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quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

Pirelióforo: em 1904 um padre português maravilhou a América com a energia solar

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por admin

O ambiente cultural e científico em Portugal nos primeiros anos do nosso século não era brilhante. A cultura científica e técnica estavam perto da estagnação. As instituições que a elas se dedicavam eram escassas. As publicações nesta área eram também poucas e de qualidade vária. Uma das publicações de maior longevidade era o Boletim de Obras Públicas e Minas órgão da Associação dos Engeneheiros civis (que também congregava os engenheiros militares) e que tem hoje continuidade na Ordem dos Engenheiros. Uma análise, ainda que breve, do Boletim de Obras Públicas e Minas da primeira década do nosso século dá-nos conta da quase inexistência de inovações científicas e técnicas produzidas por portugueses.

E certo que são divulgadas as estrangeiras. Mas a discussão ao nível interno, está ainda centrada na questão dos transportes, sobretudo dos Caminhos de Ferro. Neste panorama um pouco desolador avulta a figura de um homem que se interessou pelos mais variados campos da ciência e da técnica, tendo feito e patenteado inventos e produzido, ainda, reflexões no campo da economia e da política sociais. Referimo-nos ao Padre Manuel António Gomes, "Himalaia", por apodo que incorporou no nome.

Manuel António Gomes nasceu em Cendufe, concelho de Arcos de Valdevez, um dos sete filhos de uma família de lavradores pobres do Minho. Terminou em 1880, com 11 anos de idade, os estudos elementares na escola primária do Souto, uma aldeia próxima da sua terra natal onde ao tempo vivia com os avós. Depois de uma interrupção nos estudos, período durante o qual trabalhou na lavoura familiar, ingressou em 1882, com 15 anos de idade, no Seminário de Braga, ficando integrado no Colégio do Espírito Santo, um instituto criado para acolher estudantes pobres. Tal como o seu irmão Gaspar, que também seria sacerdote, a família tinha-o destinado à vida clerical, ao tempo o destino dos jovens rurais que no ensino primário se revelavam bons alunos, mas cujas famílias não podiam suportar os custos do ensino liceal e superior.

As suas origens rurais, com forte ligação à agricultura e às crenças e tradições populares minhotas, influenciaram de forma marcada o seu pensamento: manteve ao longo de toda a sua vida um grande interesse pelas culturas agrícolas, em especial nas questões relativas à fertilização dos solos e da produção de adubos e da escolha de plantas e cultivares a empregar em função do solo e do clima. Outra vertente que o influenciaria profundamente foi o pendor para o curandeirismo e para a medicina popular, matéria a que dedicaria grande atenção. A estes interesses associava uma apaixonada curiosidade pelas ciências naturais, pelo contacto com a terra e pela observação empírica dos fenómenos.

A sua elevada estatura levou a que os colegas de seminário lhe dessem a alcunha de Himalaia, que adoptou informalmente, passando a utilizá-la como se fora parte do seu nome. Por essa razão, Manuel António Gomes passaria à posteridade como o «Padre Himalaia», o «Padre Himalaya» na grafia da época.

O Pyrheliophoro do Padre Himalaia

Entre os pioneiros do aproveitamento da energia do Sol e suas aplicações com finalidades úteis é justíssimo enaltecer a figura e a obra do Padre Himalaia. Nascido em Arcos de Valdevez (Cendufe) em 1868 e falecido em Viana do Castelo em 1933, consagrou grande parte da sua vida ao estudo de variadíssimas técnicas capazes de incrementar com menores custos a actividade económica, sobretudo a agricultura. Incansável homem de ciência, sem descurar a actividade pastoral, o Padre Himalaia fez registar inúmeras patentes de invenções suas, que abarcam de um explosivo de tipo novo para fins pacíficos, a "Himalaíte", que chegou a comercializar, passando por motores ou aperfeiçoamentos para motores, até à sua mais conhecida invenção, o Pyrhéliophoro. Este invento, que é adinal, um forno solar capaz de atingir elevadíssimas temperaturas conheceu quatro fases, cuja cronologia e evolução vamos tentar estabelecer.

