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domingo, 25 de março de 2018

Marques Mendes: Misericórdia de Lisboa mandou fazer uma avaliação ao Montepio mas porque não a divulga?

Luís Marques Mendes

Luís Marques Mendes

25 de março de 2018 às 21:20

As notas da semana de Marques Mendes nos seus comentários na SIC. O comentador fala sobre o caso Montepio e a entrada da Santa Casa da Misericórdia no seu capital, da conferência de Sócrates, dos relatórios dos incêndios e de Tancos, entre outros temas.

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CAMPANHA DE LIMPEZA DE MATAS

A acção ontem realizada – PM e vários membros do Governo dispersos pelo país em acção de limpeza de matas – é um exercício de sensibilização das populações ou é um acto de propaganda política?

Julgo que são as duas coisas ao mesmo tempo.

a) Claro que é um acto de propaganda política. Há muito tempo que o Governo anda em campanha eleitoral. Há vários meses que parou de governar e só "vive dos rendimentos". E ainda por cima este acto de propaganda veio em boa altura, porque se destina a fazer esquecer a má semana que o Governo teve, por causa dos relatórios dos incêndios.

b) Mas, para além disso e mais importante, é um exercício de sensibilização das populações para a limpeza das matas. E, nesse plano, é um exercício altamente meritório.

  • A questão da limpeza das matas, mais do que uma questão legal, é uma questão de comportamento. E os comportamentos levam tempo a mudar. É preciso fazer pedagogia. É preciso sensibilizar. É preciso motivar os cidadãos.
  • Daí a importância da mudança de comportamento que está a acontecer este ano. Apesar de haver uma lei em vigor há 12 anos, este é o primeiro ano em que começa a ser cumprida.
  • Ou seja, uma boa iniciativa.

OS RELATÓRIOS DOS INCÊNDIOS E DE TANCOS

O que é que estes dois relatórios têm de semelhante e de diferente?

  1. Semelhanças – São, sobretudo, duas:

a) Primeira semelhançaNum caso e noutro o Estado falhou em toda a linha. O Estado falhou clamorosamente nos incêndios de Outubro e morreram 49 pessoas. O Estado falhou em Tancos e um paiol militar foi roubado.

b) Segunda semelhançaApesar de haver falhas brutais do Estado, mesmo assim o Governo nunca assume responsabilidades e nem sequer pede desculpas ao país. É um padrão deste Governo. As coisas correm mal, mas o Governo nunca tem culpa. A culpa é sempre dos outros, da meteorologia, da conjuntura ou da comunicação social.

  1. Diferenças- A diferença está no facto de um ser um relatório independente e o outro ser um relatório governamental. E isso faz toda a diferença.

a) O relatório sobre os incêndios é feito por uma entidade independente. Conclusão: é um arraso para o Governo. É pior que o relatório sobre Pedrógão. Segundo o relatório, o Governo falhou na prevenção; negligenciou quanto às condições meteorológicas; não declarou o estado de calamidade preventivo; não foi rápido nem eficaz no combate inicial ao fogo. Segundo o relatório, o Governo foi negligente e incompetente. Pior era impossível.

b) Já o relatório de Tancos é um acto de "lavagem" da imagem do Governo. Porquê? Porque é feito pelo próprio Governo. Juiz em causa própria é tudo menos isento e imparcial. No caso concreto, chega a ser escandaloso.

  • Diz o relatório que há falhas pelo menos há 20 anos na segurança de Tancos. Mas ninguém é responsável. Nem militar nem político.
  • Há um roubo grave em Tancos. O que sucede? Quatro sanções menores a militares sem cargos de decisão. A culpa é do mexilhão.
  • Militares e políticos desculpam-se uns aos outros. Há meses, os chefes militares desculparam o Governo. Agora, o Governo desculpa os chefes militares. Favor com favor se paga.

Conclusão: Tancos e incêndios de 2018. São um caso de vergonha nacional. Do Estado e do Governo. Para o PM, porém, a culpa é da comunicação social.

LEIS LABORAIS – AVANÇO OU RECUO?

  1. Aspectos positivos

a) Não é uma revisão global das leis laborais. Positivo. O tempo não é de mudanças radicais.

b) O propósito de combater a precariedade laboral é sempre louvável.

c) O método de trabalho – tentar um acordo na concertação social – é altamente meritório.

