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sábado, 7 de abril de 2018

A pluma de Costa

por estatuadesal

(Daniel Oliveira, In Expresso, 07/04/2018)

Daniel

Daniel Oliveira

O concurso para os apoios às estruturas de teatro só acontece de quatro em quatro anos. As coisas estão de tal forma no osso que quem fica de fora dificilmente sobrevive. É por isso que não podia falhar. Mas falhou estrondosamente. Falhou porque companhias, teatros e festivais foram postos no mesmo saco. Pode haver acumulação de funções e o apoio ser cumulativo. Mas são coisas diferentes que exigem apoios diferentes. Falhou porque grandes teatros geridos pelo Estado e por autarquias, com mais meios e influência, concorreram com pequeníssimos coletivos pelos mesmos recursos. Falhou porque o critério regional não teve qualquer peso. Falhou porque a bilheteira não foi considerada para os 33% de receitas próprias que eram exigidos, prejudicando quem depende mais de si mesmo. Falhou porque é possível um concorrente ter pontuação para ser elegível mas não receber o apoio. Falhou porque se exige um planeamento de programação a quatro anos, o que só pode resultar em exercícios de fantasia. A programação não é feita a quatro anos, logo as companhias não sabem por quem vão ser convidadas e os programadores não sabem quem vão convidar. É tudo a fazer de conta que a cultura se faz em planos quinquenais. Para perceber o absurdo deste concurso, que ainda por cima veio fora de prazo, basta olhar para os resultados: o histórico Teatro Experimental de Cascais, que também é uma escola, e as únicas estruturas profissionais de Évora e de Coimbra ficaram sem apoio.

Mas mesmo que o regulamento fosse irrepreensível e o júri excelente, falharia. É impossível garantir racionalidade nos critérios, diferenciação de apoios para realidades distintas e sobrevivência de projetos essenciais com o dinheiro disponível para este concurso. O Governo diz que é muito mais agora. Mas compara-se com 2013, quando em plena intervenção externa os apoios foram cortados para metade. Como não estamos em austeridade, é com 2009 que se tem de comparar. E apesar de nesse ano se terem atingindo mínimos históricos de apoio, este Governo ainda não chegou a esses valores. Porque os recursos para a cultura correspondem a apenas 0,2% do Orçamento do Estado. Temo-nos estado a afastar de 1%, objetivo definido pela UNESCO para países do primeiro e do terceiro mundo. Estivemos nos 0,6% no início do século e, com exceção de recuperações irrelevantes em 2005 e 2008, a cultura nunca parou de perder peso relativo no Orçamento. Foram tantos os cortes que se extingui o Observatório das Atividades Culturais e, por isso, os últimos números conhecidos são de 2012. Como António Costa sabe por experiência própria, se não fossem os municípios a compensar esta queda não havia cultura em Portugal.

António Costa promoveu um secretário de Estado a ministro e achou que estava tudo feito. Mas para a cultura e para a ciência, que qualquer Governo de esquerda teria como prioritárias, a troika continua por cá. Numa área onde um aumento substancial dos apoios teria efeitos marginais nos custos e brutais nos resultados, a morte da Cornucópia e o fracasso deste concurso são só os exemplos mais mediáticos de três anos vergonhosos.

Os ministros que Costa foi nomeando ao calhas não se conseguiram distinguir dos secretários de Estado de Passos Coelho. Infelizmente, a última vez que Costa pensou em política cultural foi quando fez uns telefonemas para abrilhantar a sua comissão de honra.

