- chamam "geringonça", estão no vosso direito. Mas não nos tentem assustar com papões. Não nos macem.

Língua Portuguesa: os 12 melhores livros portugueses dos últimos 100 anos

por admin

Quais são os melhores livros da Língua Portuguesa? As opiniões são subjectivas e dependem da opinião e dos gostos literários de cada um. Mas a Revista Estante, pertencente ao grupo FNAC, juntou 5 grandes nomes e deu-lhes o desafio de escolher 12 livros marcantes na literatura portuguesa dos últimos 100 anos. Foi assim que Clara Ferreira Alves, Pedro Mexia, Carlos Reis, Isabel Lucas e Manuel Alberto Valente chegaram a esta lista de livros. Para além da análise crítica e literária da qualidade da obra em si, analisaram também o impacto do livro no conjunto da literatura Portuguesa. O resultado é uma lista que nos enche de orgulho e que deveria ser de leitura obrigatória para qualquer amante de livros. Estes são os 12 melhores livros da Língua Portuguesa do último século.

1. A grande casa de Romarigães (Aquilino Ribeiro)

Sabia que a Casa Grande de Romarigães é real e que aí moraram o ex-Presidente da República Bernardino Machado e o próprio Aquilino Ribeiro (1885-1963)? O escritor beirão sobre quem Fernando Namora disse ser “aquele jovem que trouxera a província para a cidade” conta nesta obra, publicada pela primeira vez em 1957, a história de Portugal através desta casa parcialmente em ruínas. Aquilino Ribeiro encontrou correspondências entre antigos habitantes da casa, datadas entre 1680 e 1828, e decidiu continuar a história. No prefácio, o autor diz que as últimas páginas do livro são “da sua lavra”: “Às outras, sacudi o bolor do tempo e reatei o fio de Ariadna, interrompido aqui e além.”

A PRIMEIRA FRASE: “Do pinhão, que um pé-de-vento arrancou ao dormitório da pinha-mãe, e da bolota, que a ave deixou cair no solo, repetido o acto mil vezes gerou-se a floresta.”

SOBRE O AUTOR: “É um inimigo político, mas é um grande escritor!” (António Oliveira Salazar)

2. A Sibila (Agustina Bessa-Luís)

A Sibila consagra Agustina Bessa-Luís (nascida em 1922) como um dos nomes a ter em conta na ficção portuguesa contemporânea após a sua publicação, em 1954. O sentimento telúrico está presente em quase toda a sua obra e neste livro há uma espécie de chuva torrencial de memórias das personagens, onde o passado legitima o presente e vice-versa. A autora inaugura uma nova forma de narração que irá caracterizar toda a sua obra e tem três eixos fundamentais: o papel das mulheres, a importância da recordação e um discurso que se repete mas acrescentando sempre novas informações. Há uma complexidade na obra de Agustina que a torna única na literatura portuguesa.

A PRIMEIRA FRASE: “– Há uma data na varanda desta sala – disse Germana – que lembra a época em que a casa se reconstruiu. Um incêndio, por alturas de 1870, reduziu a ruínas toda a estrutura primitiva.”

SOBRE A AUTORA: “Agustina é uma génia. Tudo o que escreveu – que foi muito para quem conta a metro, mas pouco para quem conta em momentos de vida a lê-la – é genial.” (Miguel Esteves Cardoso)

3. Finisterra (Carlos de Oliveira)

Sobre esta obra, Herberto Hélder deixou-nos estas palavras: “Proposto como romance, é antes uma alegoria ficcionalmente articulada que pode ser lida na perspectiva de uma espécie de cartografia imaginária do autor, constituindo assim a melhor introdução ou o melhor comentário à sua obra.” Publicado em 1978, Finisterra tem como pano de fundo a paisagem gandaresa e explora a decadência de uma família, espelhada numa casa em estado de degradação contínuo. Na obra, Carlos de Oliveira (1921-1981) explora também a interpretação subjectiva do homem no seu contacto com a realidade.

A PRIMEIRA FRASE: “O jardim familiar (primeira fase do abandono): montões informes de silvedo, buxo descabelado, urtigas, flores selvagens.”

SOBRE O AUTOR: “Os grandes escritores não morrem – e Carlos de Oliveira foi um dos mais cintilantes nomes da literatura portuguesa do século XX.” (Inês Pedrosa)

4. Húmus (Raúl Brandão)

Publicado em 1917, no ano da revolução soviética, Húmus tem um toque de socialismo cristão. O livro começa e acaba fazendo referências à morte, sendo que o próprio título nos remete para a “camada superior do solo, composta em especial de matéria orgânica, decomposta ou em decomposição”. Nesta obra de Raul Brandão (1867-1930) a ficção dilui-se na prosa, numa vila literária criada pelo próprio autor. Um livro que tem tanto de mórbido como de inovador para a época em que foi lançado.