  1. Aspectos negativos

a) O objectivo do Governo é mais ideológico e menos social. A preocupação parece ser mais a de agradar aos seus parceiros do que a de combater a precariedade laboral. A prova está no facto de, nos dois últimos anos, 80% dos novos contratos de trabalho serem contratos sem termo.

b) O fim do banco de horas individual pode ser um sinal contrário aos tempos da economia global. Tempos que exigem flexibilidade. Acresce que este mecanismo é, muitas vezes, altamente favorável aos trabalhadores e até desejado por estes.

  1. Finalmente, uma leitura política curiosa.
  • O Bloco de Esquerda está satisfeito com a proposta do Governo. O PCP, ao contrário, acha-a muito insuficiente.
  • É também um sinal dos tempos – o Bloco cada vez mais próximo do Governo. O PCP cada vez mais distante.

A CONFERÊNCIA DE SÓCRATES

  1. Muitos consideraram anormal a conferência que Sócrates deu esta semana na Universidade de Coimbra. Eu tenho uma opinião diferente:

a) Acho normal que Sócrates seja convidado para conferências. Acho normal que aceite os convites. Acho normal que diga bem de si próprio e elogie o seu governo. Acho normal que diga mal dos governos que lhe sucederam (Passos e Costa). Acho normal que faça de conta que não percebe por que é que quase levou o país à bancarrota.

b) O que já não acho normal é que ninguém lhe faça uma pergunta delicada: por que é que aldrabou ao dizer que escreveu livros que não escreveu? Por que é que andou às escondidas a mandar comprar livros, só para fingir que era muito popular? Acha bem que um político, ainda por cima socialista, faça vida de novo rico, vivendo à grande e à francesa quando ainda por cima não tem recursos para tal?

  1. Em qualquer caso, o que preocupa mesmo no caso José Sócrates é a lentidão do seu processo judicial. Vejamos:

a) Debate instrutórioJá passaram cerca de seis meses depois de deduzida acusação. E ainda nem sequer começou o debate instrutório (uma espécie de pré-julgamento). Num caso destes levará cerca de um ano. Terminará lá para meados de 2019.

b) Julgamento – Na melhor das hipóteses, o julgamento começará no segundo semestre de 2019. Mas o mais provável é só começar mesmo em 2020. Daqui a dois anos.

c) Duração do julgamento – Nunca durará menos de três anos. Mas poderá chegar aos quatro anos. No processo Face Oculta o processo durou cerca de dois anos. E este processo é muito mais complexo. Só testemunhas deverão achegar às 500. Ou seja, temos julgamento concluído lá para 2024.

d) Recursos – Depois haverá recursos para o Tribunal da Relação, para o Supremo Tribunal de Justiça e para o tribunal Constitucional. Quatro anos de recursos é o cenário mais provável. No Face Oculta o julgamento já terminou há cerca de dois anos e meio e ainda temos recursos a decorrer.

e) Conclusão: só teremos decisões transitadas em julgado (ou seja, o fim deste processo) lá para 2028. Daqui a 10 anos. Uma loucura completa.

ELEIÇÕES ANTECIPADAS NO PSD?

  1. Segundo o Expresso, alguns críticos de Rui Rio admitem que, mesmo antes das eleições de 2019, possa haver eleições antecipadas dentro do PSD, para mudar de líder.
  1. Eu devo dizer que acho essa ideia um disparate monumental:

a) Primeiro: é um disparate porque é ficção política. Nunca vai suceder. Isso só poderia suceder se Rui Rio se demitisse e Rio não se vai demitir até 2019. E bem. Os mandatos devem ser cumpridos.

b) Segundo: é um disparate porque só serve para prejudicar o partido. E o partido já está suficientemente degradado e danificado. Os críticos deviam ter cuidado.

c) Finalmente: é um disparate porque não é um acto de grande inteligência. Admitir, mesmo em abstracto, mudar de líder antes de 2019 é dar um pretexto a Rui Rio para se vitimizar. Os críticos, se querem ter sucesso no futuro, devem ser mais inteligentes no presente.

  1. Entretanto, o líder do PSD dá sinais de querer finalmente fazer oposição:

a) Primeiro: arrumou a casa, escolhendo o novo Secretário-Geral. Boa escolha. Um histórico do partido que vai estar próximo dos militantes. José Silvano é parecido com Matos Rosa.

b) Segundo: vai finalmente para o terreno (visitas à zona dos incêndios e a unidades de saúde) e vai começar a tomar iniciativas (uma já anunciada no caso do Montepio).

