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sábado, 28 de abril de 2018

Pela recuperação do tempo de serviço docente – Iniciativa Legislativa de Cidadãos

Novo artigo em Aventar


por António Fernando Nabais

Todos os cidadãos maiores de idade que considerarem que não repor o tempo de serviço dos professores é um injustiça devem assinar a Iniciativa Legislativa de Cidadãos para Recuperar Todo o Tempo de Serviço Docente. Os que forem de opinião contrária também podem assinar.

São necessárias 20 000 assinaturas para que a proposta seja obrigatoriamente discutida na Assembleia da República. Esta iniciativa foi lançada há cerca de dez dias e o seu conteúdo é muito simples:

  • Um artigo para revogar a suspensão/anulação de contagem, bem como a produção de efeitos e contagem do tempo de serviço prestado, na sua integralidade.
  • Uma parte desse artigo deverá impedir que a existência de vagas ou menções mínimas de avaliação em alguns escalões possa perturbar os efeitos plenos da contagem integral.
  • Uma norma revogatória, para deixar claro e de forma indiscutível, que as normas que suspenderam a contagem ficam efectivamente revogadas (não faria falta, mas é só para vincar o ponto).
  • Uma norma para definir a entrada em vigor com duas vertentes: os professores e educadores são colocados no escalão na data a que têm direito, mas por razões legais gerais, só são pagos a partir do dia 1 de Janeiro de 2019. Este ponto é importante porque se a lei tivesse efeitos orçamentais em 2018 não poderia ser apresentada e admitida.

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Ladrões de Bicicletas


Logros

Posted: 28 Apr 2018 02:19 AM PDT

Vem esta citação do livro de Yanis Varoufakis Comportem-se como adultos, a propósito de tantos portugueses que contribuíram para o maior logro da História económica dos últimos tempos.
Entre eles, gostava de salientar três sociais-democratas - Cavaco Silva, Jorge Braga de Macedo e Vítor Gaspar - e dois socialistas cujos sorrisos nos deviam fazer pensar: de Vítor Constâncio, numa altura em que sai de cena do BCE, e de Mário Centeno, quando entra em cena no eurogrupo.

"A maioria dos europeus gosta de pensar que a falidocracia americana é pior do que a sua homóloga europeia, graças ao poder de Wall Street e à infame porta giratória entre os bancos dos Estados Unidos e o governo daqule país. Estão redondamente enganados. Os bancos da Europa foram geridos de forma tão atroz nos anos que antecederam 2008 que os bancos inanes de Wall Street quase ficam bem na fotografia em comparação. Quando a crise rebentou, os bancos de França, Alemanha, Holanda e Reino Unido tinham uma exposição de mais de 30 biliões de dólares, mais do dobro do produto nacional dos Estados Unidos, oito vezes o produto nacional da Alemanha e quase três vezes os produtos nacionais do Reino Unido, Alemanha, França e Holanda somados. Uma falência grega em 2010 teria exigido, de imediato, um resgate dos bancos pelos governos alemão, francês, holandês e britânico no valor aproximado de dez mil dólares por criança, mulher e homem que vivesse naqueles quatro países. Em comparação, um revés de mercado semelhante contra Wall Street teria exigido um resgate relativamente diminuto: não mais de 258 dólares por cidadão americano. Se Wall Street mereceu a ira do povo americano, os bancos da Europa mereciam 38,8 vezes essa ira."
"Mas não é tudo. Washington podia empurrar os activos tóxicos de Wall Street para os livros da Reserva Federal e deixá-los ali até recomeçarem a ter bom desempenho ou serem eventualmente esquecidos, para que os descobrissem os arqueólogos do futuro. De uma forma simples, os americanos não precisavam sequer de pagar os relativamente magros 258 dólares por cabeça com os seus impostos. Já na Europa, onde os países como a França e a Grécia abdicaram dos seus bancos centrais em 2000 e o BCE estava proibido de absorver dívidas más, o dinheiro necessário para resgatar bancos tinha de ser buscado aos cidadãos. Se alguma vez se interrogar porque é que o regime europeu se empenha mais na austeridade do que o americano ou o japonês, eis a razão. O BCE não tem autorização para enterrar os pecados dos bancos nos seus próprios livros, o que significa que os governos europeus não têm outra opção senão financiar resgates bancários através de cortes de benefícios e aumentos de impostos."  


