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sexta-feira, 30 de março de 2018

O sermão da PSP aos ladrões

RELIGIÃO

30/3/2018, 4:18118

O sermão policial do Porto não é a prova de uma qualquer invasão religiosa do Estado, mas, ao contrário, um sinal de como a ideia de religião ainda não recuperou da sua degradação laicista.

Tanto quanto sei, nenhum dos nossos grandes pregadores, nem Santo António, nem o Padre António Vieira, pregaram aos ladrões. Aos peixes, sim. Mas aos ladrões, não. Foi preciso, ao fim de muitos séculos, um engenhoso agente da Polícia de Segurança Pública do Porto para os ladrões poderem finalmente disfrutar da distinção concedida aos peixes. O sermão foi filmado, como hoje parece que acontece a quase tudo, e passou logo às redes sociais, como também é costume com tudo o que é filmado. Mas acontece que não estamos no século XII, nem no século XVII. O Estado actual tem superstições, mas não tem religião. Por isso, o comando da PSP decidiu proceder ao proverbial inquérito. O polícia já notou entretanto que não tentara converter ninguém. Fora apenas um ardil (“estratégia”) para forçar os ladrões a revelar o esconderijo dos objectos furtados.

Não sabemos se o estratagema impressionou os detidos. Mas alarmou as redes sociais, sobretudo as rondas da noite do velho laicismo. Sem razão. A PSP do Porto não é um foco de missionação. O que se passou na esquadra correspondeu muito bem à ideia que da religião faziam as elites mais secularistas do século XIX, depois das revoluções liberais. Havia quem quisesse simplesmente substituir a religião pela ciência, mas até alguns livre-pensadores, por mais urticária que lhes suscitasse o clero, eram capazes de valorizar as velhas crenças como instrumento para inspirar temor e reverência. Sabiam que nem toda a população conseguiria chegar à moral apenas por via da “razão”. Isso era para os cavalheiros ilustrados. Os outros – pobres, crianças e, claro, mulheres – precisavam supostamente do estímulo do sobrenatural para se portarem bem, como terá pressentido o polícia portuense.

O sermão policial não é, portanto, prova de uma qualquer invasão religiosa do Estado, como temeram os fariseus do secularismo, mas, ao contrário, um sinal de como a ideia de religião ainda não recuperou da sua degradação laicista desde o século XIX. Tolerada como simples disciplina social para espíritos considerados fracos, a religião foi logicamente imaginada como uma ausência de dúvidas, uma anestesia para as incertezas (o “ópio do povo”). Por isso, a palavra religião é utilizada hoje para descrever tudo aquilo que é vivido ou em que se acredita com excesso e cegueira, sem admitir discussão, como o clubismo do futebol. Como se a religião consistisse necessariamente em fanatismo ou sectarismo. Não por acaso, aliás, o polícia pregador teve de desmentir que pertencesse a alguma “seita”.

É verdade que muitos regimes religiosos tiveram — e têm — aspectos de ritualismo e de intolerância. Isso, porém, também aconteceu — e acontece — com muitos regimes laicistas. No entanto, uma tradição religiosa como o cristianismo incluiu igualmente dúvida, análise e debate. Não foi só “inquisição”, como queria a mais ingénua propaganda anti-clerical. A religião, até na medida em que remetia para a revelação divina e a transcendência da humanidade, sugeriu sempre interrogação, mistério e perplexidade. Sim, foi consolação e conforto, mas foi também a via para algumas das mais desassombradas reflexões sobre o mal e os limites da humanidade, sem as ilusões das ideologias do progresso sobre a possibilidade de restaurar o paraíso terrestre por mera vontade humana. Na época contemporânea, parece termos perdido essa noção. Mas num tempo em que Boa Páscoa tende a significar apenas boas férias, não devemos esperar que a religião, sobretudo numa esquadra de polícia, signifique mais do que uma “estratégia” para recuperar objectos furtados.

O olho celeste

  por estatuadesal

(António Guerreiro, in Público, 30/03/2018)

Guerreiro

António Guerreiro

Em 2004, o filósofo italiano Giorgio Agamben recusou-se a entrar nos Estados Unidos e anulou um curso que devia dar na Universidade de Nova Iorque porque não se quis submeter à identificação biométrica através das novas tecnologias digitais que inscrevem e isolam a “vida nua”, de acordo com uma nova era biopolítica. E, convertendo essa recusa num gesto público e político, escreveu um texto que foi publicado no jornal francês Le Monde (e depois nos mais importantes jornais europeus), com um título de manifesto: “Não à tatuagem biopolítica”.