  1. No entretanto, Rui Rio tem beneficiado de uma grande ajuda – a ajuda do PS. O PS não lhe faz críticas. Só elogios. E mesmo os comentadores da área do PS têm sido muito simpáticos com Rio. Até no caso Barreiras Duarte. Só falta saber até quando durará esta "lua-de-mel" política.

MISERICÓRDIA NO MONTEPIO?

  1. Qual o ponto da situação?

a) Confirma-se o que disse há duas semanas – a Misericórdia recuou e a sua participação no capital do Montepio será meramente simbólica. Trata-se, apenas e só, de salvar a face.

b) Ainda não há decisão final. O que está em cima da mesa é o seguinte cenário:

  • A Misericórdia de Lisboa pretende adquirir 1% do capital do Montepio por um valor que neste momento oscila entre 18 e 20 milhões de euros;
  • O Provedor, Edmundo Martinho, pretende ser Administrador não executivo e o Provedor da Misericórdia do Porto está provisoriamente apontado para Presidente da Assembleia-Geral.
  1. Problemas existentes – Mas há ainda dois problemas sérios:

a) Primeiro: se comprar 1% do capital por 20 milhões, isso significa avaliar o Banco em 2 mil milhões. Mas é impossível o Montepio ter esse valor. O BPI, que tem o dobro da quota de mercado do Montepio, vale hoje 1,7 mil milhões. Logo, o Montepio, nem de longe nem de perto, vale 2 mil milhões. Comprar a este valor, sem uma explicação consistente, pode suscitar dúvidas de má gestão, favorecimento ou até gestão danosa.

b) Segundo: a Misericórdia de Lisboa mandou fazer uma avaliação. E tem essa avaliação, feita pelo Haitong, na sua mão. Mas está escondida. Essa avaliação está apenas nas mãos do seu Provedor. Não foi divulgada. Pergunta-se:

  • Qual a razão pela qual não é divulgada? O que tem a esconder?
  • Os deputados não vão pedir essa avaliação?
  • E o Governo vai autorizar esta operação sem divulgar a avaliação que foi mandada fazer?
  • Como se vê, muito provavelmente a procissão ainda vai no adro.

O ESCÂNDALO DO FACEBOOK

  1. O que se passou no caso vindo a público foram quatro situações distintas:

a) Primeiro: imoralidade. Neste caso de um político, Donald Trump, que contratou uma agência para fazer uma campanha suja, sem regras e sem escrúpulos.

b) Segundo: falta de ética e deontologia profissional. Neste caso de uma agência que trabalhou para Trump usando métodos absolutamente condenáveis para tentar fazer manipulação de votos;

c) Terceiro: ilegalidade e violação do dever de confiança. Foi o que sucedeu com a rede social Facebook. Permitiu que dados de 50 milhões de pessoas com conta no Facebook fossem usados de forma absolutamente ilegítima.

d) Quarto: ausência de regulação. Tudo isto sucede porque, além de haver muita gente sem escrúpulos, também há uma grave falta de regulação.

  1. Este caso vergonhoso pode, apesar de tudo, vir a ter um lado virtuoso:

a) Do lado dos Estados, tudo isto vai obrigar a maior escrutínio e à existência de mecanismos de regulação. Quando o "fogo" chega aos políticos, os políticos assustam-se.

b) Do lado dos cidadãos, deve obrigá-los a reflectir:

  • Vale a pena as pessoas exporem a sua vida na praça pública? "Despirem-se" na praça pública? Contarem o seu dia-a-dia e as suas aventuras na praça pública? É isto que habitualmente sucede no Facebook.
  • Não há que ter mais respeito pela privacidade de cada um? Não há que reganhar o valor e a importância da privacidade? Os cidadãos não podem só exigir dos outros. Têm de começar a ser eles próprios a dar o exemplo.

A origem dos nossos males: erros meus, má-fortuna ou corrupção?

  por estatuadesal

(Ricardo Paes Mamede, in Blog Ladrões de Bicicletas, 25/03/2018)

camoes

Vários dirigentes políticos, a maioria dos comentadores mediáticos e até algumas pessoas que têm obrigação de saber o que dizem continuam a responder como sempre responderam à questão que está no título deste post. Para eles, Portugal entrou em crise na viragem do milénio porque alguns governantes se deixaram influenciar pelos poderosos deste país, adotando políticas que os beneficiaram em prejuízo do resto das pessoas e da economia nacional.