A PRIMEIRA FRASE: “13 de Novembro. Ouço sempre o mesmo ruído de morte que devagar rói e persiste…”

SOBRE O AUTOR: “Raul Brandão tem uma total empatia social mas não é um autor político no sentido estrito da palavra. É um autor que deve muito aos autores russos, àquela espécie de socialismo cristão.” (Pedro Mexia)

5. Livro do Desassossego (Fernando Pessoa)

Sabia que este livro foi publicado em 1982, 47 anos depois da morte de Fernando Pessoa (1988-1935)? Sobre o livro, o próprio autor resume: “São as minhas confissões e, se nelas nada digo, é que nada tenho para dizer.” Escrito durante mais de 20 anos sob o heterónimo de Bernardo Soares, personagem criada por Pessoa, são mais de 500 textos sem qualquer sequência entre si. E é um livro inacabado. Os textos passam-nos a inquietação, a angústia, mas também a lucidez e a capacidade de reflexão do autor, demonstrando a complexidade da mente de Pessoa e as inúmeras dúvidas que o próprio tinha acerca da sua personalidade e sobre a vida.

A PRIMEIRA FRASE: “Nasci em um tempo em que a maioria dos jovens haviam perdido a crença em Deus, pela mesma razão que os seus maiores a haviam tido – sem saber porquê.”

SOBRE O AUTOR: “Fernando Pessoa transforma a sua vida e o seu quotidiano, o seu pensamento e a sua viagem intelectual, numa experiência universal que todos partilhamos.” (Clara Ferreira Alves)

6. Mau tempo no canal (Vitorino Nemésio)

David Mourão-Ferreira descreve este livro como “a obra romanesca mais complexa, mais variada, mais densa e mais subtil em toda a nossa história literária”. Mau Tempo no Canal demorou cinco anos a ser escrito por Vitorino Nemésio (1901-1978) e parte da história do casal Margarida Clark Dulmo e João Garcia. Mas Vitorino Nemésio serve-se destes personagens apenas como gancho para nos relatar uma sociedade açoriana estratificada, com todos os problemas que a atingem: angústias, sofrimentos, paixões e o sentimento tão único de ser ilhéu.

AS PRIMEIRAS FRASES: “– Mas não voltas tão cedo… João Garcia garantiu que sim, que voltava. Os olhos de Margarida tinham um lume evasivo, de esperança que serve a sua honra. Eram fundos e azuis, debaixo de arcadas fortes.”

SOBRE O AUTOR: “Nasceu com um talento multiforme que daria, à vontade, para mais dez autores, e todos eles de primeira água.” (David Mourão-Ferreira)

7. O ano da morte de Ricardo Reis (José Saramago)

A obra de José Saramago (1922-2010) é tão singular que lhe valeu o Prémio Nobel de Literatura – o único que Portugal recebeu até hoje nesta área. O Ano da Morte de Ricardo Reis é não só peculiar como faz por questionar tudo o que nos rodeia. Quem somos? O que nos acontece quando morremos? Somos únicos ou, como Fernando Pessoa, somos vários? O livro conta a história do regresso a Portugal, vindo do Brasil, de Ricardo Reis, o heterónimo de Pessoa, quando confrontado com a morte do seu criador. É um livro denso mas vai envolvendo o leitor do início ao fim, fazendo também uma viagem pela história de Portugal.

AS PRIMEIRAS FRASES: “Aqui o mar acaba e a terra principia. Chove sobre a cidade pálida, as águas do rio correm turvas do barro, há cheia nas lezírias.”

SOBRE O AUTOR: “Falava e escrevia com o desassombro e com a clareza que a alguns desagradava, mas que para ele eram uma forma inalienável de respiração intelectual.” (Carlos Reis)

8. O Delfim (José Cardoso Pires)

Nesta obra publicada em 1968, José Cardoso Pires (1925-1988) procura olhar para outros homens e entendê-los, como tão bem explica Gonçalo M. Tavares no prefácio. Em O Delfim assistimos a uma escrita despojada por parte de um autor que procura transparência. Cardoso Pires descreve o regime salazarista e debruça-se sobre a forma como este afecta as relações entre as pessoas. É este equilíbrio entre a metaforização de um regime e a descrição do seu declínio que torna O Delfim uma obra tão relevante para a literatura portuguesa. Ao analisá-la, o próprio autor confessa ter-se despistado “numa sucessão de planos dialéticos”. Ainda bem que assim foi, pois este é um dos grandes romances portugueses do século XX.

