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sábado, 28 de abril de 2018

Competir no e ao centro

por estatuadesal

(José Pacheco Pereira, in Público, 28/04/2018)

JPP

Pacheco Pereira

(Caro Pacheco. Grande palestra de balneário. Estás para a política como o Jorge Jesus está para a bola, és o rei da táctica para o PSD de Rio. Esqueces vários detalhes. Um deles, e de não pouca importância, é que se à esquerda do PS existir 20% do eleitorado, não há "centro" tal como tu o vês. E é para esse objectivo que PCP e BE vão lutar. E, como os portugueses, tem a noção perfeita de que o PS só prosseguiu muitas das políticas que beneficiaram muitos devido ao peso da esquerda nos acordos de governo, talvez não seja difícil que alcancem essa fasquia. E lá se vai o "centro".

Comentário da Estátua, 28/04/2018)


Há quem se dê bem com os quadros de análise esquerda versus direita. Não é o meu caso, que de há muito penso que é uma maneira muito redutora de olhar para a realidade política dos nossos dias. Mas a verdade é que, apesar de sempre o fazer com muita resistência, não pude escapar a essa dicotomia e usei-a nos últimos anos. Uma das razões é que a radicalização da nossa vida política nos anos do ajustamento tornou a fractura direita-esquerda uma realidade impossível de evitar, visto que a viragem drástica à direita materializada no Governo PSD-CDS, acompanhada pelo abandono por parte do PSD do seu património genético social-democrata, criou uma frente de direita de facto. Por seu lado, o acordo PS-BE-PCP gerou uma resposta com uma protofrente de esquerda. A dicotomia não era perfeita, porque o PS conseguiu manter uma identidade de centro-esquerda, facilitada pela viragem do PSD, que deixou parte do terreno político vazio e que o PS ocupou, impedindo a existência de uma frente de esquerda perfeita.

O que se passa nos dias de hoje é que, com a mudança da liderança do PSD, que abandonou parte dos aspectos mais agressivos da viragem à direita nos anos de Passos Coelho, a política recentrou-se para fora dos extremos, o que teve efeitos no PSD e no PS e a reacção entre irritada e utilitária do CDS e do PCP e do BE. As negociações entre PSD e PS, mesmo com escassa substância, tiveram o efeito de ajudar o PS a poder fazer uma política em duas frentes e o PSD de se demarcar da oposição muito agressiva que caracterizara os dois primeiros anos da “geringonça”. Não é, insisto e insisto muito, uma viragem consolidada e segura, mas é uma viragem. Pode agora começar a falar-se do centro, esse fantasma da política portuguesa que ninguém quer na bandeira, mas de que PS e PSD sabem precisar para ganhar eleições.

As próximas eleições que poderiam realizar-se no modelo frente de esquerda (PS+BE+PCP) versus frente de direita (PSD+CDS) podem agora realizar-se numa competição pelo centro político, uma entidade difícil de definir, mas que agrega uma parte muito significativa do eleitorado urbano, politicamente mais qualificado e informado, e que pode, quando no seu terreno aparece uma alternativa, escolher sem clubite identitária. Ou seja, premeia ou pune o partido que lhe pareça merecer essas atitudes, e que historicamente se desloca do PS para o PSD e vice-versa, em particular em função da performance governativa. Soares, Sá Carneiro, Cavaco, Guterres, Sócrates, Passos Coelho (em 2011), todos beneficiaram desse efeito, ou o desbarataram.

O problema para o PSD é que, à data em que escrevo, o PS tem muito mais condições para usufruir dessa ocupação do centro político, até porque mesmo com a “geringonça” pode manter-se no terreno do centro-esquerda e o PSD só agora se deslocou para o centro-direita-centro--esquerda, com o terreno ainda muito minado pelo seu passado recente e pelo corte muito ambíguo com as políticas do “ajustamento”. Na verdade, enquanto, do ponto de vista do eleitorado central, o PS tem feito quase tudo bem, o PSD fez apenas o recentramento com as negociações com o PS, mas errou ou não explorou todos os outros factores que pesam na competição ao centro.

De facto, a competição pelo centro é diferente do confronto frente de esquerda--frente de direita. Para o eleitorado mais informado e qualificado do centro, contam à cabeça três coisas com que o PSD tem tido muita dificuldade em lidar, quer por erros próprios, quer por falta de massa crítica partidária de um PSD muito desertificado de quadros políticos, muito dependente de políticos de carreira no interior do partido e por uma ruptura com vários sectores da sociedade, processo que se tem acentuado desde que Cavaco Silva deixou de ser primeiro-ministro.