Sejamos claros: tem havido em Portugal – como sempre houve e sempre haverá, neste país e em muitos outros – casos evidentes de captura do Estado por interesses particulares. Essas formas mais ou menos directas de corrupção causam dano na economia e são, em qualquer caso, eticamente inadmissíveis. São ameaças à democracia e como tal têm de ser combatidas.

Separemos, porém, a discussão. A questão não é se a corrupção existe. O que está aqui em causa é saber se os privilégios especificamente concedidos a alguns sectores e grupos na sociedade portuguesa explicam a crise que teve início no início do século. A minha resposta é negativa.

Vale a pena termos presente nesta discussão que o aspecto distintivo da crise nacional é a acumulação de uma enorme dívida externa, que teve início em meados da década de noventa. Note-se que não estamos a falar de dívida pública: na verdade, a dívida do Estado em percentagem do PIB esteve em queda até 2000 e depois disso subiu de forma ligeira até à grande crise internacional. A crise da economia portuguesa traduz-se, primordialmente, no crescimento acentuado da dívida privada, especialmente das empresas. Foi o aumento da dívida privada que levou a dívida externa portuguesa para valores próximos do PIB na viragem do século, quando era quase inexistente poucos anos antes.

De acordo com a tese da captura do Estado por interesses particulares, a origem da crise portuguesa está no facto de vários governos terem privilegiado certos grupos económicos, protegendo-os da concorrência e dando-lhe condições especiais para acumulação de lucros através da regulação dos sectores em que actuam. Teria sido assim que se tornaram poderosos as empresas e os grupos dos sectores da banca e seguros, da construção, da distribuição, da energia ou das telecomunicações. De acordo com esta tese, estes grupos tornaram-se dominantes porque tinham proximidade ao poder político, o qual os protegeu da concorrência interna e externa, e os alimentou financeiramente através de contratos públicos chorudos. Vivendo à sombra do Estado, e da regulação que este faz dentro das fronteiras nacionais, os grandes grupos económicos portugueses ter-se-iam sobreespecializado em actividades dirigidas ao mercado interno, menosprezando a disputa de mercados internacionais e a concorrência externa.

Em economês diz-se que a economia portuguesa se sobreespecializou em sectores “não-transaccionáveis” (ou seja, naquelas actividades que não estão sujeitas à concorrência internacional), em prejuízo dos sectores exportadores. E isto é um problema, na medida em que os não-transaccionáveis não permitem obter rendimentos a partir do exterior, mas dão origem a salários e lucros que serão usados em consumo e investimento, o que por sua vez se traduz em mais importações. Além disso, quando empresas daqueles sectores investem têm de pedir dinheiro emprestado, o qual de uma forma ou de outra vem do estrangeiro (agravando assim a dívida externa).

Por outras palavras, foi o predomínio dos sectores não-transaccionáveis que conduziu a que houvesse mais saída do que entrada de dinheiro no país, levando à explosão da dívida externa portuguesa. Até aqui estamos de acordo. A questão é saber o que conduziu ao peso excessivo dos sectores não-transaccionáveis.

Segundo a tese da captura do Estado por interesses particulares como origem da crise, foram os privilégios políticos atribuídos àqueles grupos económicos que explicam a orientação da produção nacional para o mercado interno. A tese é atractiva, sem dúvida. Mas, se analisarmos com atenção, há várias coisas que não batem certo.

Primeiro, o aumento do peso dos sectores não-transaccionáveis aconteceu em vários países da UE no mesmo período. Por exemplo, entre 2000 e 2007 o aumento do peso destes sectores no PIB em Portugal foi equivalente ao da França e inferior ao do Reino Unido, de Espanha e de Itália. Na verdade, nas vésperas da grande crise internacional, o peso dos sectores não-transaccionáveis em Portugal continuava abaixo destes e de vários outros países da UE. É difícil sustentar que todos estes países sofreram o mesmo processo de captura do Estado por interesses particulares, ao mesmo tempo, da mesma forma e com os mesmos efeitos.

Segundo, analisando com cuidado várias políticas públicas em Portugal nas últimas duas décadas, não é evidente que os sectores transaccionáveis tenham sido sistematicamente preteridos a favor dos não-transaccionáveis. Por exemplo, neste estudo mostrámos que vários tipos de políticas públicas (subsídios ao investimento, incentivos fiscais de natureza transversal, incentivos fiscais de natureza contratual, etc.) foram sistematicamente dirigidos para empresas da indústria transformadora ou actividades de serviços mais expostos à concorrência internacional (e não para os sectores e grupos económicos supostamente protegidos).

