25 de março de 2018 às 21:20
As notas da semana de Marques Mendes nos seus comentários na SIC. O comentador fala sobre o caso Montepio e a entrada da Santa Casa da Misericórdia no seu capital, da conferência de Sócrates, dos relatórios dos incêndios e de Tancos, entre outros temas.
CAMPANHA DE LIMPEZA DE MATAS
A acção ontem realizada – PM e vários membros do Governo dispersos pelo país em acção de limpeza de matas – é um exercício de sensibilização das populações ou é um acto de propaganda política?
Julgo que são as duas coisas ao mesmo tempo.
a) Claro que é um acto de propaganda política. Há muito tempo que o Governo anda em campanha eleitoral. Há vários meses que parou de governar e só "vive dos rendimentos". E ainda por cima este acto de propaganda veio em boa altura, porque se destina a fazer esquecer a má semana que o Governo teve, por causa dos relatórios dos incêndios.
b) Mas, para além disso e mais importante, é um exercício de sensibilização das populações para a limpeza das matas. E, nesse plano, é um exercício altamente meritório.
- A questão da limpeza das matas, mais do que uma questão legal, é uma questão de comportamento. E os comportamentos levam tempo a mudar. É preciso fazer pedagogia. É preciso sensibilizar. É preciso motivar os cidadãos.
- Daí a importância da mudança de comportamento que está a acontecer este ano. Apesar de haver uma lei em vigor há 12 anos, este é o primeiro ano em que começa a ser cumprida.
- Ou seja, uma boa iniciativa.
OS RELATÓRIOS DOS INCÊNDIOS E DE TANCOS
O que é que estes dois relatórios têm de semelhante e de diferente?
- Semelhanças – São, sobretudo, duas:
a) Primeira semelhança – Num caso e noutro o Estado falhou em toda a linha. O Estado falhou clamorosamente nos incêndios de Outubro e morreram 49 pessoas. O Estado falhou em Tancos e um paiol militar foi roubado.
b) Segunda semelhança – Apesar de haver falhas brutais do Estado, mesmo assim o Governo nunca assume responsabilidades e nem sequer pede desculpas ao país. É um padrão deste Governo. As coisas correm mal, mas o Governo nunca tem culpa. A culpa é sempre dos outros, da meteorologia, da conjuntura ou da comunicação social.
- Diferenças- A diferença está no facto de um ser um relatório independente e o outro ser um relatório governamental. E isso faz toda a diferença.
a) O relatório sobre os incêndios é feito por uma entidade independente. Conclusão: é um arraso para o Governo. É pior que o relatório sobre Pedrógão. Segundo o relatório, o Governo falhou na prevenção; negligenciou quanto às condições meteorológicas; não declarou o estado de calamidade preventivo; não foi rápido nem eficaz no combate inicial ao fogo. Segundo o relatório, o Governo foi negligente e incompetente. Pior era impossível.
b) Já o relatório de Tancos é um acto de "lavagem" da imagem do Governo. Porquê? Porque é feito pelo próprio Governo. Juiz em causa própria é tudo menos isento e imparcial. No caso concreto, chega a ser escandaloso.
- Diz o relatório que há falhas pelo menos há 20 anos na segurança de Tancos. Mas ninguém é responsável. Nem militar nem político.
- Há um roubo grave em Tancos. O que sucede? Quatro sanções menores a militares sem cargos de decisão. A culpa é do mexilhão.
- Militares e políticos desculpam-se uns aos outros. Há meses, os chefes militares desculparam o Governo. Agora, o Governo desculpa os chefes militares. Favor com favor se paga.
Conclusão: Tancos e incêndios de 2018. São um caso de vergonha nacional. Do Estado e do Governo. Para o PM, porém, a culpa é da comunicação social.
LEIS LABORAIS – AVANÇO OU RECUO?
- Aspectos positivos
a) Não é uma revisão global das leis laborais. Positivo. O tempo não é de mudanças radicais.
b) O propósito de combater a precariedade laboral é sempre louvável.
c) O método de trabalho – tentar um acordo na concertação social – é altamente meritório.