Por outras palavras: a austeridade é o mecanismo que a doutrina liberal e o edifício da moeda única europeia encontraram para poder evitar que os accionistas dos bancos paguem as suas dívidas ou simplesmente paguem pelos erros dos seus actos de gestão, transferindo-as para aqueles que eles tanto gostam de designar por consumidores e contribuintes, mas que são, na verdade, pessoas, com as suas vidas e as suas famílias. Tudo sob um lema tristemente ingénuo ou cúmplice que já ouvimos tanto entre nós: Devemos honrar as nossas dívidas.

"Quando os bancos franceses enfrentaram a morte certa, que escolha lhe restava" - a Christine Lagarde - "enquanto ministra das Finanças francesa, com os seus colegas europeus e do FMI, senão fazer o que fosse preciso para os salvar - mesmo que isso implicasse mentir a 19 parlamentos europeus ao mesmo tempo sobre o objectivo dos empréstimos gregos?" 

O nosso resgate - aquele que aumentou consideravelmente a nossa dívida pública, a ponto de Centeno ficar agora tão feliz por descer um pouco o montante de juros a pagar e de condicionar o investimento público a essa descida - foi verdadeiramente um resgate aos bancos europeus pagos pelos cidadãos mais pobres da Europa.
Diri-se-á: Mas agora não há altenativa agora e convém ser agora prudente. Talvez. E mesmo isso conviria ser melhor discutido. Mas havia uma coisa que era importante fazer: nunca estar sentado a presidir ao grupo de personalidades que são o guardião daquele histórico logro.  

Agitar o fantasma da imigração num país em declínio

Posted: 27 Apr 2018 06:24 PM PDT

Pela terceira vez consecutiva, e reforçando o resultado em eleições muito participadas, Orbán venceu as legislativas da Hungria no início de abril. O registo xenófobo e anti-imigração, entre as críticas à União Europeia e os ataques às ONG, foi decisivo para a vitória. Aliás, no seu primeiro discurso, Orbán refere que «os húngaros escolheram a imigração como a sua grande preocupação», afirmando-se por isso determinado a apertar o cerco às organizações não-governamentais que trabalham com imigrantes.
Sucede porém que a Hungria é um dos melhores exemplos do paradoxo, que assinalámos aqui, de serem países com menor peso relativo de população estrangeira a registar uma maior rejeição de políticas de apoio a imigrantes e refugiados. De facto, com apenas 1,5% de estrangeiros em 2017 (cerca de 7,6% na UE), o país exibe o segundo valor mais baixo de concordância com políticas de apoio a refugiados (29%), tendo apenas atrás de si a República Checa (27%), num quadro em que a média na UE28 ronda os 67%. E quando se constata estarmos perante um país com perdas consecutivas de população (-4% face a 2000), em contraciclo com a União Europeia, a adesão à xenofobia pelo eleitorado húngaro torna-se ainda mais estranha.

De acordo com Endre Sik, do Instituto Tárki, que monitoriza a situação na Hungria desde 1992, a xenofobia começa a ganhar expressão a partir de 2010, evoluindo desde então de forma imparável. O agitar do fantasma da insegurança pela extrema-direita (associando-o às vagas de refugiados que chegam à Europa), é mais recente, juntando-se aos argumentos da ameaça de islamização, perda de identidade e do desemprego. Contudo, também aqui o argumento não colhe. A Hungria tem uma taxa de desemprego pouco expressiva e uma muito reduzida de participação de estrangeiros, vindos de fora da UE28, no seu mercado de trabalho (cerca de 0,2% em 2017, que comparam com uma média europeia a rondar os 4,0%).