Terceiro, não haveria nenhuma razão óbvia para que os grupos de interesse que capturaram os decisores políticos portugueses estivessem todos ligados a sectores não-transaccionáveis. A história e os estudos comparados mostram-nos que sempre que os Estados quiseram (ou querem, ainda hoje) apoiar empresas nacionais expostas à concorrência internacional, arranjam forma de o fazer.

É um facto que a crise portuguesa surge associada a um aumento acentuado do peso dos sectores não-transaccionáveis. Mas para percebermos por que motivos os sectores menos expostos à concorrência internacional se tornaram mais lucrativos do que os restantes não precisamos de teorias da conspiração. Basta termos em conta três desenvolvimentos marcantes das últimas duas décadas e meia (que se conjugaram no tempo, em parte por um infeliz acaso):

• a liberalização financeira (particularmente acentuada em Portugal pelo processo profundo e acelerado de privatizações após 1989),
• a liberalização comercial (no caso português são particularmente relevantes os acordos comerciais da UE com a China, cujos produtos competem directamente com os nacionais) e
• a adesão ao euro (que no caso português acentuou os efeitos da liberalização financeira e da liberalização comercial, ao facilitar a entrada de capitais no país e ao tornar as exportações portuguesas mais caras – e as importações mais baratas).

Estes factores (desenvolvidos aqui) são suficientes para explicar o crescimento dos sectores não-transaccionáveis em Portugal (e noutros países): por um lado, a abundância de crédito levou ao crescimento do mercado interno, favorecendo os lucros de empresas que vendem cá dentro e impulsionando as importações; por outro lado, a liberalização financeira e a adesão a uma moeda forte penalizaram a lucratividade das empresas que vendem para fora (ao mesmo tempo que tornavam as importações mais acessíveis).

Em suma, não precisamos de falar em corrupção – que, repito, com certeza existiu – para explicar a crise da economia portuguesa desde a viragem do século.

Nada disto isenta os dirigentes políticos nacionais de responsabilidades. Em última análise, foram os governos que decidiram liberalizar a finança, precipitar a entrada no euro e viabilizar os acordos comerciais da UE com outros países. No entanto, os dirigentes políticos em causa não são exactamente os mesmos que estão na mente de quem apresenta as banais teorias da conspiração para a crise – nem a decisões relevantes são as mesmas.

É fácil perceber por que razão os comentadores da espuma dos dias insistem numa explicação que não cola com os dados disponíveis: dá menos trabalho e serve os propósitos que os movem. Compreender e conseguir explicar a um público alargado as origens complexas da crise portuguesa exige mais esforço do que simplesmente atribuir culpas a esta ou aquela pessoa.

Em qualquer caso, o objectivo daqueles comentadores nunca é explicar seja o que for: é manipular a opinião pública para o lado que mais lhes convém no momento. O problema é que se acreditarmos em explicações simplistas nunca perceberemos verdadeiramente o que nos aconteceu. Nem perceberemos o que devemos fazer para evitar que volte a acontecer.

O incómodo dos patrões e o muito que falta fazer

por estatuadesal

(José Soeiro, in Expresso Diário, 25/03/2018)

soeiro

José Soeiro

(Este governo tem vindo a tomar algumas medidas que diminuem o desequilíbrio da repartição do rendimento entre o trabalho e o capital. E está sempre à espera que na comédia da "concertação social" os patrões deem a benção às medidas. Ó santa ingenuidade. O patronato luso é sovina e só dá um presunto a quem lhe der um porco, como bem diz o povo. Por isso o melhor é acabar com a farsa da "concertação" que não passa de um grande desconcerto.

Comentário da Estátua, 25/03/2018)


Ao momento está associada uma solenidade que é também um ritual. Mas quem esteja mais atento sabe que a proposta do Governo sobre as alterações à lei laboral não é propriamente nova. É, no essencial, a expressão do que já constava do programa de Governo aprovado na sequência dos acordos feitos à esquerda (nomeadamente a eliminação do banco de horas individual e a taxa de rotatividade) e também dos compromissos negociados com o Bloco e publicados no Relatório do Grupo de Trabalho de Combate à Precariedade, nomeadamente sobre a limitação dos contratos a prazo (com cinco alterações concretas), do trabalho temporário e sobre o reforço da Autoridade para as Condições de Trabalho.