Coisas que dão vontade de rir ou talvez não

por estatuadesal

(Miguel Sousa Tavares, in Expresso, 07/04/2018)

mst

Miguel Sousa Tavares

1 Durante toda a semana, assistimos a um coro indignado de vozes autorizadas protestando contra o “isolamento” internacional em que Portugal se tinha colocado ao não alinhar a toque de caixa nas sanções convocadas por Theresa May contra a Rússia: em lugar de expulsarmos não sei quantos diplomatas russos de Lisboa, expondo-nos correspondentemente a deixar a nossa embaixada de Moscovo reduzida ao embaixador e ao porteiro, tínhamos apenas, para grande escândalo dos indignados “atlantistas”, respondido ao “crime” cometido por Putin em pleno solo inglês com a simples chamada para consultas do nosso embaixador em Moscovo. Porque, quanto aos factos, dúvidas não restavam que crime havia e que Putin era o seu mandante. E, perante os factos, nós abandonávamos o nosso mais velho aliado e bem sabido amigo, a nossa querida NATO a quem tanto devemos e os nossos amigos americanos, a cuja nossa/deles Base das Lajes devemos o apoio às guerras de Israel e à guerra do Iraque, antes de, infelizmente, se tornar obsoleta para eles e “bye, bye, portuguese friends, limpem o lixo que deixámos e arranjem lá outra ocupação para essa gente que nos serviu”.

Vontade de rir deu-me, por exemplo, ver como, por caminhos semelhantes e igualmente obstinados na cegueira, uma certa direita e uma certa esquerda chegaram a juízos opostos, porque nem uma nem outra se convenceram ainda de que o comunismo acabou mesmo na Rússia há quase 30 anos. E assim, enquanto víamos o PSD, mais cautelosamente, o CDS e, em tom categórico, toda a nomenclatura dos analistas de política externa (os mesmos que apoiaram a guerra do Iraque, de George W. Bush) exaltarem-se com a “falta de firmeza” e “solidariedade” do MNE para com os nossos “aliados”, víamos o PCP apoiá-lo, ainda nostálgico dos bons velhos tempos da URSS. Uns e outros em pleno espírito da Guerra Fria, que é o tipo de raciocínio que dispensa um pequeno esforço para tentar compreender o mundo tal como ele é hoje e que justifica as tais ridículas votações na Assembleia da República ao meio-dia de sexta-feira, de que bem fala o deputado Sérgio Sousa Pinto — onde, ao sabor dos dogmas partidários dos anos 70, o mundo inteiro é condenando em duas penadas antes de os deputados partirem de fim-de-semana.

Vontade de rir deu-me a leitura da entrevista dada ao “Diário de Notícias” pelo embaixador Martins da Cruz, criticando também a brandura do MNE e insurgindo-se contra os “treinadores de bancada” da política externa — ele, que é um expert na matéria, como tal ciclicamente consultado por certos jornalistas. Recordemos: o embaixador Martins da Cruz serviu dez anos como valet parking dos ilustres visitantes do primeiro-ministro Cavaco Silva, sendo compensado com as correspondentes condecorações dos países de origem de cada um dos ilustres visitantes e depois com o lugar de embaixador em Madrid. Daí saltou para MNE no Governo de Durão Barroso, durante um escasso ano e meio. Foi dos mais breves, ineptos e mal lembrados no cargo, visto que a ele e ao seu chefe se deve o maior embuste, a maior mentira e o maior acto de servilismo em que a política externa portuguesa alguma vez se viu envolvida: a Cimeira das Lajes, em que Portugal serviu como empregado de mesa do jantar preparatório da guerra do Iraque. Com tal condecoração na lapela, o melhor que Martins da Cruz teria a fazer agora era não cair duas vezes no mesmo embuste de acreditar nos queridos aliados antes de ver provas concludentes. Mas talvez tenha sido mais forte o terror de ver alguém de fora da carreira, como Santos Silva, acertar onde ele tinha falhado e mostrar que a política externa é um pouco mais do que a diplomacia do croquete.