Mas tudo tem o seu revés. A infundada campanha de perseguição e ódio, adotada pelos governos de Viktor Orbán, e alimentada por uma comunicação social cada vez menos independente, está a desencadear fluxos migratórios muito significativos, estimando-se que tenham saído recentemente do país cerca de 500 mil húngaros. A atmosfera de desumanidade, desconfiança e medo, que a mentira e a propaganda permitem criar, tem sempre um preço.

Confirmação

Posted: 27 Apr 2018 04:29 PM PDT

Entrevista de Varoufakis ao Público

Bem sei que Cavaco Silva já não mora cá.
Vê-lo no camarote na sessão solene de comemoração do 25 de Abril, quase atrás do reposteiro e com a boca naquela forma de anti-smile revela o quanto ele esteve arredado de tanta coisa, e ao mesmo tempo tão cúmplice do estado a que chegámos hoje vindos desde os anos 80, sempre alinhados com o sistema centrado no marco alemão. Mas isto não deveria passar incólume.
O ex-ministro grego das Finanças Yanis Varoufakis disse por diversas vezes e também na recente entrevista ao Público - ainda sem desmentido - que Cavaco Silva não quis dar posse ao governo de António Costa e que só lhe deu porque Merkel autorizou.
Se não o desmente, convém que o repitamos muitas vezes.
Cavaco pediu autorização a Merkel para dar posse a um governo apoiado pela esquerda. Cavaco pediu autorização a Merkel para dar posse a um governo apoiado pela esquerda. Cavaco pediu autorização a Merkel para dar posse a um governo apoiado pela esquerda. Cavaco pediu autorização a Merkel para dar posse a um governo apoiado pela esquerda. Cavaco pediu autorização a Merkel para dar posse a um governo apoiado pela esquerda. Etc., Etc.

Desemprego recorde no Brasil

Novo artigo em Aventar


por Sotero

O IBGE divulgou nessa sexta-feira, 27, novos dados sobre situação dos desempregados no Brasil. O resultado é o novo recorde de número de desempregados.

O número de desempregados no país aumentou em 1,379 milhão de pessoas, o que representa uma alta de 11,2%. Temos quase 14 milhões de pessoas desempregadas. Ainda segundão o IBGE, o número de desocupados é o maior desde julho, quando também ficou em 90,6.

A velha forma de governar da direita golpista brasileira: pobreza, miséria, desemprego parabéns aos envolvidos.

O perigo iminente da dividendocracia

por estatuadesal

(Francisco Louçã, in Expresso, 28/04/2018)

LOUCA3

Agora os números confirmam o meu receio, que quem lê esta coluna já conhece e me pode ter levado a mal. Parece que se chama a isto racio­nalidade, a que alguns meios científicos atribuem mesmo poderes divinatórios e omniscientes. Então, a fábula ia assim: as administrações das empresas, escolhidas e reeleitas pela assembleia geral, usam o seu melhor critério e a sua mais racional informação para a decisão mais estratégica, a que orienta o pagamento de dividendos aos acionistas, e a soma de todas essas decisões em mercado livre e com agentes motivados pelo seu benefício próprio conduz à felicidade geral. Em Portugal, isso quer dizer este ano que, tendo o produto de toda a economia aumentado 2,5%, os dividendos nas principais empresas aumentam em 20%, para mais de dois mil milhões de euros.

Dizem alguns analistas que este bodo aos acionistas exprime o receio de uma recuperação lenta e mais vale pássaro na mão do que a voar. Ingenuidade. Esta utilização dos lucros das empresas representa antes uma escolha social em prejuízo do investimento. Se os dividendos esgotam ou até superam os resultados, as empresas são forçadas a reduzir as suas reservas para os pagarem e, se querem investir, terão de o fazer recorrendo a dívida, uma das maleitas da economia portuguesa. Pouco capital próprio é a consequência de excesso de dividendos generosos. Muita dívida e custos financeiros vulneráveis é a consequência da consequência.