Aí, escrevia que “uma sociedade se prepara para aplicar a todos os cidadãos dispositivos que até aqui eram destinados só aos delinquentes”. E deste procedimento que consiste em tratar os cidadão como “criminosos virtuais”, Agamben deduzia mais uma lei da despolitização: o corpo político que se transforma em corpo criminal. De 2004 até hoje, o controle biométrico generalizou-se e já é muito difícil que um cidadão possa passear incógnito nas ruas das cidades: as câmaras de vigilância que estão por todo o lado passaram a ser assistidas pelas tecnologias de reconhecimento facial.

Há hoje uma série de empresas do digital que classificam e revendem os nossos dados e os nossos rostos. Os principais clientes são os serviços policiais e as empresas de marketing(agora que a publicidade é, cada vez mais, dirigida a alvos individuais). Há poucos dias, o Le Monde publicou um extenso artigo, assinado pelo jornalista e ensaísta Frédéric Joignet, sobre o modo como os nossos rostos são perseguidos, nomeados e classificados em enormíssimos arquivos que os sistemas de memória e inteligência artificial tratam como uma mercadoria que tem cada vez mais clientes.

A Google e a Amazon, para nomear apenas dois gigantes, têm o seu serviço de reconhecimento facial. Frédéric Joignet nomeia uma empresas americana que criou um software de “descodificação das emoções”, uma empresa fundada por investigadores em “affective computing” que diz possuir “a maior base de dados de emoções faciais do mundo”. Um computador capaz de apreender os nossos afectos e construir uma grelha ou uma gramática de emoções faz lembrar, diz Frédéric Joignet, a pseudo-ciência da fisiognomonia do século XIX, ta como ela foi praticada pelo criminólogo italiano Cesare Lombroso, que quis identificar o carácter criminoso de uma pessoa através de parâmetros morfológicos.

Nos sistemas de reconhecimento facial, que constituem uma intrusão brutal na nossa vida, há uma junção de biometria e informática com um saber que deve muito à antiga morfopsicologia. Esse reconhecimento, associado à videovigilância “inteligente” e à detecção de todas as marcas digitais dos nossos gestos quotidianos, faz lembrar um olho celeste que está muito para além do panóptico, esse dispositivo que Foucault, no seu curso sobre o nascimento da biopolítica, disse ser “justamente a fórmula de um governo liberal”.

O panóptico é uma arquitectura carceral imaginada pelo filósofo Jeremy Bentham, no século XVIII, que permitia a um só indivíduo, instalado num determinado ponto da estrutura, ter um ângulo de visão total sobre o conjunto das celas dos prisioneiros, sem que estes pudessem perceber que estavam a ser observados. Aos dispositivos de controle e vigilância dos panópticos, sucede hoje esse olho celeste muito mais potente e dotado de muitas funcionalidades: reconhece, classifica, arquiva e memoriza, para utilizações de vária ordem: políticas, policiais e comerciais. Chegou o reino do big data global, com a digitalização daquilo que julgávamos possuir de mais analógico: a expressão facial.

Casa da mãe, casa do pai: semana sim, semana sim

30 Março 20181.600

Ana Esteves

Tanto tempo com a mãe como com o pai. A Associação para a Igualdade Parental acha que esta deve ser a regra e lançou uma petição para alterar uma lei que está a ser ultrapassada pela realidade.

O saco do karaté fica sempre em casa do pai, mas não é por esquecimento. Luís, 11 anos, praticante desta arte marcial há três, é empenhado e leva os treinos muito a sério. Por isso, tem progredido imenso, sobretudo tendo em conta que falta metade das vezes. Quando está com a mãe, esta não autoriza, por isso só treina quando está com o pai. A mãe também não concede alterações quando um torneio é marcado para um fim de semana em que Luís está consigo. Por isso, o karaté só acontece nas semanas do pai. Sem exceções.

Desde os dois anos que Luís vive tanto tempo em casa da mãe como em casa do pai, mudando-se de uma para outra à sexta-feira depois da escola. Não tem memória de viver com os dois juntos e cresceu sem qualquer espécie de conciliação entre as famílias de um e do outro. A residência alternada foi o regime estabelecido por decisão judicial, considerando-se o seu “superior interesse”. Apesar de ter de faltar a metade dos treinos, Luís já não imagina a sua vida sem o karaté. E muito menos sem as semanas com o pai.

“A residência alternada é o sistema que melhor protege as crianças, mesmo quando não há acordo entre os pais. Ou sobretudo nestes casos. Se não passássemos este tempo juntos, a minha relação com o meu filho seria com certeza muito diferente, ou mesmo inexistente."