- Aspectos negativos
a) O objectivo do Governo é mais ideológico e menos social. A preocupação parece ser mais a de agradar aos seus parceiros do que a de combater a precariedade laboral. A prova está no facto de, nos dois últimos anos, 80% dos novos contratos de trabalho serem contratos sem termo.
b) O fim do banco de horas individual pode ser um sinal contrário aos tempos da economia global. Tempos que exigem flexibilidade. Acresce que este mecanismo é, muitas vezes, altamente favorável aos trabalhadores e até desejado por estes.
- Finalmente, uma leitura política curiosa.
- O Bloco de Esquerda está satisfeito com a proposta do Governo. O PCP, ao contrário, acha-a muito insuficiente.
- É também um sinal dos tempos – o Bloco cada vez mais próximo do Governo. O PCP cada vez mais distante.
A CONFERÊNCIA DE SÓCRATES
- Muitos consideraram anormal a conferência que Sócrates deu esta semana na Universidade de Coimbra. Eu tenho uma opinião diferente:
a) Acho normal que Sócrates seja convidado para conferências. Acho normal que aceite os convites. Acho normal que diga bem de si próprio e elogie o seu governo. Acho normal que diga mal dos governos que lhe sucederam (Passos e Costa). Acho normal que faça de conta que não percebe por que é que quase levou o país à bancarrota.
b) O que já não acho normal é que ninguém lhe faça uma pergunta delicada: por que é que aldrabou ao dizer que escreveu livros que não escreveu? Por que é que andou às escondidas a mandar comprar livros, só para fingir que era muito popular? Acha bem que um político, ainda por cima socialista, faça vida de novo rico, vivendo à grande e à francesa quando ainda por cima não tem recursos para tal?
- Em qualquer caso, o que preocupa mesmo no caso José Sócrates é a lentidão do seu processo judicial. Vejamos:
a) Debate instrutório – Já passaram cerca de seis meses depois de deduzida acusação. E ainda nem sequer começou o debate instrutório (uma espécie de pré-julgamento). Num caso destes levará cerca de um ano. Terminará lá para meados de 2019.
b) Julgamento – Na melhor das hipóteses, o julgamento começará no segundo semestre de 2019. Mas o mais provável é só começar mesmo em 2020. Daqui a dois anos.
c) Duração do julgamento – Nunca durará menos de três anos. Mas poderá chegar aos quatro anos. No processo Face Oculta o processo durou cerca de dois anos. E este processo é muito mais complexo. Só testemunhas deverão achegar às 500. Ou seja, temos julgamento concluído lá para 2024.
d) Recursos – Depois haverá recursos para o Tribunal da Relação, para o Supremo Tribunal de Justiça e para o tribunal Constitucional. Quatro anos de recursos é o cenário mais provável. No Face Oculta o julgamento já terminou há cerca de dois anos e meio e ainda temos recursos a decorrer.
e) Conclusão: só teremos decisões transitadas em julgado (ou seja, o fim deste processo) lá para 2028. Daqui a 10 anos. Uma loucura completa.
ELEIÇÕES ANTECIPADAS NO PSD?
- Segundo o Expresso, alguns críticos de Rui Rio admitem que, mesmo antes das eleições de 2019, possa haver eleições antecipadas dentro do PSD, para mudar de líder.
- Eu devo dizer que acho essa ideia um disparate monumental:
a) Primeiro: é um disparate porque é ficção política. Nunca vai suceder. Isso só poderia suceder se Rui Rio se demitisse e Rio não se vai demitir até 2019. E bem. Os mandatos devem ser cumpridos.
b) Segundo: é um disparate porque só serve para prejudicar o partido. E o partido já está suficientemente degradado e danificado. Os críticos deviam ter cuidado.
c) Finalmente: é um disparate porque não é um acto de grande inteligência. Admitir, mesmo em abstracto, mudar de líder antes de 2019 é dar um pretexto a Rui Rio para se vitimizar. Os críticos, se querem ter sucesso no futuro, devem ser mais inteligentes no presente.