A reação das confederações patronais, mesmo antes da divulgação do documento, também não surpreende ninguém. Invocam a “concertação social”, como se a representação democrática estivesse sujeita ao visto prévio de quem ninguém elegeu. No essencial, encenarão a indignação do costume contra tudo o que possa diminuir os atuais desequilíbrios nas relações de trabalho, sempre de mão estendida para mais compensações e subsídios. O costume, portanto.

O que fica por saber são três aspetos essenciais.

O primeiro é o calendário. O programa do Governo foi votado há dois anos e o relatório assinado pelo Governo e pelo Bloco saiu há um ano. Ora, não podemos esperar até ao fim da legislatura para concretizar o que está consensualizado há tanto tempo. Por isso mesmo, ouvir os parceiros sociais não pode ser pretexto para arrastar decisões e concretizar compromissos. Vamos mudar a lei do trabalho ainda antes do verão? É essa a expectativa criada.

O segundo é saber como serão concretizadas as medidas agora enunciadas nos seus princípios. A taxa de rotatividade é uma medida positiva com um objetivo correto, mas para ser eficaz tem de ser robusta no seu âmbito (falamos apenas do desvio em relação ao padrão de rotatividade de cada setor? Mesmo em sectores em que o padrão é em si mesmo excessivo?) e no seu valor (é esse que vai definir o seu efeito de dissuasão). Noutro campo, o do trabalho temporário, acontece o mesmo. Atualmente a lei permite renovações diárias ao longo de dois anos, ou seja, uma sucessão de 720 contratos temporários para o mesmo trabalhador para o mesmo posto de trabalho. É absurdo, mas é lei. A intenção de limitar está certa, mas o essencial é saber até quantas renovações se pretende limitar (limitar a 3 é diferente de “limitar” a 300...).

A terceira questão é saber se o Governo pretende, com esta proposta, encerrar o atual ciclo político no campo da lei laboral. Creio que isso é impossível, por duas razões. A primeira é que o que está proposto relativamente à contratação coletiva fica ainda claramente aquém do razoável. A utilização indevida da caducidade é hoje, na prática, autorizada pela lei e não devia sê-lo; os mecanismos de arbitragem, mesmo que fossem capazes de mitigar o abuso, não vão resolver esse problema. A segunda razão é que estão neste momento em discussão outras matérias em relação às quais o Parlamento já deu um sinal de compromisso: o trabalho por turnos e o reconhecimento do estatuto dos cuidadores e das cuidadoras informais. Uma e outra implicam alterações ao Código de Trabalho. Há ainda zonas que não podem ficar sem resposta - um exemplo é o valor das indemnizações por despedimento, cortadas para metade.

Façamos então caminho. O momento de hoje é um passo importante num caminho que vem do início da atual solução política. Mas não é ainda uma garantia nem encerra o debate.

Marcelo envia recado a Rio: quem não concorda com o “combate” pelas florestas “não tenciona ser Governo”

24/3/2018, 17:20318

Quem quiser governar tem de apoiar a valorização da floresta: "Quem achar o contrário é porque não tenciona ser Governo tão depressa”, disse o Presidente. Rio criticou ação de marketing nas matas.

Tanto Marcelo como o primeiro-ministro participam este sábado em várias iniciativas de limpeza de mato

HUGO DELGADO/LUSA

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  • O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, defendeu este sábado que, quem quiser ser Governo, hoje ou no futuro, só o conseguirá com a vitória no combate por uma floresta “melhor preservada e valorizada”. Marcelo frisou a importância de se ganhar “este combate que é nacional, por um Portugal melhor, por uma floresta mais bem compreendida e ainda melhor preservada e valorizada”. As palavras de Marcelo vão direitas a Rui Rio:

É tão importante isso que eu acho que o debate por mais votos, menos votos, é secundário. Quem quer que seja Governo, hoje, daqui a quatro, oito, doze, dezasseis anos, só ganha com a vitória neste combate. Quem achar o contrário é porque não tenciona ser Governo tão depressa”, frisou.

O líder do PSD tinha dito, esta sexta-feira, que a ação de participação na limpeza de matas que o Governo está a fazer “tem algum mérito porque sensibiliza as pessoas”, mas era criticável: “Não somos ingénuos e sabemos que o Governo está a fazer uma ação de marketing para desviar as atenções [do relatório crítico da Comissão Técnica Independente]”, afirmou Rui Rio numa conferência de imprensa.