Carlos, 49 anos, pai de Luís

“A residência alternada é o sistema que melhor protege as crianças, mesmo quando não há acordo entre os pais. Ou sobretudo nestes casos”, defende Carlos, 49 anos, pai de Luís. “Se não passássemos este tempo juntos, a minha relação com o meu filho seria com certeza muito diferente, ou mesmo inexistente. Com a residência única, as crianças ficam muito vulneráveis a uma imagem fantasiosa relativamente ao outro progenitor”, afirma. “Apesar de todas as tentativas que a mãe tem feito ao longo dos anos para dificultar os nossos contactos (por exemplo, indo buscá-lo à escola à sexta à tarde, antecipando-se à minha chegada, quando era suposto eu iniciar a minha semana com o Luís, ou dizendo-lhe que é mau para ele estar comigo), conseguimos criar uma relação forte e muito próxima.” E acrescenta: “Se só pudéssemos estar juntos um fim de semana de 15 em 15 dias, ele teria sido muito mais permeável às estratégias da mãe para nos afastar”, considera.

O mesmo não aconteceu com a filha mais velha que, aos 12 anos, e a pedido da mãe, foi ouvida em tribunal e defendeu que o melhor para si, era viver só com ela porque assim teria melhores resultados na escola. O regime de guarda partilhada e residência alternada, estabelecido havia menos de um ano, foi alterado para guarda e residência únicas com a mãe. “O regime de visitas deixou rapidamente de ser cumprido”, conta o pai. “Acabei por perder qualquer contacto com a Raquel, apesar de todas as tentativas formais e informais, que ainda se mantêm, para reverter a situação. Quando ela tinha 15 anos, houve um novo julgamento e ficou definido um novo plano de visitas que, simplesmente, também não foi cumprido. Hoje, ela tem 19 anos. Não falamos nunca, nem sequer no Natal ou em dias de aniversário. Mas a Raquel continua a existir para mim, claro.” Luís e Raquel são filhos da mesma mãe.

O que é a residência alternada?

Os pais têm os filhos a seu cargo semana sim, semana não. Vão buscá-los à escola à sexta ou à segunda-feira e assim iniciam a sua semana, até à sexta ou segunda seguintes. Normalmente, é assim que se organizam. Mas a partilha do tempo pode ser feita em moldes diferentes, por exemplo com a mudança a meio da semana. Ou com períodos mais curtos, de poucos dias, sobretudo quando as crianças são muito pequenas. Desde que o tempo dos filhos seja partilhado pelos pais, numa proporção que pode ir de 33 a 50 por cento para cada um, eles vivem num sistema de residência alternada.

Mas se os pais entram em modo “semana sim, semana não”, para os filhos todas as semanas são “semanas sim”, já que estão sempre com o pai ou com a mãe. E nenhum dos dois tem mais importância na sua vida do que o outro. Tal como nenhum dos dois tem mais responsabilidades do que o outro. Tal como a vontade de um, não tem mais peso do que a vontade do outro. Partilham-se as responsabilidades, mas também o tempo de convivência e de cuidados.

É assim a residência alternada, regime em que vivem cada vez mais crianças em Portugal. Não se sabe exatamente quantas, já que são de 2006 os últimos dados estatísticos recolhidos pela Direção Geral de Políticas de Justiça quanto ao tipo de regime de regulação parental. Nesse ano, apenas três por cento das decisões nos tribunais de família decretaram a guarda conjunta.

São dados anteriores à aprovação da atual lei, em vigor desde 2008, que obriga à partilha das responsabilidades parentais no que diz respeito a “questões de particular importância para a vida da criança”. Mas se é bem clara em relação às responsabilidades, a lei é omissa em relação à hipótese de residência alternada, prevendo que o tribunal determine “a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse do menor”.

Há cerca de 19 mil decisões judiciais por ano que estabelecem a regulação das responsabilidades parentais e, na maioria delas, os juízes continuam a estipular a residência única com a mãe e um regime de visitas ao pai: normalmente em fins de semana alternados e, eventualmente, um dia a meio da semana. Em Lisboa, em 78% dos casos julgados em 2012, a residência única foi entregue à mãe, seguida de longe por familiares (14%) e só depois pelo pai (8%), tendo havido apenas dois casos de guarda partilhada (dados de um estudo da Universidade de Coimbra, publicado em 2014 e que analisou cerca de 500 sentenças judiciais dos tribunais de família de Lisboa e Braga. Segundo pode ler-se neste estudo “a prática judicial ainda reflete as desigualdades de género estruturais existentes na sociedade.”

Porque acreditam que este regime, de “pai de fim de semana”, é contrário ao interesse da criança, que se vê assim privada de uma relação igualmente próxima com ambos os progenitores, quase 2.500 pessoas assinaram já a petição lançada pela Associação para a Igualdade Parental há cerca de cinco meses.