Este retrato é cristalino no caso do PSI20. Algumas destas empresas reduziram os resultados e aumentaram os dividendos: é o caso da Jerónimo Martins, que entrega todo o seu lucro aos acionistas, como a Novabase ou a F. Ramada. Há empresas que pagam dividendos mesmo com prejuízos, como a Sonae Capital. Outras que pagam mais em dividendos do que o que obtiveram em lucros, como os CTT ou a NOS. Outras que pagam três quartos dos lucros (Galp), dois terços (Altri), metade (Sonae SGPS e Sonaecom) ou um terço (Amorim, que tem menos lucros do que no ano anterior, mas paga mais dividendos), tudo segundo uma investigação do “Jornal de Negócios”.

Há uma interpretação simplista que diz que os administradores se limitam deste modo a melhorar as suas possibilidades de serem reeleitos, levando à assembleia geral propostas agradáveis para os acionistas. Pode ser. Mas estamos no tempo em que as empresas cultivam a imagem de inovação, em que o Governo elogia o investimento, em que os programas de financiamento favorecem a criação de capacidade produtiva e mesmo do emprego.

Assim, ao contrário, estes números demonstram mais do que uma operação de sedução, indicam a visão de uma economia extrativa, em que a empresa é uma mina, o trabalho é um filão e o investimento é um direito passado a uma renda futura. Com este PSI20, Portugal não precisa de inimigos.


O teu crápula é pior do que o meu

Escreveu Paulo Rangel um mapa da União Europeia para acusar os socialistas de conviverem com gente de muito má catadura. Atento, não esconde os factos, a começar por aqueles que poluem a reunião do seu próprio grupo no Parlamento de Estrasburgo: a Hungria do seu colega de partido europeu, Viktor Orban (na foto), é um susto e, acrescenta, a Polónia, com um governo de extrema-direita, está numa situação “muito alarmante” (“Público”, 24 abril). Mas o que lhe interessa é mostrar que alguns dos que criticam estes parentescos têm esqueletos no armário, ou seja, que têm razão, mas não têm autoridade. É uma forma curiosa de ver as coisas.

Regista Rangel que, dos seis governos liderados por gente do Partido Socialista Europeu, três estão a contas com suspeitas, ou acusações, ou mesmo condenações por malfeitorias várias e não ligeiras. São eles os governos de Malta, da Roménia e da Eslováquia. O assassínio de jornalistas ou os ataques à independência do poder judiciário conduzem a uma situação em que “a liberdade de imprensa está sequestrada numa teia nebulosa de conexões a organizações criminais e mafiosas”, ainda segundo o eurodeputado do PSD. Poderia dizer mais. Poderia ter lembrado que, quando os levantamentos das primaveras árabes derrubaram os governos ditatoriais da Tunísia e do Egito, os partidos que se encontravam no poder eram da Internacional Socia­lista. Mas talvez baste a atualidade imediata.

Ora, o argumento é ao mesmo tempo preocupante e cândido. Preocupante será, porque se refere a ministros demitidos, a investigações em curso, a acusações fortes, atuações violentas destes governos. Mas serve candidamente para um propósito, afirmar que “o problema é muito mais profundo e muito mais complexo do que a simples ‘diabolização’ de Viktor Orban”, o que soa a algum relativismo. É de lembrar que Orban era o discípulo preferido de Kohl, o poderoso chanceler alemão, e chegou ao poder com proteção e pergaminhos.