- Entretanto, o líder do PSD dá sinais de querer finalmente fazer oposição:
a) Primeiro: arrumou a casa, escolhendo o novo Secretário-Geral. Boa escolha. Um histórico do partido que vai estar próximo dos militantes. José Silvano é parecido com Matos Rosa.
b) Segundo: vai finalmente para o terreno (visitas à zona dos incêndios e a unidades de saúde) e vai começar a tomar iniciativas (uma já anunciada no caso do Montepio).
- No entretanto, Rui Rio tem beneficiado de uma grande ajuda – a ajuda do PS. O PS não lhe faz críticas. Só elogios. E mesmo os comentadores da área do PS têm sido muito simpáticos com Rio. Até no caso Barreiras Duarte. Só falta saber até quando durará esta "lua-de-mel" política.
MISERICÓRDIA NO MONTEPIO?
- Qual o ponto da situação?
a) Confirma-se o que disse há duas semanas – a Misericórdia recuou e a sua participação no capital do Montepio será meramente simbólica. Trata-se, apenas e só, de salvar a face.
b) Ainda não há decisão final. O que está em cima da mesa é o seguinte cenário:
- A Misericórdia de Lisboa pretende adquirir 1% do capital do Montepio por um valor que neste momento oscila entre 18 e 20 milhões de euros;
- O Provedor, Edmundo Martinho, pretende ser Administrador não executivo e o Provedor da Misericórdia do Porto está provisoriamente apontado para Presidente da Assembleia-Geral.
- Problemas existentes – Mas há ainda dois problemas sérios:
a) Primeiro: se comprar 1% do capital por 20 milhões, isso significa avaliar o Banco em 2 mil milhões. Mas é impossível o Montepio ter esse valor. O BPI, que tem o dobro da quota de mercado do Montepio, vale hoje 1,7 mil milhões. Logo, o Montepio, nem de longe nem de perto, vale 2 mil milhões. Comprar a este valor, sem uma explicação consistente, pode suscitar dúvidas de má gestão, favorecimento ou até gestão danosa.
b) Segundo: a Misericórdia de Lisboa mandou fazer uma avaliação. E tem essa avaliação, feita pelo Haitong, na sua mão. Mas está escondida. Essa avaliação está apenas nas mãos do seu Provedor. Não foi divulgada. Pergunta-se:
- Qual a razão pela qual não é divulgada? O que tem a esconder?
- Os deputados não vão pedir essa avaliação?
- E o Governo vai autorizar esta operação sem divulgar a avaliação que foi mandada fazer?
- Como se vê, muito provavelmente a procissão ainda vai no adro.
O ESCÂNDALO DO FACEBOOK
- O que se passou no caso vindo a público foram quatro situações distintas:
a) Primeiro: imoralidade. Neste caso de um político, Donald Trump, que contratou uma agência para fazer uma campanha suja, sem regras e sem escrúpulos.
b) Segundo: falta de ética e deontologia profissional. Neste caso de uma agência que trabalhou para Trump usando métodos absolutamente condenáveis para tentar fazer manipulação de votos;
c) Terceiro: ilegalidade e violação do dever de confiança. Foi o que sucedeu com a rede social Facebook. Permitiu que dados de 50 milhões de pessoas com conta no Facebook fossem usados de forma absolutamente ilegítima.
d) Quarto: ausência de regulação. Tudo isto sucede porque, além de haver muita gente sem escrúpulos, também há uma grave falta de regulação.
- Este caso vergonhoso pode, apesar de tudo, vir a ter um lado virtuoso:
a) Do lado dos Estados, tudo isto vai obrigar a maior escrutínio e à existência de mecanismos de regulação. Quando o "fogo" chega aos políticos, os políticos assustam-se.
b) Do lado dos cidadãos, deve obrigá-los a reflectir:
- Vale a pena as pessoas exporem a sua vida na praça pública? "Despirem-se" na praça pública? Contarem o seu dia-a-dia e as suas aventuras na praça pública? É isto que habitualmente sucede no Facebook.
- Não há que ter mais respeito pela privacidade de cada um? Não há que reganhar o valor e a importância da privacidade? Os cidadãos não podem só exigir dos outros. Têm de começar a ser eles próprios a dar o exemplo.