“Esperamos que, durante o ano de 2018, consigamos obter mais de quatro mil assinaturas para que esta matéria seja obrigatoriamente levada a discussão em Plenário da Assembleia da República”, afirma Ricardo Simões, presidente da Associação. “O Direito das Famílias e das Crianças não é neutro. Tem sempre uma carga ideológica”, considera. “A presunção jurídica para a residência alternada tem como objetivo promover a mensagem da coparentalidade como o modelo que melhor satisfaz os interesses da criança”, explica. “Mas ao mesmo tempo contribuir para a redução dos conflitos parentais, retirando a variável das relações de poder, num sistema adversarial que tende a exacerbar tais relações”. Havendo esta alteração na lei, acrescenta, “aceleram-se os processos de mudança nas dinâmicas parentais pós-divórcio e separação, contribuindo para a pacificação das comunidades e aumentando a sua coesão, no melhor interesse da criança”.

“Para uma vinculação segura, é preciso mais do que meras visitas”

Em nome do melhor interesse da criança, continuam a estabelecer-se todos os dias, nos tribunais, muito mais regimes de residência única com “direito de visitas” do que regimes de residência alternada. Na opinião de Rute Agulhas, psicóloga clínica e forense, terapeuta familiar e co-autora do livro “Audição da Criança – Guia de Boas Práticas”, é válido o pressuposto base da petição, “de que a criança deverá manter com ambos os pais contactos de forma tendencialmente equitativa. Manter contactos regulares e extensos com ambos os pais permite que a criança estabeleça com cada um deles uma relação de vinculação segura”, defende. “Para que esta aconteça, é preciso mais do que meras ‘visitas’, deve haver pernoitas desde cedo, com uma divisão equilibrada do tempo”, considera. “O que não significa que tenha de ser necessariamente, uma divisão de 50/50”, acrescenta.

“De uma forma gradual, quer os técnicos, quer os magistrados, têm vindo a interiorizar as diretrizes internacionais, que indicam que a criança tem o direito a conviver de forma regular com ambos os pais, excepto se isso for contrário aos seus interesses. Acredito que é esse o caminho que estamos a percorrer e observo isso diariamente no âmbito do meu trabalho enquanto psicóloga clínica e forense.”

Rute Agulhas, psicóloga clínica e forense

Mas, apesar de concordar com o pressuposto, não concorda com a presunção jurídica: “Defendo que não deve haver um regime regra a ser aplicado a todas as famílias, sem que determinadas variáveis sejam previamente tidas em conta. Receio que um regime regra, de forma estanque e rígida, invalide a avaliação prévia dessas mesmas variáveis. Cada caso é um caso e cada família tem as suas especificidades”.

A residência alternada pode ser prejudicial para a criança? “Sim, em situações em que a sua idade e nível de desenvolvimento não foram tidos em conta. Nestes casos, o processo de ajustamento a uma alternância, por exemplo semanal, pode ser difícil. Crianças mais novas (especialmente bebés e mesmo em idade pré-escolar) devem ter transições mais frequentes, tendo em conta a sua memória e noção de tempo”, adverte.

O que diz o Conselho da Europa

O Conselho da Europa solicitou aos estados-membros que assumissem o princípio da residência alternada no seu ordenamento jurídico, limitando as exceções a este princípio a casos de negligência, abuso ou violência doméstica. Está no ponto 5 da Resolução 2079 (Parliamentary Assembly, 2 de outubro de 2015). França, Bélgica, Holanda e Suécia já legislaram neste sentido. No ponto 3 desta resolução pode ler-se: “Separar um pai/mãe do seu filho tem efeitos irremediáveis na sua relação. Esta separação só deve ser ordenada por um tribunal em circunstâncias excepcionais.”

Em relação ao facto de a maior parte das decisões dos magistrados ainda estabelecer a residência única, Rute Agulhas considera que tem, apesar disso, havido mudanças: “De uma forma gradual, quer os técnicos, quer os magistrados, têm vindo a interiorizar as diretrizes internacionais [ver caixa o que diz o Conselho da Europa], que indicam que a criança tem o direito a conviver de forma regular com ambos os pais, excepto se isso for contrário aos seus interesses. Acredito que é esse o caminho que estamos a percorrer e observo isso diariamente no âmbito do meu trabalho enquanto psicóloga clínica e forense.”

Ricardo Simões corrobora esta ideia: “Apesar de não existirem dados sobre a natureza das homologações e decisões judiciais, temos a perceção de que existe uma mudança cada vez maior nos comportamentos dos magistrados no sentido de, pelo menos, privilegiar amplos contatos da criança com ambos os progenitores. A imposição da realidade social aos tribunais levará à mudança da natureza das decisões, em prol da coparentalidade.” Ainda assim, também regista que se encontram “algumas resistências regionais e idiossincrasias, muito resultado da realidade social local ou falta de formação adequada. Trata-se de um processo de transformação lento, em que toda uma geração de crianças foi e é sacrificada”, considera.