O autor explica depois o que pensa, que este diabolismo partilhado entre o seu companheiro de partido e os tais socialistas se radica em atitudes e culturas comuns de violência antidemocrática, por exemplo contra os refugiados, que exprimiriam uma “fissura entre o Ocidente e o Leste europeu”. É então a geografia e a história que os condena e irmana, o que de algum modo alivia a parceria que uns e outros, direita e socialistas, estabelecem com tais personagens, que aceitariam resignados. O teu crápula é pior do que o meu, que também não é grande coisa, mas cá vamos vivendo.

A teoria tem encanto mas não é suficiente para explicar a realidade. De facto, a Áustria não está no Leste europeu e foi onde um partido da direita clássica se aliou a um partido de extrema-direita. E a União Europeia não é determinada pelo Leste europeu nem pelos extravagantes socialistas suspeitos de mafiosos e, apesar disso, foram os mais garbosos dos democratas ocidentais que assinaram o acordo com a Turquia, pagando-lhe para reter os refugiados. O problema talvez esteja também na democracia liberal, mesmo em Bruxelas e Berlim, a ver bem as coisas.


A visita do ministro que diz que nos salvou

Yanis Varoufakis é um personagem simpático. É uma vítima, é bom não o esquecer: no seu curto ministério, tentou evitar que a Grécia caísse no abismo da dívida. As lições que concluiu desse episódio são instrutivas, por vezes mesmo divertidas, como a descrição das reuniões com Schauble. É certo que não quis preparar alternativas: o seu plano B era uma charada sem medidas concretas e não quis ouvir ninguém nem fazer nada até ser tarde demais. Mas aprendeu com esse tormento. A experiência demonstrou-lhe, como explicou em Lisboa, que é impossível que o euro continue igual, mesmo que pense que o seu fim nos remeteria para a véspera da guerra como nos anos 30.

Não é muito claro o que deduz desse trapézio de impossibilidades. Esta dupla negativa levou a uma macronização acelerada de alguns varoufakistas, deslumbrados com esse novo Napoleão que intimou os diferentes países a realizarem até junho deste ano uma convenção, para se alinharem com as suas esplendorosas ideias. Ora, não há o menor vislumbre de que algum Estado se submeta a uma promessa vinda de eleições francesas e, portanto, ninguém mexe uma palha. Hamon, aliado de Varoufakis, veio à sua cola mostrar todo o desprezo do mundo por Macron. Fim da linha para a hipótese de alguém reformar o euro.

Varoufakis mostrou também a sua faceta mais histriónica, ao anunciar que foi ele quem permitiu a geringonça portuguesa. Tudo compreensível, é campanha eleitoral, ninguém leva a mal. Mais estranho é anunciar uma “lista transnacional”, uma fantasia, dado que a lei europeia não a permite. Mascarar a compreensível cooperação entre partidos com uma plataforma comum como se fosse uma única “lista transnacional” é só um pequeno engodo.

O esplendor do politicamente idiota

por estatuadesal

(Miguel Sousa Tavares, in Expresso, 28/04/2018)

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Miguel Sousa Tavares

Pobre Fernando Medina, do que ele se foi lembrar: fazer um Museu das Descobertas, ou dos Descobrimentos, em Lisboa! Uma ideia que pareceria absolutamente consensual e necessária e que só pecava por tardia, parece que se transformou numa polémica que já suscitou a indignação de mais de uma centena de historiadores e “cientistas sociais”, trazida a público num abaixo-assinado de professores de diversas Universidades, portuguesas e estrangeiras — se bem que, para dizer a verdade, quase todas de segundo plano, as Universidades, e quase todos, portugueses, os professores, com excepção de alguns, que presumo brasileiros, em decorrência dos nomes que ostentam e que só podem ter origem em antepassados portugueses e não em avós balantas ou mesmo tupi-guaranis.

Antes de, com a devida vénia e indisfarçável terror, entrar na polémica, deixem-me confessar a minha ignorância preliminar relativamente a duas questões, seguramente menores: desconheço quase por completo, não só os nomes, mas, sobretudo, a importância dos ditos historiadores para o que, num português em voga mas não recomendável, chamam “a riqueza problematizante” do que ora os ocupa; e desconheço ainda mais o que faça ao certo um cientista social que o torne uma autoridade na matéria.