A PRIMEIRA FRASE: “Cá estou. Precisamente no mesmo quarto onde, faz hoje um ano, me instalei na minha primeira visita à aldeia e onde, com divertimento e curiosidade, fui anotando as minhas conversas com Tomás Manuel da Palma Bravo, o Engenheiro.”

SOBRE O AUTOR: “Trata-se, portanto, de José Cardoso Pires ser Aquele que tira e não Aquele que põe. Tira o que está a mais, o que está exactamente a mais.” (Gonçalo M. Tavares)

9. Os cus de Judas (António Lobo Antunes)

“A dolorosa aprendizagem da agonia.” É assim que António Lobo Antunes (nascido em 1942) classifica a guerra de Angola. Neste livro, o autor reflecte sobre os horrores a que assistiu durante os dois anos em que esteve destacado na ex-colónia portuguesa em formato de testemunho. É o seu segundo livro, publicado em 1979, e o veículo para uma voz demasiado tempo silenciada, que vem contar a sua versão dos factos, concluindo que aquela guerra não passou de um “gigantesco” e “inacreditável” absurdo. Os Cus de Judas é um relato doloroso das vivências de Lobo Antunes em Angola, no qual o narrador deixa transparecer feridas ainda bem abertas.

A PRIMEIRA FRASE: “Do que gostava mais no Jardim Zoológico era do rinque de patinagem sob as árvores e do professor preto muito direito a deslizar para trás no cimento em elipses vagarosas sem mover um músculo sequer, rodeado de meninas de saias curtas e botas brancas, que, se falassem, possuíam seguramente vozes tão de gaze como as que nos aeroportos anunciam a partida dos aviões, sílabas de algodão que se dissolvem nos ouvidos à maneira de fios de rebuçado na concha da língua.”

SOBRE O AUTOR: “António Lobo Antunes é um dos que sabe, como o poeta René Char, que certas guerras não acabam nunca.” (Manuel Alegre)

10. Os passos em volta (Herberto Hélder)

Publicado em 1963, Os Passos em Volta está entre o conto, o romance e o discurso autobiográfico, num livro que espelha o homem-poeta com um tom refletivo de quem procura respostas.
Sendo um dos pioneiros do surrealismo em Portugal, Herberto Helder (1930-2015) escreve: “Não queremos este inferno. Deem-nos um pequeno paraíso humano.” Este livro retrata a busca incessante de um homem para o sentido da sua existência e é também uma obra que nos transcende.

AS PRIMEIRAS FRASES: “– Se eu quisesse, enlouquecia. Sei uma quantidade de histórias terríveis. Vi muita coisa, contaram-me casos extraordinários, eu próprio… Enfim, às vezes já não consigo arrumar tudo isso.”

SOBRE O AUTOR: “Quando morre um poeta com a dimensão de Herberto Helder, o que sentimos é que não apenas morreu um poeta, mas a poesia.” (José Tolentino Mendonça)

11. Para sempre (Vergílio Ferreira)

Este romance semiautobiográfico de Vergílio Ferreira (1916-1996) transpõe para a narrativa, como grande parte da obra do autor, o pensamento filosófico e a sensação de inquietude do indivíduo.
Para Sempre é uma obra onde a morte está presente do início ao fim, mas que surge ao leitor como a única solução para o fim do sofrimento. Nas páginas deste livro acompanhamos a dor do protagonista e partilhamos a sua mágoa, como se fossemos nós a senti-la. A forma como Vergílio Ferreira explora a língua portuguesa para transmitir emoções é de uma mestria digna de destaque.

AS PRIMEIRAS FRASES: “Para sempre. Aqui estou. É uma tarde de Verão, está quente. Tarde de Agosto. Olha-a em volta, na sufocação do calor, na posse final do meu destino.”

SOBRE O AUTOR: “Ele escreve como falava, com o mesmo sarcasmo, a mesma capacidade de, com duas ou três palavras, fazer o retrato de uma pessoa e esmagá-la.” (Eduardo Lourenço)

12. Sinais de Fogo (Jorge de Sena)

É em paralelo com a Guerra Civil Espanhola que este romance autobiográfico acontece, na década de 1930. Sinais de Fogo é uma obra inacabada e publicada em 1979, um ano após a morte do autor, que tem como eixo central a paixão de Jorge por Mercedes. É nos episódios que rodeiam esta relação que Jorge de Sena (1919-1978) coloca toda a poesia deste romance, considerado por muitos um marco da literatura portuguesa da segunda metade do século XX.

A PRIMEIRA FRASE: “Ramon Berenguer de Cabanellas y Puigmal já era célebre, quando, por fusão de duas turmas, passou a ser meu colega no 6.° ano dos liceus.”

SOBRE O AUTOR: “Um grande amor pela humanidade como o de Jorge de Sena não tem lugar em homens de corações pequenos.” (Ángel Marcos de Dios)