A sociedade a mudar mais depressa do que a justiça

Se o caminho parece fazer-se devagar nos tribunais, as mudanças na sociedade estarão a acontecer de forma mais rápida. Na introdução da obra Uma Família Parental, Duas Casas (ed. Sílabo, 2017), a socióloga e co-autora Sofia Marinho analisa as mudanças na família portuguesa nos últimos anos, com a banalização do divórcio e, mais do que isso, na forma como as pessoas se divorciam: “O ‘divórcio por mútuo consentimento’ homologado nas Conservatórias do Registo Civil torna-se predominante, registando valores médios de cerca de 69% entre 2010 e 2013 (dados do INE)”.

Analisando dados de 2014 do Inquérito “Family and Changing Gender Roles” do ISSP (International Social Survey Programme), a investigadora do Instituto de Ciências Sociais destaca mudanças também ao nível das preferências face à modalidade de residência da criança quando o casal se separa. Numa amostra representativa da população portuguesa, 47,5 por cento dos inquiridos consideram a residência alternada como o melhor regime para a criança; 30 por cento afirmam que os filhos devem ficar com aquele que tiver melhores condições; 22,2 por cento dizem que devem ficar a viver com a mãe e 0,4 por cento com o pai.

Para Ricardo Simões, estes dados demonstram “que a resistência a este modelo não advém dos pais e mães portugueses, nem da população em geral, mas antes da ideia estereotipada de família que muitos dos profissionais da área do Direito têm e que condiciona a sua atuação”.

No papel, guarda exclusiva da mãe; na prática, residência alternada

Rui, 49 anos, e a ex-mulher, Patrícia, decidiram divorciar-se quando a filha de ambos, Beatriz, tinha três anos. São um dos casos apontados por Ricardo como estando à frente da justiça. “Logo desde o início, pusemos em prática o sistema de residência alternada, concordando que era o melhor para a Beatriz. Mas oficialmente ficou estabelecido que a guarda exclusiva ficava a cargo da mãe e que eu teria o direito de visita, num fim de semana de 15 em 15 dias”, conta Rui. “Nem sei bem porque é que ficou assim, mas penso que foi apenas porque era o mais habitual, o regime por defeito, digamos assim. Mas nunca nos passou pela cabeça respeitá-lo.”

Na prática, Beatriz começou desde logo a ter duas casas e a dividir o seu tempo equitativamente entre pai e mãe. É à quarta-feira que muda de casa, mas sempre houve muita flexibilidade dos pais na gestão do tempo. “Quando é preciso fazer alguma alteração, porque seja mais conveniente para um de nós, não há qualquer problema e há abertura de parte a parte”, revela Rui. “Por vezes, até é a Beatriz que propõe uma mudança pontual, normalmente por questões práticas, para nos facilitar a vida”, acrescenta.

"Oficialmente ficou estabelecido que a guarda exclusiva ficava a cargo da mãe e que eu teria o direito de visita, num fim de semana de 15 em 15 dias. Nem sei bem porque é que ficou assim, mas penso que foi apenas porque era o mais habitual, o regime por defeito, digamos assim. Mas nunca nos passou pela cabeça respeitá-lo.”

Rui, 49 anos, pai de Beatriz

Se este sistema pode ter trazido instabilidade em alguma altura da vida da filha, que hoje já tem 12 anos, Rui é peremptório: “Nunca houve o mais pequeno sinal de desajuste ou de dificuldade. Além da casa do pai e da casa da mãe, ainda tem a casa dos avós, paternos e maternos, que também vivem perto, e onde dorme de vez em quando. Portanto, não dorme em duas mas em quatro casas e é uma criança equilibrada, boa aluna, pratica ginástica (competição) e é super responsável. Nunca há stress nenhum para ela, mesmo que tenha de repente que ir dormir onde não era suposto…”

Quanto ao facto de andar sempre de mala feita, Rui desvaloriza: “Ela tem roupa e brinquedos nas duas casas, mas também pode levar de uma para a outra aquilo que quiser. Sempre foi assim. Desde pequena que decide livremente o que quer levar e trazer, mas não tem de andar com a casa às costas, nada disso!”

Pela sua experiência, Rui diz que concorda com a petição lançada pela Associação pela Igualdade Parental: “Sim, penso que este é o melhor sistema para as crianças e devia ser a regra, não a excepção.”

Tal como Rui e Patrícia, “muitos pais e mães optam pela residência alternada de forma informal, apesar de oficialmente estar homologado outro regime, seja pelos obstáculos que lhes foram colocados pelo sistema ou pelas mudanças nas suas próprias vidas e na vida da criança”, afirma Ricardo Simões.

Qual é, afinal, o superior interesse da criança?