De facto, entre 1899 e 1904 Himalaia terá construído e experimentado quatro diferentes versões do seu aparelho. Os poucos biógrafos que se têm ocupado da actividade do Padre Manuel António Gomes não estão de acordo no que respeita às datas e aos locais em que teriam funcionado os dois primeiros projectos. António Lopes Araújo indica o ano de 1900 para as duas primeiras experimentações respectivamente em Argeles (nos Pirinéus) e em Paris já um outro autor pretende que o aparelho terá sido inicialmente experimentado na capital gaulesa e a segunda versão terá funcionado nos Pirinéus. Avelino de Jesus da Costa indica que o primeiro aparelho terá de facto funcionado em Paris mas em 1899 e que no ano seguinte terá tido lugar a experiência nos Pirinéus Orientais. Também quanto aos resultados das experiências não há unanimidade. Alguns autores consideram que teriam sido insatisfatórios os resultados alcançados tanto nos Pirinéus quanto em Paris. Avelino J. da Costa aponta no entanto, que na primeira experiência o Padre Himalaia teria conseguido uma temperatura de cerca de 500° C, e logo com o protótipo seguinte, nos Pirinéus a temperatura obtida pelo forno solar rondou os 1100° C, o que está longe de ser um fracasso...

Onde todos os autores coincidem é no que respeita às duas fases seguintes do Pirelióforo. Parece ser ponto assente que o terceiro modelo, já diverso dos anteriores, foi construído em Lisboa em 1902 e montado no Parque de Exposições da Tapada da Ajuda onde funcionou algum tempo. Ali terá acorrido grande parte da sociedade científica lisboeta, muitos professores e, até, o rei D. Carlos assistiu a uma demonstração. Com este aparelho o Padre Himalaia obteve 2000° C. de temperatura, tendo fundido blocos de basalto, rocha que, como é sabido, é de difícil fusão. A última versão destinou-se a ser montada e exibida no Pavilhão Português na Exposição Universal de St. Louis (E.U.A.) de 1904. Este derradeiro modelo do Pirelióforo, nome que de resto, parece só então ter sido adoptado, foi premiado na citada Exposição Universal com o "Grand Prize", duas medalhas de ouro e uma de prata. O invento foi saudado pela comunidade científica e atraiu os elogios de toda a imprensa mundial, com particular ênfase da americana. Mesmo o circunspecto New York Times lhe dedicou uma primeira página que incluía uma entrevista ao cientista português. A versão final do Pirelióforo era capaz de produzir uma temperatura cie 3800° C. o que permitia efectuar a fusão de quaisquer rochas ou metais, já que nenhuma substância destes tipos necessita de uma temperatura superior para ser fundida.

Este aparelho compreende essencialmente um sistema óptico que faz convergir os raios solares num ponto único onde está colocado o cadinho; compreende além disso um mecanismo tendo por função orientar o aparelho numa posição conveniente segundo a altura do sol no horizonte e segundo a época do ano, de maneira a manter sempre a convergência dos raios no ponto em que se encontra o cadinho e ainda um sistema de cadinho ou forno preparado para a mudança automática dos materiais a fundir, permitindo fazer a fusão no vácuo ou num meio inerte ou diferente do meio atmosférico.

Temos, pois, que o Pirelióforo era inicialmente um gigantesco forno destinado a fusão, capaz de obter altas temperaturas sem dispêndio de energia, isto é, usando exclusivamente a energia fornecida pelo Sol. O aparelho, como fica descrito, compunha-se de três partes distintas: uma calote de material cristalino destinado a receber e concentrar os raios solares, o forno propriamente dito e um complicado mecanismo de relojoaria que permitia ajustar todo o aparelho ao movimento aparente do Sol durante todo o dia, bem como a posição do forno em relação aos reflectores.

O modelo de St. Louis incluía uma parábola de 80m2 composta de 6 177 espelhos reflectores que convergiam para o cadinho. A armação metálica que sustentava o aparelho media 13 metros de altura. Talvez esta envergadura gigantesca tenha contribuído para que o invento português tenha sido dos mais apreciados e dos que chamou maior número de visitantes na Exposição Universal. Findo o certame o Pirelióforo foi desmontado, encaixotado e depositado num armazém. O padre Himalaia demorou-se nos Estados Unidos por dois anos, estudando com físicos e matemáticos de nomeada e proferindo lições e conferências nos mais variados estabelecimentos científicos americanos.

Quando na hora de regresso quis reaver o seu invento verificou-se que tinha sido roubado, não obstante o peso e as dimensões que apresentava. Já desanimado pela funesta ocorrência, já porque o seu espírito se ocupava agora de novos inventos, nunca mais o Padre Himalaia se ocupou da energia solar nem do Pirelióforo.

Logo durante a exposição o Padre Himalaia teve várias ofertas de compra do engenho, incluindo uma do Japão que pagava 350 contos pelo invento. Parece que por razões de brio patriótico o sábio português recusou a venda do aparelho solar, bem como recusou a naturalização como cidadão americano que lhe tinha proposto o Governo da União.