O primeiro dos factores é fundamental para travar o populismo e a deriva abstencionista: a imposição de um quadro mínimo de atitudes éticas com medidas exemplares e oportunas de demarcação ante a corrupção, o tráfico de influências e actos de moral duvidosa, mesmo que não necessariamente ilegais. Rio vem com uma imagem de rigor ético e falou da necessidade de um “banho de ética”, o que era uma vantagem face a um PS ainda muito enterrado no “caso Sócrates”. Porém, sucede que nestas matérias a primeira impressão conta muito e raras vezes dá a oportunidade de uma segunda impressão, e os casos de Elina Fraga e Barreiras Duarte mancharam essa primeira impressão.

O segundo factor é a escolha das pessoas e das equipas, que, numa competição ao centro, é muitas vezes o grande equalizador entre quem está na oposição e quem está no governo. E aqui as escolhas de Rio para áreas fundamentais, quer no partido, quer no governo, são más. Há excepções, mas são poucas. No partido, as escolhas para cargos relevantes de pessoas que traziam um historial pesado de suspeitas e acusações de carácter judicial, ou que pura e simplesmente eram muito medíocres, trouxeram-lhe logo à partida o risco da perda da inocência ética e acabaram por ficar como zombies políticos incapazes de ter qualquer protagonismo nas áreas que justificavam o seu recrutamento. Nas escolhas para um protogoverno-sombra, há pessoas cuja experiência governativa foi insatisfatória e nalguns casos que transportam histórias obscuras quase desde sempre. É duro dizer isto, mas toda a gente, repito, toda a gente, sabe que é verdade. Rio devia estar a milhas dessas pessoas e não tem estado.

A sua única desculpa é que no PSD não abundam pessoas com capacidade para assegurar muitas áreas quer da oposição, quer da futura governação, e muitas das que existiam já há muito se afastaram. A quebra de prestígio partidário nos últimos anos torna relutante a colaboração de muitos independentes, com os quais o PS tem maior margem de manobra, mesmo com Sócrates às costas. Acresce que o aparelho partidário, na “jota” em particular, tem “queimado” qualquer recrutamento e ascensão de pessoas qualificadas e que saibam fazer mais do que viver nas redes sociais mandando “bocas” e servindo como fontes de intriga para os jornais. Neste contexto, era preferível ir buscar gente completamente nova e dar-lhes oportunidade de “se fazerem”. Aqui o CDS sempre foi melhor.

Por último, a competição ao centro faz-se muito pelo confronto de causas e propostas que correspondam aos problemas reais do país, que estão longe da agenda imediata e mediática. Não é só o programa eleitoral — é a condução quotidiana de um grande partido político reformista e moderado que seja capaz de reconstruir o seu património com posições e propostas de forma estudada e criativa, assente na sua identidade genética. E aí há muito para fazer, na educação, na saúde, no sistema político, no mundo do trabalho, na cultura, na Segurança Social, na emigração, na habitação, no equilíbrio regional, etc.

Embora os factores anteriores sejam um lastro negativo para assegurar a qualidade do trabalho programático, penso que tem todo o sentido haver um benefício de dúvida. Se o PSD souber ancorar-se no centro político, vai descobrir todo um terreno de actuação que é efectivamente alternativo ao PS e lhe pode dar um impulso eleitoral, caso o mereça. Para isso é também preciso recusar a histeria da “novidade” e da intervenção permanente, introduzir algum tempo reflexivo e mais lento, sem temer o papão do “vazio” que é hoje um instrumento para subordinar a política aos ritmos da actual comunicação. Aqui Rio tem vantagem e pode explorá-la.

Se nas próximas eleições o confronto se fizer ao centro, pode haver vantagem para os portugueses. Há apenas um óbice e esse demasiado importante: o centro pode significar o abafamento da questão europeia, debaixo de um consenso ambíguo que há muito existe sobre o seguidismo do PS e do PSD em relação a uma União Europeia que é hoje uma entidade pouco democrática e desrespeitadora da soberania das nações.

Esta circunstância pode matar tudo, ao impor a Portugal um modelo de estagnação que a prazo gerará radicalização social, com o risco de populismo. Nessa altura, voltamos à grande simplificação e ao reducionismo político, e o centro nunca se implantará como lugar da democracia.

Vamos ver.