Pois, a verdade é que tudo indica que Santos Silva — que tem gerido o MNE de forma absolutamente inatacável, sem ponta de arrogância, pesporrência ou precipitação, como tantos dos seus antecessores — mais uma vez acertou. Os ingleses, afinal, não conseguem provar que foram os russos que tentaram matar Skripal, e Theresa May já teve de reconhecer que ou foram eles ou outros em cujas mãos foi parar o gás venenoso. Mas também não conseguem apresentar uma razão plausível para, sendo verdade que os russos o quisessem matar, escolhessem um meio tão complicado e que deixava impressões digitais tão evidentes apontando para eles, em vez de outro meio bem mais simples e eficaz. E, sobretudo, não conseguem explicar qual o interesse de Putin no assassínio de um agente que tinha trocado por outros, nas vésperas das eleições russas e a meses do Mundial de Futebol da Rússia. Já, se quisermos ser desconfiados por igual, o contrário é bem mais evidente: o interesse de May em abafar o escândalo do Facebook/Cambridge Analytica, que pode ter falseado o resultado do referendo do ‘Brexit’ e colocado no poder o gabinete dela, e desviar as atenções internas do mau resultado obtido até aqui nas negociações com Bruxelas sobre as condições para o ‘Brexit’.

Provavelmente, nunca saberemos a verdade toda. Mas aquela que foi rapidamente vendida como a verdade oficial e inquestionável e que gerou tanta histeria solidária, desde o Báltico até à sede do PSD, essa já sabemos que foi uma verdade mal contada. Até Boris Johnson já anda a apagar o que escreveu no Twitter.

2 Se for tão cínico para não estar preocupado com tudo isto, Vladimir Putin deve estar a rir-se à grande. Enquanto se reunia com os Presidentes do Irão e da Turquia para juntos partilharem os despojos da Síria e o destino dos curdos, outrora aliados dos americanos na guerra contra o Daesh, a Europa ocupava-se da expulsão dos diplomatas, e Trump mobilizava as Forças Armadas para a fronteira sul dos Estados Unidos. Para quê? Para deter uma invasão iminente, escreveu ele. De quem? De uma coluna de mil hondurenhos, dos quais 800 mulheres e crianças, numa marcha simbólica a pé até à fronteira do México, repetida há vários anos e chamada Povos Sem Terra. O novo inimigo.

3 Andamos a discutir se subiu a carga fiscal ou apenas a receita fiscal, se subiu a receita ou se subiram os impostos. Se pode descer o IRC ou o IRS. Se o chamado “imposto Mortágua” era uma emergência ou se é eterno (adivinhem a resposta...), se há mais €1 milhão ou €1,5 milhões para a Cultura, menos duas décimas no défice ou mais €1000 milhões para a Saúde, e por aí fora. E, depois de tudo espremido, tudo discutido, tudo reivindicado e tudo sacado aos contribuintes, quando julgamos poder enfim respirar fundo, eis que no mês de Março de cada ano uns senhores vestidos elegantemente sentam-se numa mesa com um ar de quem vai marcar um golo à Cristiano Ronaldo e anunciam que, afinal, há mais umas coisinhas para pagar. Umas centenas ou milhares de milhões de “imparidades” na banca que, ou é nossa ou é de estrangeiros, mas as responsabilidades negativas são nossas.

Chega, basta! Quando é que isto acaba? Com os nossos filhos, com os nossos netos? €17 mil milhões depois, qual é a perspectiva de isto um dia ter fim? É só isso que eu peço: dêem-nos uma perspectiva. Arranjem um grupo de trabalho, uma entidade de missão, uma dessas coisas com nome prometedor, que nos diga quando e por quanto é que isto tem fim. E que o Governo, este e os seguintes, se comprometam solenemente a acabar nessa data e por esse preço com esta hemorragia insustentável.