O futuro do passado

por estatuadesal

(Por Francisco Seixas da Costa, in Blog Duas ou três coisas, 11/01/2018)

bola_cristal

Hoje, vou ter por aqui o meu momento Maya.

Neste sábado, Rui Rio vai vencer Santana Lopes. E a margem vai ser relativamente confortável. Rio vai fazer alguns gestos para recuperar o “passismo” que esteve com Santana, cooptando alguns dos quadros da nova geração de liberais Católica/Observador.

O futuro de Santana passará a ser incerto, porque terá de “disputar” com Passos Coelho a futura liderança da lista para o Parlamento Europeu, tanto mais que, ao contrário do que esteve (quase) para acontecer em 2011, já não haverá agora para ele a perspetiva de uma embaixada multilateral em Paris no fundo do túnel, alternativa que então recusou em face da apelativa Misericórdia (que também já se foi). Rio vai ter de agravar fortemente o discurso contra o governo de António Costa, potenciando qualquer erro deste e a mínima distanciação que vier a detetar no Presidente da República face ao governo, porque essa é a única maneira de se legitimar dentro do partido. Se vier a perder em 2019, hipótese mais provável (a menos que “trapalhadas” imprevisíveis, internas ou na ordem financeira externa venham a ocorrer, o que não é de excluir, em absoluto), “saltará” no dia seguinte às eleições, com Luis Montenegro a suceder-lhe, quase pela certa. Isso limitará muito as chances de Carlos Moedas, que em 2019 sairá da Comissão Europeia (onde será seguramente substituído por Mário Centeno) e cujas hipóteses de vir a suceder a Rio seriam maiores se a derrota do PSD nesse ano fosse titulada por Santana Lopes, porque os “passistas” (e Montenegro) seriam disso co-responsabilizados.

As coisas vão correr assim? Vão, tal como o (meu) Sporting vai ganhar o campeonato (já a “Champions” está um pouco mais difícil) e eu o Euromilhões.

O verdadeiro livro exposivo assinado por Trump

por estatuadesal

(Manlio Dinucci, in Blog Foicebook, 11/01/2018)

fury

Todos falam acerca do livro explosivo sobre Trump, com revelações sensacionais do modo como Donald dispõe o seu tufo de cabelo, de como ele e a esposa dormem em quartos separados, o que se murmura atrás dele nos corredores da Casa Branca, o que o filho mais velho fez que, ao encontrar-se com uma advogada russa, na Torre Trump, em Nova York, traiu a pátria e alterou o resultado das eleições presidenciais.

No entanto, quase ninguém fala sobre um livro com um conteúdo verdadeiramente explosivo, publicado há pouco e assinado pelo presidente Donald Trump: "NationalSecurity Strategy = Estratégia da Segurança Nacional dos Estados Unidos". É um documento periódico elaborado pelos poderes máximos das várias administrações, sobretudo das administrações militares. A respeito do anterior, publicado pela Administração Obama, em 2015, o da Administração Trump contém elementos de continuidade considerável.

O conceito basilar é que, para "colocar a América em primeiro lugar para que seja segura, próspera e livre", é necessário ter "força e vontade para exercer a liderança dos EUA no mundo". O mesmo conceito expresso pelo governo Obama (bem como os anteriores): "Para garantir a segurança do povo, a América deve dirigir a partir de uma posição de força".

A respeito do documento de estratégia da Administração Obama, que falava da "agressão russa à Ucrânia" e do "alerta para a modernização militar da China e da sua presença crescente na Ásia", o livro da Administração Trump é muito mais explícito: "A China e a Rússia desafiam o poder, a influência e os interesses da América, tentando diminuir a sua segurança e prosperidade".

Desta forma, os autores do documento estratégico descobrem as cartas, mostrando o que está em jogo para os Estados Unidos: o risco crescente de perder a supremacia económica perante o aparecimento de novos actores estatais e sociais, sobretudo a China e a Rússia, que estão a tomar medidas para reduzir o domínio do dólar que permite aos EUA manter um papel preponderante, imprimindo dólares cujo valor se baseia não na capacidade económica real dos EUA, mas no facto de serem usados ​​como moeda global.

"A China e a Rússia - sublinha o documento estratégico - querem formar um mundo incompatível com os valores e com os interesses dos EUA.

A China procura tomar o lugar dos Estados Unidos na região do Pacífico, divulgando o seu modelo de economia estatal. A Rússia procura recuperar o seu estatuto de grande potência e estabelecer esferas de influência junto às suas fronteiras. Pretende enfraquecer a influência dos EUA no mundo e afastar-nos dos nossos aliados e parceiros". Daí uma verdadeira declaração de guerra: "Vamos competir com todos os instrumentos do nosso poder nacional para garantir que as regiões do mundo não sejam dominadas por uma única potência", ou seja, para garantir que todos estejam dominados pelos Estados Unidos. Entre "todos os instrumentos", estão incluídas, obviamente, as forças militares, nas quais os EUA são superiores.