Inúmeros investigadores têm procurado avaliar o impacto que as várias modalidades de guarda e residência, após um divórcio, podem ter no desenvolvimento e bem-estar das crianças. Malin Bergström, psicóloga, mediadora familiar e investigadora no Instituto Karolinska, em Estocolmo, realizou vários estudos ao longo das últimas décadas e todos apontam a mesma conclusão: os indicadores de saúde física e mental e os níveis de bem-estar das crianças filhas de pais divorciados que vivem em residência alternada são melhores do que os daquelas que vivem apenas com o pai ou com a mãe.E isto tanto para as crianças mais velhas e adolescentes, como para as crianças pequenas, entre os dois e os cinco anos. Na Suécia, mais de 40 por cento das crianças cujos pais se separaram dividem o tempo entre a casa da mãe e a casa do pai.

“Deve ter-se em conta que nas situações imediatamente após o divórcio/separação ambos os progenitores podem tender a exagerar o conflito, também muito pelo sistema judicial adversarial vigente. Os tribunais não devem tomar decisões com base nos conflitos atuais, que acabam por diminuir passados 12 a 24 meses.”

Ricardo Simões

Mas será que estes resultados também se aplicam quando não há entendimento entre os pais? “A ideia de que pai e mãe têm sempre de estar de acordo para haver residência alternada é um mito”, considera Ricardo Simões. “Mesmo quando não existe esse acordo, este é o modelo que melhor serve os interesses da criança, contribuindo mesmo para a diminuição do conflito”, afirma, apontando o trabalho de outra investigadora. A norte-americana Linda Nielsen revelou que as situações de conflito entre pais e mães diminuem em 40 por cento quando a opção é a residência alternada; mantém-se em 59 por cento dos casos e apenas em 1 por cento se regista um aumento da conflitualidade.

“Deve ter-se em conta que nas situações imediatamente após o divórcio/separação ambos os progenitores podem tender a exagerar o conflito, também muito pelo sistema judicial adversarial vigente”, acrescenta Ricardo Simões. Mas “os tribunais não devem tomar decisões com base nos conflitos atuais, que acabam por diminuir passados 12 a 24 meses”, considera.

“Eles sabem que nós falamos e isso é ótimo!”

Quando os pais decidiram separar-se, há nove anos, os irmãos Madalena, Zé Maria e Matilde tinham sete, cinco e quatro anos, respectivamente. Hoje são três adolescentes (de 16, 14 e 13), que continuam a viver sempre juntos mas em duas casas diferentes, em semanas alternadas. À segunda-feira à tarde mudam de uma para a outra. Nas férias tudo é menos rígido e podem estar duas semanas seguidas com o pai e depois outras duas com a mãe. A mudança não se deu sempre à segunda, mas a divisão do seu tempo entre pai e mãe foi um pressuposto constante. Ou seja, uma garantia, o que não é coisa pouca quando o mundo parece virar-se de pernas para o ar.

“Desde a nossa decisão pelo divórcio, houve logo acordo quanto à guarda partilhada e residência alternada. Era isso que ambos queríamos: que eles continuassem a ter o pai e a mãe por inteiro, mantendo-nos os dois responsáveis pela educação dos nossos filhos”, conta a mãe, Sandra Belo, 46 anos.

“Não quer dizer que tenha sido sempre fácil (não foi), mas hoje posso dizer que atingimos uma situação ideal”, considera. E porque houve momentos difíceis, Sandra defende que quando a residência alternada é estabelecida, “devia ser obrigatório pai e mãe terem apoio em sessões regulares de mediação familiar. Teria sido muito mais fácil com a participação uma terceira pessoa. Quando um casal se separa, as diferenças agudizam-se e há sentimentos, emoções, que interferem na gestão de tudo o que diz respeito aos filhos. Por vezes, essa gestão é muito difícil. Haver uma terceira pessoa, um profissional, teria, sem dúvida, facilitado em certos momentos. Porque a vida não é estática, os miúdos crescem, há novos dados sempre a surgir. E decisões a tomar”, explica.

“Sentirem que há contacto entre os dois mundos, que não são estanques, é muito importante. É inevitável que as crianças tentem aproveitar o afastamento, o facto de não haver contacto, senti isso em alguns momentos”

Sandra Belo, 46 anos, mãe de Madalena, Zé Maria e Matilde

“Sentirem que há contacto entre os dois mundos, que não são estanques, é muito importante. É inevitável que as crianças tentem aproveitar o afastamento, o facto de não haver contacto, senti isso em alguns momentos”, conta. “Mas agora que a comunicação é mais fácil entre nós, pais, podemos acertar estratégias. Eles sabem que “nós falamos” e isso é ótimo. Neste momento, há três adultos que cuidam deles em conjunto (incluindo a mulher do pai) e considero que isso é uma sorte, tanto para eles como para mim. Agora que a comunicação é aberta, fluída e franca, sinto que não estou sozinha, o que é muito bom”, conclui.