Isto posto, e indo ao fundo da controvérsia, estas cem excelentíssimas autoridades indignam-se, em suma, contra o maldito nome do nascituro museu. Porque a questão, dizem eles, é que chamar-lhe Museu das Descobertas ou dos Descobrimentos, “não é apenas um nome, é o que representa enquanto projecto ideológico”. Este, esclarecem, é o projecto ideológico do Estado Novo, “incompatível com o Portugal democrático”. Bravo, António Ferro, o SNI continua vivo, os Descobrimentos portugueses mais não foram do que a antecâmara do colonialismo e o Estado Novo o seu apogeu e desfecho natural! O “mar sem fim português”, de que falava Pessoa, outra coisa não era, afinal, do que o Portugal do Minho a Timor, de que falava Salazar.

Pois, bem, se a palavra “descobertas” envolve um “projecto ideológico” de conotações maléficas, isso significa que as excelentíssimas autoridades têm outro projecto ideológico que se opõe e resgata este. Qual seja, e abreviando, chamar a atenção, por exemplo, para que os povos alegadamente descobertos pelos portugueses não se terão sentido descobertos, porque, de facto, já lá estavam. É um argumento tão fantástico, que, de facto, é irrebatível. Mas, salvo desconhecida opinião, ninguém sustenta que Vasco da Gama criou do nada o samorim de Calicut, que os Jesuítas encontraram o Tibete despovoado ou que Pedro Álvares Cabral celebrou a primeira missa em Terras de Santa Cruz para uns fantasmas vestidos de índios. Não, o que eles fizeram foi encontrar as rotas, marítimas ou terrestres, que ligaram o Ocidente e a Europa ao Oriente e às Américas, pondo em contacto dois mundos até aí sem contacto algum (com a excepção parcial das viagens de Marco Polo, por via terrestre, e as viagens marítimas, sem sequência científica ou outra, dos vikings). O que se sustenta é que não foi o samorim que se deu ao trabalho de largar o seu luxuoso trono e apanhar uma low-cost para a Europa, mas o Gama que se arriscou a ir mar fora naquelas cascas de noz ao seu encontro. Na época, isso significou — em termos de navegação, de cartografia, de indústria naval, de rotas comerciais e de avanços científicos em todas as áreas — um pulo de uma dimensão nunca antes e raras vezes igualado depois, na história da Humanidade. Sem falar das terras virgens que descobrimos e dos que não descobriram povos, dos que navegaram em pleno desconhecido, movidos por um verdadeiro sentido de descoberta tão extremo e destemido que só poderemos classificar como quase demência: Bartolomeu Dias dobrando o Cabo da Boa Esperança sem saber o que iria encontrar do outro lado; Fernão de Magalhães procurando insanamente o Estreito que ainda hoje tem o seu nome, ligando o Atlântico ao Pacífico e provando que a terra era redonda e circum-navegável em toda a sua extensão; os irmãos Corte-Real desbravando o limite extremo do norte navegável. Todos eles em mar aberto e em terra de ninguém, onde seria impossível às excelentíssimas autoridades encontrarem forma práctica de dar execução a outro dos argumentos arrolados para o conceito ideológico do seu museu: “Valorizar as experiências de todos os povos que estiveram envolvidos neste processo”.

Enfim, e sempre resumindo, vem depois o argumento da escravatura. É incontornável e eu subscrevo-o: deve estar referenciado num museu sobre as Descobertas, e subsequente colonização portuguesa. Sem esquecer, porém, que não foram os portugueses que inventaram a escravatura, mas apenas aproveitaram o comércio de escravos que encontraram florescente nas costas oriental e ocidental de África. E sem esquecer também que, sem desculpar o que foi a tragédia da escravatura, não há erro mais simplista de cometer do que julgar a História pelos padrões éticos contemporâneos. E estou à vontade no assunto, pois escrevi um romance histórico cujo tema central era a escravatura em São Tomé e Príncipe e em que, apesar de ela ter durado até à primeira metade do século XX (!), não encontrei, curiosamente, entre tanta fonte pesquisada e tanto historiador preocupado, nenhum trabalho histórico de referência que a contemplasse.