Pela recuperação do tempo de serviço docente – Iniciativa Legislativa de Cidadãos

Novo artigo em Aventar


por António Fernando Nabais

Todos os cidadãos maiores de idade que considerarem que não repor o tempo de serviço dos professores é um injustiça devem assinar a Iniciativa Legislativa de Cidadãos para Recuperar Todo o Tempo de Serviço Docente. Os que forem de opinião contrária também podem assinar.

São necessárias 20 000 assinaturas para que a proposta seja obrigatoriamente discutida na Assembleia da República. Esta iniciativa foi lançada há cerca de dez dias e o seu conteúdo é muito simples:

  • Um artigo para revogar a suspensão/anulação de contagem, bem como a produção de efeitos e contagem do tempo de serviço prestado, na sua integralidade.
  • Uma parte desse artigo deverá impedir que a existência de vagas ou menções mínimas de avaliação em alguns escalões possa perturbar os efeitos plenos da contagem integral.
  • Uma norma revogatória, para deixar claro e de forma indiscutível, que as normas que suspenderam a contagem ficam efectivamente revogadas (não faria falta, mas é só para vincar o ponto).
  • Uma norma para definir a entrada em vigor com duas vertentes: os professores e educadores são colocados no escalão na data a que têm direito, mas por razões legais gerais, só são pagos a partir do dia 1 de Janeiro de 2019. Este ponto é importante porque se a lei tivesse efeitos orçamentais em 2018 não poderia ser apresentada e admitida.

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Ladrões de Bicicletas


Logros

Posted: 28 Apr 2018 02:19 AM PDT

Vem esta citação do livro de Yanis Varoufakis Comportem-se como adultos, a propósito de tantos portugueses que contribuíram para o maior logro da História económica dos últimos tempos.
Entre eles, gostava de salientar três sociais-democratas - Cavaco Silva, Jorge Braga de Macedo e Vítor Gaspar - e dois socialistas cujos sorrisos nos deviam fazer pensar: de Vítor Constâncio, numa altura em que sai de cena do BCE, e de Mário Centeno, quando entra em cena no eurogrupo.

"A maioria dos europeus gosta de pensar que a falidocracia americana é pior do que a sua homóloga europeia, graças ao poder de Wall Street e à infame porta giratória entre os bancos dos Estados Unidos e o governo daqule país. Estão redondamente enganados. Os bancos da Europa foram geridos de forma tão atroz nos anos que antecederam 2008 que os bancos inanes de Wall Street quase ficam bem na fotografia em comparação. Quando a crise rebentou, os bancos de França, Alemanha, Holanda e Reino Unido tinham uma exposição de mais de 30 biliões de dólares, mais do dobro do produto nacional dos Estados Unidos, oito vezes o produto nacional da Alemanha e quase três vezes os produtos nacionais do Reino Unido, Alemanha, França e Holanda somados. Uma falência grega em 2010 teria exigido, de imediato, um resgate dos bancos pelos governos alemão, francês, holandês e britânico no valor aproximado de dez mil dólares por criança, mulher e homem que vivesse naqueles quatro países. Em comparação, um revés de mercado semelhante contra Wall Street teria exigido um resgate relativamente diminuto: não mais de 258 dólares por cidadão americano. Se Wall Street mereceu a ira do povo americano, os bancos da Europa mereciam 38,8 vezes essa ira."
"Mas não é tudo. Washington podia empurrar os activos tóxicos de Wall Street para os livros da Reserva Federal e deixá-los ali até recomeçarem a ter bom desempenho ou serem eventualmente esquecidos, para que os descobrissem os arqueólogos do futuro. De uma forma simples, os americanos não precisavam sequer de pagar os relativamente magros 258 dólares por cabeça com os seus impostos. Já na Europa, onde os países como a França e a Grécia abdicaram dos seus bancos centrais em 2000 e o BCE estava proibido de absorver dívidas más, o dinheiro necessário para resgatar bancos tinha de ser buscado aos cidadãos. Se alguma vez se interrogar porque é que o regime europeu se empenha mais na austeridade do que o americano ou o japonês, eis a razão. O BCE não tem autorização para enterrar os pecados dos bancos nos seus próprios livros, o que significa que os governos europeus não têm outra opção senão financiar resgates bancários através de cortes de benefícios e aumentos de impostos."  