Como sublinhava o documento estratégico da Administração Obama, "possuímos uma força militar cujo poder, tecnologia e alcance geoestratégico não tem igual na História da Humanidade; temos a NATO, a aliança mais forte do mundo ". A "Estratégia da Segurança Nacional dos Estados Unidos", assinada por Trump, envolve a Itália e os outros países da NATO, chamados a fortalecer o flanco oriental contra a "agressão russa" e a destinar, pelo menos, 2% do PIB para as despesas militares e 20% do mesmo para a aquisição de novas forças e armas. A Europa vai para a guerra, mas não se fala deste problema nos debates televisivos: este assunto não é um tema eleitoral.

Inquérito: Quem vai ganhar as eleições do PSD, no próximo sábado?

Rita Frade

  • 14:33
A poucos dias das eleições do PSD, o ECO decidiu lançar a pergunta aos seus leitores, quem vai ganhar: Pedro Santana Lopes ou Rui Rio?
Depois dos resultados obtidos nas eleições autárquicas realizadas a 1 de outubro, o ex-primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, anunciou que não se iria recandidatar à liderança do PSD, salientando que “uma nova liderança (…) terá melhores possibilidades de progressão do que uma que eu pudesse encabeçar“.
De imediato surgiram vários candidatos para suceder a Passos Coelho, como Luís Montenegro, Paulo Rangel, Pedro Duarte ou Eduardo Martins, mas foram Pedro Santana Lopes, ex-Provedor da Santa Casa da Misericórdia e ex-primeiro-ministro, e Rui Rio, ex-presidente da Câmara Municipal de Lisboa, que decidiram avançar, realmente, com a candidatura.
As eleições diretas, para decidir quem vai ser o sucessor de Pedro Passos Coelho, ocorrem já no próximo sábado, dia 13 de janeiro. Ao todo, são cerca de 70 mil os militantes com quotas pagas que vão poder escolher entre Rui Rio e Pedro Santana Lopes.
Em antecipação ao escrutínio, o ECO decidiu lançar uma pergunta nas redes sociais (Facebook e Twitter) para saber, na opinião dos seus leitores, quem vai ganhar: Pedro Santana Lopes ou Rui Rio?

Carta aberta pede legalização da cannabis para fins medicinais

SAÚDE

Documento já recolheu cerca de cem assinaturas, na maioria de médicos, psicólogos e enfermeiros. “Consideramos ser necessário legalizar a cannabis para fins medicinais no nosso país”, defendem, lembrando a existência de evidência científica que mostra o benefício do uso da planta no tratamento de sintomas de algumas doenças.

ANA MAIA

9 de Janeiro de 2018, 6:30

“A planta da cannabis tem inúmeros efeitos medicinais que podem e devem ser colocados ao serviço das pessoas”, diz a carta aberta

Foto

“A planta da cannabis tem inúmeros efeitos medicinais que podem e devem ser colocados ao serviço das pessoas”, diz a carta aberta ALESSANDRO BIANCHI/REUTERS

São cerca de cem os subscritores – praticamente todos ligados à saúde - de uma carta aberta em defesa da legalização da cannabis para fins medicinais. Médicos, enfermeiros, psicólogos, investigadores pedem aos políticos que tornem “esta medida possível”. Lembram que vários países, como o Canadá, Alemanha, Holanda ou Itália, já legalizaram o uso da planta e os seus derivados e salientam a existência de evidência científica que mostra que existe benefícios no tratamento de sintomas como a dor, falta de apetite, efeitos secundários provocados pelo tratamento do cancro.

“A planta da cannabis tem inúmeros efeitos medicinais que podem e devem ser colocados ao serviço das pessoas”, diz a carta aberta, onde os signatários salientam que a legalização permitiria o acesso em condições reguladas e com garantia de qualidade. “A legalização permitiria a melhoria da qualidade de vida dessas muitas pessoas e um maior e melhor acesso ao tratamento mais adequado ao seu estado de saúde”, acrescentam, para defenderem: “Por tudo isto, consideramos que a legalização da cannabis para fins medicinais deve avançar rapidamente e tornar-se uma realidade em Portugal.”