4 A verba de €12.500 resultante da multa administrativa que foi aplicada à Celtejo/Altri/Cofina por aquele espectáculo vergonhoso e terceiro-mundista da poluição do Tejo, na zona de Abrantes, deve ter sido cerca de um centésimo daquilo que custou ao Ministério do Ambiente limpar a porcaria que aqueles senhores fizeram. Sem falar nos prejuízos causados a pescadores, restaurantes e a todos os que vivem da economia do rio. Mas para a empresa, habituada à impunidade, a multa foi exagerada: a culpa, ao que parece, não foi deles mas do Tejo, que tinha água a menos. E o tribunal, a quem recorreram, deu-lhes razão: €12.500 para uma empresa que apresentou, se não estou em erro, cerca de €100 milhões de lucro em 2017, é um exagero. Toma lá só uma repreensãozinha por escrito. Estão a gozar connosco? Estão — quer a lei quer o juiz? Pena é que o Ministério do Ambiente em lugar de mudar as lamas da Celtejo para um terreno em área protegida (mais uma ironia!), não as mude para o quintal do juiz.


Miguel Sousa Tavares escreve de acordo com a antiga ortografia

LEVANTA-TE BRASIL!

por estatuadesal

(Joaquim Vassalo Abreu, 07/04/2018)

brasil

Nota: Eu dedico este texto à minha Família Brasileira, dois Tios, Quatro Primas direitas e demais colaterais que, quer concordem ou não comigo, são uma real parte da minha preocupação e, como Brasileiros, fazem parte do meu imaginário desse enorme País!


Um País de Futuro” segundo a óptica de Stefan Zwieig que, ainda antes dos meados do século passado, assim o descreveu num livro que eu comprei e li, e penso estar algures pela minha biblioteca, a menos que o tenha doado ou ofertado ou, coisa não rara, esteja pendurado em qualquer prateleira de casa diversa mas para o qual, neste momento, não auguro bom futuro! …

E causa-me pena, muita dor e muito sofrimento íntimo tudo o que hoje se passa no Brasil e que eu não consigo, a bem da minha consciência, dissociar do que se passa na Europa e em todo o Mundo: uma imensa e impiedosa afronta de tudo quanto é poderoso contra tudo o que quer erguer a sua voz, reclamar dos seus direitos mais básicos, como o da cidadania e do direito a viver condignamente trabalhando e que se manifesta, noutro quadrante, na eliminação rasteira de todos os que politicamente a isso se oponham e manifestem, agindo, a sua discordância.

Desde já afirmo que eu não desculpo qualquer corrupção, seja ela de pequena ou grande dimensão, como não julgo a Justiça isenta e independente. Mas pergunto: neste “sistema” a que o mundo chegou e em que vivemos, alguém ocupando cargos de poder ou influência, pode levantar a mão e dizer: eu não? Ou, sendo eu poder, mesmo que local, municipal, fiscal, social etc….dizer: eu nunca pequei?

As pressões a alto nível são de tal forma violentas, ferozes e inultrapassáveis que, perante aquilo que desejamos legislar para bem comum, sendo confrontados por poderes imensos, plenos de ameaças e contraposições, organizados e corporativos, nada mais resta que negociar…e entrar no jogo! É quase impossível resistir, mesmo mantendo o essencial decoro. Todos sabemos, mesmo não aceitando como princípio…

Mas neste Brasil Brasileiro, este País imenso e pleno de contradições, houve sempre e sempre na sua quase curta história pessoas que, perante a sua deriva, sempre contra isso lutaram e muitos e muitos até a sua vida deram.

E agora os convoco! Para que se LEVANTEM! Para que voltem à luta! Por aqueles por quem sempre lutaram e que, agora, se sentem saudosos e prenhes da sua Luta e inconscientemente incapazes de resistir por não verem autênticos lideres:

LEVANTA-TE Luis Carlos Prestes, tu que deste o teu nome a tanta criançada a aos seus Pais grávidos de esperança e forma outra cavalgaria da Esperança! Retoma as rédeas do teu cavalo e vai, Brasil a dentro, levar a palavra da Esperança! LEVANTA-TE Marighela, LEVANTA-TE Marinella, tu que tão cedo te foste, LEVANTA-TE Zumbi dos Palmares!

LEVANTA-TE Chico Mendes e LEVANTEM-SE todos aqueles que pereceram pelo direito a ter um palmo de terra, naquela imensidão de terra em que um pequeno bocado era a única maneira de se ser LIVRE!