No final de uma visita à Serra do Castro, no concelho de Viseu, para acompanhar uma ação de limpeza de mato, Marcelo Rebelo de Sousa disse aos jornalistas que “tudo o que seja necessário fazer para sensibilizar as pessoas” para esta questão deve ser feito. “Independentemente de depois haver sobre determinadas ações concretas opiniões diferentes, faz parte da lógica política”, acrescentou, em mais uma alusão indireta ao líder do PSD.

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, já tinha estado, este sábado de manhã, no Parque Nacional Peneda-Gerês, em Terras de Bouro, distrito de Braga, que a limpeza da floresta para prevenir incêndios é uma “causa nacional”.

É uma causa nacional e esta proximidade da floresta e da importância da floresta é um salto qualitativo importante na nossa sociedade”, disse.

O chefe de Estado esteve também, no Regimento de Infantaria N.º 14, participando em “trabalhos de gestão de combustível e conservação de habitats naturais”. Em declarações aos jornalistas, o presidente disse que a limpeza das matas “é uma causa que todos somados somos poucos e divididos não somos suficientes”. Marcelo acredita que o país se está a preparar para evitar uma tragédia como a do ano passado

O país está a preparar-se mas no sentido amplo do termo. Não nos podemos esquecer das populações, das autarquias”, afirmou.

Para Marcelo Rebelo de Sousa, “há hoje uma atenção e uma proximidade [à floresta] da parte dos portugueses, todos eles, que não houve no passado”. “Isso é muito bom”, sublinhou.

Tanto Marcelo Rebelo de Sousa como o primeiro-ministro António Costa participam este sábado, em diferentes zonas do país, em várias iniciativas de limpeza de mato e defesa da floresta organizadas em parceria com a Associação Nacional de Municípios Portugueses.

Um preto de cabeleira loura ou um homossexual no CDS não é natural

POLITICAMENTE CORRETO

25/3/2018, 8:101.203

A ideologia tornou-se biologia. O comunista hoje é o activista. Luta das comunidades em vez de luta de classes. Por isso o dirigente homossexual do CDS é como o preto de cabeleira loura: não é natural

Um preto de cabeleira loura, um branco de carapinha ou um homossexual no CDS não é natural. Natural é o homossexual ser do Bloco de Esquerda. Ou pelo menos de esquerda. Quando, a propósito de Adolfo Mesquita Nunes, Fernando Rosas declarou “O CDS até tem um dirigente gay! Ai que moderno que ele é!” exprimiu com notório mau gosto mas com muita clareza a intrumentalização ideológica subjacente a essas entidades que agora por aí pululam – as comunidades – e ao discurso comunitarista.

É a comunidade homossexual mais a comunidade cigana. A comunidade muçulmana. A comunidade lésbica. Há comunidades, como a dos afro-descendentes, que ao certo nem se percebe por quem é constituída: um negro nascido na Amadora é mais afro-descendente que um branco nascido em Luanda?

Por todas estas comunidades falam uns alegados representantes cuja importância decorre não do reconhecimento que têm entre aqueles que dizem representar mas sim do eco conseguido pelas suas declarações. Estas invariavelmente reproduzem, devidamente adaptadas às suas particulares e físicas circunstâncias, a cartilha marxista leninista. Onde antes estava a condição de classe está agora a pertença a uma ou várias comunidades.

Na luta contra o modo de vida ocidental, a comunidade substituiu o proletariado. Este último não só perdeu o préstimo político como até desatou a votar em que não devia. Consequentemente as suas filhas podem ser violadas, abusadas, prostituídas e em alguns casos assassinadas perante o silêncio das autoridades como aconteceu  em Rotherham e Telford, Inglaterra.

Como foi possível que entre 1980 e 2012 grupos de homens sequestrassem, drogassem, espancassem, violassem… milhares de meninas e adolescentes, em Inglaterra? Muitas das vítimas estavam sob alçada dos serviços sociais mas quando se queixavam à polícia e aos serviços sociais ninguém as tomava a sério. Muito menos se registava a identidade dos agressores e escamoteavam-se os dados que mostravam a existẽncoa de redes de pedofilia. Tudo isto foi possível porque as vítimas eram a chamada “easy meat”: raparigas brancas provenientes de meios pobres. Mas não só. Isto foi possível  porque os agressores pertenciam a uma das comunidades que substituiu o operariado no organograma instrumental da esquerda: muçulmanos originários, eles mesmos ou as suas famílias, de países como o Paquistão e o Bangladesh. E assim a maior preocupação das autoridades não era proteger as crianças mas sim protegerem-se a si mesmas das temidas acusações de racismo, que inevitavelmente surgiriam do mundo do activismo quando se revelasse a identidade dos agressores. Logo não podiam admitir qualquer referência étnica aos violadores.