Mas houve um longo processo até se atingir este ponto. “No início, achava muito cómodo que a mudança de casa acontecesse no final de um dia de escola, pois isso permitia evitar o contacto entre nós, pais. Mas agora acho que isso não é o ideal, precisamente porque esse contacto é necessário”, reflete. “Houve também situações difíceis por exemplo em relação à roupa dos miúdos, porque não dávamos os dois a mesma importância ao assunto”, recorda. Hoje pensa que é preciso mais flexibilidade de ambos, em vez de intransigência: “Temos de aprender a confiar no outro. Mesmo que ele não faça como nós faríamos. Os adultos deviam ser capazes de trabalhar os seus medos e assim permitirem mais flexibilidade na gestão do dia-a-dia. Às vezes a sensação de impotência é enorme, mas é só uma sensação nossa…”

Sandra não é, contudo, defensora da residência alternada a qualquer custo: “Por princípio sim, mas pode haver momentos da vida em que seja mais tranquilizador para as crianças estarem mais tempo com um do que com outro. Durante estes anos, houve alturas em que senti isso, mas nunca o propus. Temos sempre medo de propor alterações quando se atingiu alguma estabilidade… Mas as vidas não são estáticas”, afirma. “Por isso, os regimes de residência também não deviam ser”.

“São miúdos muito autónomos, fazem a mala desde pequeninos, são super-responsáveis e sabem cuidar de si próprios. Ganham cedo muitas competências que normalmente só viriam mais tarde, mas não nego que seja duro. Depois, têm dois modelos diferentes, dois núcleos familiares dos quais fazem parte. Isso é enriquecedor, crescem com diversas formas de olhar para a vida”

Sandra Belo, 46 anos, mãe de Madalena, Zé Maria e Matilde

Seja qual for o acordo ou decisão judicial, Sandra considera que o mais importante é que “os adultos saibam o que querem e que estejam em paz. Se estiverem em paz, transmitem isso aos filhos e não é o facto de haver duas casas que vai provocar instabilidade. Estar em paz é não entrar em guerras para impor ao outro aquilo que nos parece melhor”, defende. Na sua opinião, ouvir as crianças é outro dos pontos importantes na procura do melhor para elas. Mas, também aí, o objectivo deve ser apenas esse e não aproveitar ou explorar potenciais fraquezas que existam do lado de lá. “Incentivei sempre os miúdos a expressarem o que não lhes parece bem, porque só eles é que têm a visão do conjunto. Só eles é que têm duas casas”, explica. “Mas, claro, nunca para pôr em causa o pai!”, sublinha.

Depois destes nove anos de semanas alternadas, Sandra considera que as crianças também têm ganhos: “São miúdos muito autónomos, fazem a mala desde pequeninos, são super-responsáveis e sabem cuidar de si próprios. Ganham cedo muitas competências que normalmente só viriam mais tarde, mas não nego que seja duro”, contrapõe. “Depois, têm dois modelos diferentes, dois núcleos familiares dos quais fazem parte. Isso é enriquecedor, crescem com diversas formas de olhar para a vida”, acrescenta.

Há um ano, Sandra mudou-se para uma casa mais próxima da do ex-marido, o que facilitou bastante o dia-a-dia de todos. Como já têm alguma autonomia conquistada pela idade, os filhos podem circular sozinhos entre as suas duas casas. Se se esqueceram de um livro ou de uns ténis ou se houve uma mudança de planos, tudo é facilitado por esta proximidade. Se é a semana do pai, mas em casa deste não há adultos à chegada da escola, pode acontecer que um dos filhos vá para a casa da mãe até à hora de jantar, por acordo de ambos em cima da hora. “Isto seria impensável há uns anos!”, afirma Sandra, parecendo ela própria ainda admirada por terem chegado a este estado de entendimento e de paz.

Uma Cabeça de Alfinete

  por estatuadesal

(Por Dieter Dillinger, in Facebook, 30/03/2018)

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Francisco Pinto Balsemão atira-se ao Facebook no seu Expresso e curiosamente antes de aparecer o Facebook, a sua SIC tinha uma espaço de debates na Net em que escrevi muito e havia muita luta entre os defensores dos diversos partidos e ideias políticas. Era tudo muito vivo e chegámos a criar amizades, reunindo em almoços no Parque Eduardo VII.

Muitas amizades perduraram até hoje apesar dos muitos anos que passaram e outras foram esquecidas, mas aquilo era uma espécie de Facebook que Balsemão a dada altura fechou.

Quando o PS estava no poder, agradava-lhe as críticas, mas no momento em que o PSD chegou ao poder fechou aquilo que podia ter crescido, não digo como o Facebook, mas a nível nacional e europeu poderia ter sentido, dado que a maior parte dos escribas até dominavam o inglês.

Balsemão ficou com um império meio falido do tamanho da cabeça de um alfinete na cidade de Lisboa quando comparado com o império de Zuckerberg, ou seja, o Facebook.