LEVANTA-TE João Cabral de Melo Neto e compõe outra “ Morte e Vida Severina! LEVANTA-TE Jorge Amado e convoca todos os teus heróis incógnitos e refaz os teus “Subterrâneos da Liberdade”.

E LEVANTA-TE Oscar Niemeyer e fala, diz, relata a tua vida e como, sendo-se rico, se pode estar sempre e sempre do lado do Pobre!

E recorda o que foi a perseguição e o massacre contínuo, nomeadamente aos grandes heróis da luta contra a ditadura, particularmente do PCB cujos alguns aqui recordo e que veementemente solicito que se LEVANTEM: Mariano Grabois, João Amazonas, Renato Rebelo, Chico Passeata, Mário Lago (que chegamos a ver em Novelas), Diógenes Arruda, Neide Alves Santos, Astrogildo Pascoal Viana. Milton Pinheiro, Severino Elias de Melo, José Pomar, Elson Costa, Nestor Veras ( do MST) e tantos e tantos outros que deram a vida por um Brasil melhor e mais igualitário…

LEVANTEM-SE e voltem à luta por que os tempos urgem e são perigosos. É preciso que de LEVANTEM  e voltem! E voltem para dar alento a esta sociedade manietada e sem vislumbre de futuro..

E LEVANTEM-SE MULHERES do Brasil! E olhem nos exemplos de DANDARA, a esposa de Zumbi dos Palmares, de Leila Diniz, de Anita Garibaldi, sim Garibaldi, de Nísia Floresta, de Leolinda Dantron e tantas e tantas outras e na vítima de tudo isto, como Mulher: DILMA ROUSSEFF, velha guerrilheira pela democracia e igualdade a quem isso não perdoaram…

Mas também em outras presentes, e estas LEVANTAM-SE sim, mas precisam de mais bocas, de mais ombros e de mais braços, como Jandira Feghali ou Luciana Santos

E LEVANTEM-SE os Nordestinos sem destinos, os Favelados sem ensinos, os Descamisados sem caminhos, os Vagabundos sem tino, os Seringueiros abandonados, as Crianças de rua estrupadas, as Mulheres de rua resignadas, os Pedintes sem eira nem beira, as Mulheres cansadas de tanta canseira, os Bêbados cachaceiros de tanta asneira, os da borracha sem borracha, os Sem Terra vendo tanta, o Boiadeiro perdido na manada, o Cangaceiro escondido na tocaia, tanto Menino perdido, tanto e tanto para nada…

LEVANTA-TE Brasil e vem ver este teu Brasil desesperançado, metralhado, judicializado, possuído e ostracizado. Quem? Tu, tu Brasil, as tuas gentes, todas essas que eu falei! Abandonadas à sua sorte e ao mando dos poderosos, que exercem a malvadez de dizerem que, vos dando emprego, são coisa sua!

As terras infinitas, as águas benditas, as florestas tão ricas, todo aquele gado marcado sob o ferro do seu dono, os imensos cafetais, de quem são? Deles, uns quantos, donos de tudo e também de vocês!

LEVANTEM-SE e venham ver o vosso Brasil violento, mas sedento do amanhã! Aquele que esbraceja e não esmorece e que se levanta sem dormir..

LEVANTA-TE e vem ver! E acusa todos esse esbirros, sanguessugas e assassinos, enlaçados e engravatados, muito bem penteados, te ternos bem azulados, mas enlameados…

LEVANTA-TE BRASIL!