Quando alguns técnicos como foi o caso de  Jayne Senior começaram a tomar a sério as denúncias e a produzir relatórios em que não só incluíam as agressões relatadas pelas jovens mas também dados sobre a identidade e o funcionamento em rede dos seus agressores constataram que ninguém lia essa documentação. Pior, muita dessa informação foi destruída, apagada e alterada como aconteceu aos dossiers produzidos pela advogada Adele Weir cujo trabalho de denúncia lhe valeu uma tenaz perseguição por parte dos serviços sociais e a inscrição num curso sobre diferenças étnicas. Em resumo, o absurdo tornou-se a regra.

À medida que o comunitarismo avança o mundo torna-se de facto um labirinto de paradoxos grotescos. Enquanto o socialismo e o comunismo geraram a miséria e a opressão, o comunitarismo está a tornar a nossa vida uma corrida entre absurdos: em França, forças sindicais da área da educação, o SUD-Education 93, em nome do combate ao racismo, organizam ateliers interditos a brancos e acusam de fascismo aqueles que denunciam essa clara discriminação; em Madrid, o bairro de Lavapiésviveu horas de motim quando vários vendedores ambulantes (“manteros”) de origem senegalesa devidamente instigados por activistas vários atacaram a polícia porque estavam convictos  de que o vendedor ambulante Mame Mbaye morrera a fugir à polícia.

Na verdade Mame Mbaye sofreu um ataque cardíaco e os polícias foram os primeiros a socorrê-lo. Mas quando tal se soube já era tarde: os indignados da comunidade “mantera” tinham destruído lojas e parques para bicicletas, incendiado caixotes… Como não podia deixar de ser os líderes do Podemos acusaram a polícia e pediram a legalização dos “manteros”. Já os residentes de Lavapiés que outrora eram alvo da solidariedade marxista agora pedem sim o apoio da polícia.

Em Portugal, o PCP ainda aposta no controlo do indivíduo-trabalhador: aquilo a que entre nós se chama defesa dos direitos dos trabalhadores mais não é do que o retirar de poder a cada trabalhador e às suas comissões para, por exemplo, negociarem bancos de horas. Mesmo que patrões e trabalhadores estejam de acordo não podem decidir nada porque tudo depende daquilo que os sindicatos decidem na contratação colectiva. Mas é óbvio que o comunitarismo e a respectiva indústria da vitimologia e dosrespectivos pedidos de indemnização por discriminação, sem esquecer o revisionismo histórico, estão em franco crescimento. (Confesso que aguardo com curiosidade o alcance desse revisionismo nomeadamente na sua vertente feminista e no que respeita ao machismo de alguns líderes.)

Algures no estrépito da queda do Muro de Berlim e do falhanço óbvio do comunismo como utopia realizável, a ideologia tornou-se biologia e o comunista deu lugar ao activista. A troca revela-se proveitosa pois não só garante financiamento a rodos através duma nada escrutinada rede de apoios, funcionários, associações, comissões, grupos… como permite manter uma influência que não é afectada pelos resultados eleitorais pois está indexada ao estardalhaço conseguido nos noticiários.

Herdeira da luta de classes aí está a  luta das comunidades capitaneada pelos mesmos que já quiseram dirigir o proletariado. Não por acaso os ditos representantes e os mediadores cumprem muito frequentemente o papel outrora reservado aos controleiros: detectam os desvios agora não à linha justa mas sim à tradição ou à lei particular da comunidade.

Como sempre acontece no marxismo-leninismo, o que cada um pensa, sente ou escolhe não conta nem pode contar. Não há lugar para o indivíduo mas sim para os membros das comunidades. E a comunidade pensa em bloco, vota em bloco (e o Bloco espera que no Bloco). Não cumprir este destino em que biologia e ideologia se cruzam num pesadelo determinista é tornar-se por assim dizer num erro da Natureza (devida e muito biologicamente maiusculada) e num traidor agora não de classe mas sim da respectiva comunidade.

Por isso o dirigente homossexual do CDS é visto como o preto de cabeleira loura do velho anúncio: não é natural.