Não resisto a uma palavra aos invocados historiadores brasileiros que assinam esta petição. Conheço muito, de ver e de ler, da herança história de Portugal no Brasil — e tenho um profundo orgulho nela. Todos os ciclos de prosperidade histórica do Brasil, ligados às riquezas naturais, tirando o primeiro — o do pau-brasil, irrelevante, em termos económicos — foram feitos graças a árvores levadas para lá pelos portugueses: a cana de açúcar, a borracha, o cafeeiro, até os coqueiros, que levámos da Índia. E o ouro, o célebre ouro, roubado pelo D. João V? Ah, o ouro do Brasil! Do célebre “quinto real” (tudo o que cabia à Coroa), nem um quinto cá chegou. O resto? Perguntem a todas as ‘Lava-Jato’ que saltearam o Brasil, desde 1822. Pedras, monumentos? Tudo o que ficou de pé é português: no Pará, em Pernambuco, em Salvador, em Minas, no Rio, em Paraty, onde quiserem. E o Amazonas, cujo desbravamento por Pedro Teixeira é uma aventura assombrosa de coragem e persistência e cuja colonização, que incluiu a construção dos sete fortes de fronteira, erguidos com pedras de granito levadas de Portugal a mando do marquês de Pombal, e a que o Brasil ficou a dever milhões de quilómetros quadrados de floresta virgem preciosa, e que foi, no dizer do grande historiador brasileiro Joaquim Nabuco, “talvez a maior extraordinária epopeia de todos os Descobrimentos portugueses”? É bem provável que os brasileiros não saibam nem queiram saber dessa história. Os portugueses não sabem com certeza. Mas deviam saber.

Que haja portugueses que tenham vergonha desta história e queiram reescrevê-la numa espécie de museu de autoflagelação é problema deles. Mas não pode ser problema dos outros. O dinheiro dos nossos impostos não pode servir para fazer um museu contra a nossa História, contra uma História que foi tão grandiosa que, se calhar por isso mesmo, nem a conseguimos entender, na nossa pequenez actual. Tudo isto me faz lembrar o que escreveu no início de um poema uma senhora que, por acaso, era minha mãe: “Navegavam sem o mapa que faziam/ Atrás deixando conluios e conversas/ Intrigas surdas de bordéis e paços...”.

Para terminar: já me tinha pronunciado sobre isto antes. Antes de esta irrepetível oportunidade para fazer uma coisa bem feita ter sido capturada pela intelligentsia ociosa dos abaixo-assinados. Mas volto ao que então escrevi: eu não queria apenas um Museu das Descobertas em Lisboa. Queria um Museu de Portugal e do Mar ou dos Portugueses e o Mar. Onde coubesse também a história de duas outras extraordinárias epopeias que o comum dos portugueses e dos estrangeiros que nos visitam desconhece: a nossa contribuição única e indispensável na história da pesca à baleia (juntamente com os cabo-verdianos), no Atlântico e Pacífico, e na história da pesca ao bacalhau à vela, na Gronelândia e norte do Canadá. Desse modo se tornaria patente que não foi por um simples acaso, nem para espalhar a fé e o império, ou apenas para trazer a pimenta e a canela da Índia, que este pequeníssimo povo, entalado entre o fim da Europa e o mar, escolheu o mar como destino. E, porque o espaço tem relação directa com isso, porque está miseravelmente desaproveitado, porque é lindo e porque sai mais barato aos contribuintes, queria vê-lo na Cordoaria Nacional.


Miguel Sousa Tavares escreve de acordo com a antiga ortografia