Os golpistas não terão a última palavra

por estatuadesal

(José Soeiro, in Expresso Diário, 06/04/2018)

soeiro

José Soeiro

A sequência de acontecimentos é macabra, e é já difícil retomar o fio da história. Começou com o golpe e com a destituição da Presidenta eleita, para substituí-la por um gang de corruptos. Depois, instalou-se uma imparável espiral de regressão social e autoritarismo político, de violência contra os pobres, os negros as mulheres. Menos democracia, menos justiça social, mais corrupção. Um ataque sistemático aos direitos humanos, militarização de zonas das cidades brasileiras. Ataques de milícias fascistas aos partidos de esquerda. Assassinatos políticos como o de Marielle Franco, no Rio de Janeiro. Agora, como parte da farsa obscena montada pelas elites políticas servindo-se do poder judicial, a perseguição a Lula, o candidato preferido de todas as sondagens, que ameaçou interromper o golpe através do voto popular.

  • mandado de prisão de Lula, depois de um polémico julgamento onde não houve provas mas abundaram irregularidades, surge na sequência de uma reunião do Supremo Tribunal que foi precedida por uma ameaça velada de golpe militar, feita pelo responsável máximo do Exército. O objetivo é claro: instalar o medo e evitar que Lula participe nas eleições que provavelmente ganharia.

Lula tem alguma responsabilidade naquilo de que o acusam? Não sei eu nem sabe ninguém, porque até agora não houve nenhuma prova material apresentada. E é por isso que esta operação judicial escancarada é um ato político e não é isolado. É um gesto de vingança contra um país onde os pobres, os negros, as mulheres, as favelados, os gays, os trans, os que nunca tiveram nada, tinham começado (e apenas começado) a falar, a existir, a olhar de igual para a igual.

Não se trata, no momento, de saber o que cada um pensa dos mandatos do PT, das alianças espúrias que fez com os representantes de interesses poderosos (dos patrões do agronegócio aos evangélicos conservadores), dos tiros no pé que deu, dos esquemas que alimentou. Neste momento, a etapa é outra e é nova. Há no Brasil um neofascismo com expressão popular, que faz do anti-petismo o seu mantra, tem as suas redes de comunicação, os seus candidatos, os seus militares, as suas milícias, que não se inibe de recorrer à violência política pura e dura, que tem saudades da ditadura militar – e que tem feito os seus mortos. Contra ele, há um campo que se organiza para resistir ao duríssimo golpe que foi ontem dado contra a democracia, contra a Constituição, contra as vozes que podem pôr em causa o sinistro processo iniciado com o impeachment. Nesse campo, cabem muitos, mais críticos ou menos críticos do ex-presidente. Cabem, na verdade, todos os democratas.

Tenho no Brasil alguns amigos. Um deles, de quem me sinto próximo como um irmão à distância, depois do choque e da tristeza com o novo golpe de ontem, dizia hoje sentir em si “uma certa alegria”. Porquê? É que hoje já foi dia de luta. “Hoje não vamos aceitar calados. Hoje já não jogaremos mais o jogo imposto pelo inimigo. Hoje, quem sabe, começa um novo dia”. Oxalá que comece, Julian. Há um Brasil imenso de dignidade e de justiça que se ergue e que, neste momento, já está na rua. Há um Brasil imenso que sabe que os golpistas não têm, não terão, a última palavra. É com esse Brasil que, cá e lá, está a minha cabeça e o meu coração.

Lula

Novo artigo em Aventar

por j. manuel cordeiro

Ilustração: Kleber Sales/Estadão

Pouco percebo de política brasileira, pelo que me limito a citar duas evidências e a tirar uma ilação.

Parece que Lula foi condenado por corrupção devido a um apartamento no valor de cerca de 2.2 milhões de reais (531 mil euros). Por outro lado, Temer foi formalmente acusado pela Procuradoria-geral da República em Junho, tendo, no entanto, escapado ao julgamento devido à Câmara dos Deputados não o ter autorizado. Apesar das provas claras.

Dilma afirmou ontem que Lula estava a ser alvo de "perseguição política". Penso que a declaração não é exacta. O ex-presidente do Brasil está a ser objecto de excepção política, num país onde a corrupção é lei. Concluo que a justiça é um instrumento político no Brasil, muito ao contrário do título sonante da Folha de S. Paulo, "Julgamento de Lula mostra que ninguém está acima da lei, diz jornal britânico".