A pequenez nacional revela-se em muita coisa. Magistrados, políticos e, principalmente, jornalistas de todos os meios de comunicação não se dão bem com a LIBERDADE dos militantes dos partidos políticos.

Tanto a justiça como o jornalismo odeiam os outros partidos e a LIBERDADE.

Foi esse ódio à LIBERDDADE e IMPARCIALIDADE que está a levar o império de Balsemão à insignificância.

A comunicação social ou é livre ou vai à falência.

É uma questão de mercado, Xico Balsemão, o que interessa é estar em todos os mercados e não se limitar a um.

Se vendesses relógios ou automóveis podias estar em toda a parte, mas, mesmo assim, tinhas de colocar publicidade em todos os meios de comunicação.

Hoje, Balsemão, comprei o teu Expresso numa papelaria de uma senhora toda reacionária, mas que tem sempre o Avante bem à vista na porta de entrada com outros jornais de outras cores.

Ela precisa de todos os clientes e não quer saber se são do PSD, que parece ser o seu partido, ou do PCP, etc. Claro, nada põe do PS e do BE porque não há nenhum jornal afeto a estes partidos ou, pelo menos, suficientemente IMPARCIAL para tratar todos os partidos por igual com jornalistas que se interessam apenas pelos acontecimentos sem acusar governos ou partidos como faz hoje o teu Expresso que anda já a incendiar o próximo verão, convencendo os INCENDIÁRIOS de que o caminho está livre e podem espalhar a pólvora que já compraram nas empresas de pirotecnia.

Tu, Balsemão, não gostas de Portugal. Só gostas de ti, mas estás a falhar porque a SIC custa muito dinheiro para não ser imparcial, enquanto no Expresso ainda vais deixando algumas coisitas, e que para mim serve muito bem para saber o que pensam os INIMIGOS da PÁTRIA e poder criticá-los no Facebook.

Balsemão! Viva o FACEBOOK, onde posso dizer que não passas de uma cabeça de alfinete.

E VIVA PORTUGAL, tudo pela PÁTRIA.

CUIDADO COM OS RUSSOS

por estatuadesal

(In Blog O Jumento, 30/03/2018)

Vem-ai-os-Ruos-Vem-ai-os-Ruos

No imaginário ocidental os russos fazem o papel de lobo mau, passa-se a imagem de grunhos que passam a vida a encontrar meios de prejudicar o Ocidente, como se a história da Europa e, mais tarde, com a implantação do comunismo, todos os perigos do maravilhoso mundo Oriental viessem do leste.

Temos os bons e os maus que são os russos, armas atómicas boas e as más que são as russas, armas químicas boas e armas químicas más que são as russas, extremistas islâmicos bons e árabes maus que são os apoiados pela Rússia. Temos um Trump bom e um Putin mau. Até os fascistas são bons se forem ucranianos e quiserem fazer frente a Putin.

A Rússia ficou com a Crimeia onde a esmagadora maioria da população é russa, num território historicamente russo, mas ninguém diz que o que a Rússia fez na Crimeia não foi o mesmo que os EUA fizeram no Texas, uma província que era mexicana e onde os colonos invasores estavam em minoria? A Rússia tem nas suas fronteiras menos territórios conquistados pela força do que os EUA, onde se queixam de em muitas regiões nem ser necessário falar inglês, ignorando que a língua materna desses Estados antes da ocupação era o castelhano.

Não foram os russos que invadiram a França, mas sim Napoleão que tentou conquistar a Rússia. Não foi Stalin que tentou conquistar a Alemanha, mas sim Hitler que tentou ficar com a Rússia. Que se saiba a única vez que os ingleses foram à Rússia não foi para libertar aquele país, mas sim para tentar voltar a colocar o Czar no poder. Já o mesmo não se pode dizer dos russos: a primeira vez que invadiram a Europa Ocidental foi para a libertar e ajudar os ingleses a não serem derrotados pelos alemães.

É verdade que os russos invadiram o Afeganistão e o Ocidente apoiou os que se opuseram, foram apresentados como libertadores, os mesmos libertadores que uns anos depois mandaram abaixo as torres gémeas. Os mesmos que voltaram a ser considerados libertadores no Iraque e na Síria, até ao dia em que degolaram um jornalista americano e começaram a promover atentados no Ocidente. Mais uma vez a Rússia esteve do lado errado, protegendo patrimónios como Palmira e a vida de muitos cristãos, enquanto os americanos apoiaram novamente os seus “heróis”....

Boris Jhonson, Theresa May, Trump e até o nosso esganiçado do Rangel têm razão, esses russos são um perigo! Se o Trump ainda andasse a promover a sua virilidade pagando a atrizes pornográficas, a Theresa May andasse a fazer bolinhos e o Rangel se limitasse a ganhar umas massas em Estrasburgo o mundo estaria bem mais seguro.