Parlamento debate projectos de lei para legalizar <i>cannabis</i> para fins medicinais

Parlamento debate projectos de lei para legalizar cannabis para fins medicinais

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Um movimento que se torna público ao mesmo tempo que o Parlamento se prepara para debater, na quinta-feira, dois projectos de lei e um projecto de resolução para a despenalização da cannabis para fins medicinais. O tema voltou a ganhar visibilidade quando no final do ano passado o Bloco de Esquerda deu a conhecer que ia avançar com um projecto de lei e promoveu uma audição pública sobre a legalização.

“Eu gostaria muito de ter acesso a alguns destes compostos para usar como terapêutica no dia-a-dia. Não faz sentido que não haja acesso a estes compostos que estão acessíveis noutros países e quando há evidência científica que pode ser benéfico no tratamento de sintomas como a falta de apetite, controlo da dor, em doenças oncológicas”, diz o médico oncologista, Jorge Espirito Santo, que é um dos subscritores da carta.

Para o médico, se o acesso à cannabis para fins medicinais ainda não existe, é por preconceito. “É preciso separar as coisas. Uma coisa é o uso da substância de forma não controlada e outra é usar como ferramenta terapêutica e tirar benefícios dela”, afirma, lembrando que todos os medicamentos têm efeitos secundários e alguns com perfis de grande toxicidade.

Ideia partilhada pela psiquiatra e directora do Serviço de Psiquiatria do Hospital de Beja, Ana Matos Pires. “Não é a primeira vez que usamos substâncias com risco para fins terapêuticos”, salienta, dando o exemplo da morfina. Por isso, para a médica, este não poderá ser um argumento de quem estiver contra a medida.

A <i>cannabis</i>, a moral e a saúde

A cannabis, a moral e a saúde

“Não podemos fazer juízos morais quando falamos de problemas de saúde”, afirma a médica, que explica as razões que a levaram a assinar a carta aberta. “O conhecimento actual, e é assim que se faz medicina, evoluiu e mostra que há vantagens terapêuticas no uso de canabinoides e não faz sentido que em Portugal não possamos deitar mão a essa terapêutica.”

Reconhecendo que o uso de forma acrítica da cannabis pode trazer riscos psiquiátricos a quem a consome, Ana Matos Pires salienta que o que aqui está em causa é “o uso controlado sob supervisão médica”. Enquanto cidadã, salienta, considera que “é de uma hipocrisia absoluta” Portugal ter plantações autorizadas de cannabis para fins medicinais que depois são exportadas e que o país não as possa usar.

Pela segurança

Entre o vasto leque de profissionais de saúde signatários da carta aberta está também José Aranda da Silva. O ex-bastonário dos farmacêuticos e primeiro presidente do Infarmed reforça a posição já assumida por outros. “Hoje temos evidência científica que o uso da cannabis é positivo no tratamento de sintomas de doenças neurológicas, da dor. Esta situação é hoje comum em muitos países”, diz, salientando também que “todas as substâncias activas usadas como medicamentos têm sempre uma vertente terapêutica e uma vertente tóxica”. “O importante é ter um controlo forte sobre a regulamentação e a sua dispensa”, destaca.

É essa segurança que Pedro Alves Andrade quer sentir. Assina a carta aberta como usuário de cannabis para fins medicinais. Começou a fazê-lo depois de ter tido um acidente há dez anos que o deixou paraplégico. Esteve 13 meses em unidades de reabilitação física e tomou todos os medicamentos disponíveis no mercado para controlar os espasmos musculares e para atenuar a rigidez permanente. Situação que tem implicações diárias em coisas tão simples como sentar ou sair da cadeira de rodas.

“Cheguei a tomar as doses máximas recomendadas dos medicamentos para controlo dos espasmos e eles aconteciam na mesma. Ouvia comentários dos doentes onde estava internado que a cannabis tinha efeitos positivos e uma vez uma médica abordou o assunto. Estava um pouco renitente, mas quando experimentei foi a coisa mais flagrante que pude ver e sentir em toda a minha vida. Se usar um pouco de cannabis consigo mobilizar as pernas que antes estavam rígidas”, explica.

Ter uma lei que aprovasse o uso médico, “uma das coisas que poderia resolver era a segurança e o acompanhamento médico. Durante muito tempo acedi ao mercado negro, mas depois passei a plantar. Estou ciente que estou sujeito a ser considerado um traficante”, diz, lamentando que perante as evidências científicas que existem não se permita aos doentes aceder a esta possibilidade.

O bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, não quis comentar uma carta que não conhece, assim como os projectos de lei que vão a debate, mas lembrou que “a Ordem tem em estudo um parecer do conselho nacional da política do medicamento, que será votado pelo conselho nacional executivo, com as situações em que o uso de cannabis medicinal pode ser benéfico e com evidência científica e que questões devem ser salvaguardadas”.