Por outras palavras: a austeridade é o mecanismo que a doutrina liberal e o edifício da moeda única europeia encontraram para poder evitar que os accionistas dos bancos paguem as suas dívidas ou simplesmente paguem pelos erros dos seus actos de gestão, transferindo-as para aqueles que eles tanto gostam de designar por consumidores e contribuintes, mas que são, na verdade, pessoas, com as suas vidas e as suas famílias. Tudo sob um lema tristemente ingénuo ou cúmplice que já ouvimos tanto entre nós: Devemos honrar as nossas dívidas.

"Quando os bancos franceses enfrentaram a morte certa, que escolha lhe restava" - a Christine Lagarde - "enquanto ministra das Finanças francesa, com os seus colegas europeus e do FMI, senão fazer o que fosse preciso para os salvar - mesmo que isso implicasse mentir a 19 parlamentos europeus ao mesmo tempo sobre o objectivo dos empréstimos gregos?" 

O nosso resgate - aquele que aumentou consideravelmente a nossa dívida pública, a ponto de Centeno ficar agora tão feliz por descer um pouco o montante de juros a pagar e de condicionar o investimento público a essa descida - foi verdadeiramente um resgate aos bancos europeus pagos pelos cidadãos mais pobres da Europa.
Diri-se-á: Mas agora não há altenativa agora e convém ser agora prudente. Talvez. E mesmo isso conviria ser melhor discutido. Mas havia uma coisa que era importante fazer: nunca estar sentado a presidir ao grupo de personalidades que são o guardião daquele histórico logro.  

Agitar o fantasma da imigração num país em declínio

Posted: 27 Apr 2018 06:24 PM PDT

Pela terceira vez consecutiva, e reforçando o resultado em eleições muito participadas, Orbán venceu as legislativas da Hungria no início de abril. O registo xenófobo e anti-imigração, entre as críticas à União Europeia e os ataques às ONG, foi decisivo para a vitória. Aliás, no seu primeiro discurso, Orbán refere que «os húngaros escolheram a imigração como a sua grande preocupação», afirmando-se por isso determinado a apertar o cerco às organizações não-governamentais que trabalham com imigrantes.
Sucede porém que a Hungria é um dos melhores exemplos do paradoxo, que assinalámos aqui, de serem países com menor peso relativo de população estrangeira a registar uma maior rejeição de políticas de apoio a imigrantes e refugiados. De facto, com apenas 1,5% de estrangeiros em 2017 (cerca de 7,6% na UE), o país exibe o segundo valor mais baixo de concordância com políticas de apoio a refugiados (29%), tendo apenas atrás de si a República Checa (27%), num quadro em que a média na UE28 ronda os 67%. E quando se constata estarmos perante um país com perdas consecutivas de população (-4% face a 2000), em contraciclo com a União Europeia, a adesão à xenofobia pelo eleitorado húngaro torna-se ainda mais estranha.

De acordo com Endre Sik, do Instituto Tárki, que monitoriza a situação na Hungria desde 1992, a xenofobia começa a ganhar expressão a partir de 2010, evoluindo desde então de forma imparável. O agitar do fantasma da insegurança pela extrema-direita (associando-o às vagas de refugiados que chegam à Europa), é mais recente, juntando-se aos argumentos da ameaça de islamização, perda de identidade e do desemprego. Contudo, também aqui o argumento não colhe. A Hungria tem uma taxa de desemprego pouco expressiva e uma muito reduzida de participação de estrangeiros, vindos de fora da UE28, no seu mercado de trabalho (cerca de 0,2% em 2017, que comparam com uma média europeia a rondar os 4,0%).

Mas tudo tem o seu revés. A infundada campanha de perseguição e ódio, adotada pelos governos de Viktor Orbán, e alimentada por uma comunicação social cada vez menos independente, está a desencadear fluxos migratórios muito significativos, estimando-se que tenham saído recentemente do país cerca de 500 mil húngaros. A atmosfera de desumanidade, desconfiança e medo, que a mentira e a propaganda permitem criar, tem sempre um preço.

Confirmação

Posted: 27 Apr 2018 04:29 PM PDT

Entrevista de Varoufakis ao Público

Bem sei que Cavaco Silva já não mora cá.
Vê-lo no camarote na sessão solene de comemoração do 25 de Abril, quase atrás do reposteiro e com a boca naquela forma de anti-smile revela o quanto ele esteve arredado de tanta coisa, e ao mesmo tempo tão cúmplice do estado a que chegámos hoje vindos desde os anos 80, sempre alinhados com o sistema centrado no marco alemão. Mas isto não deveria passar incólume.
O ex-ministro grego das Finanças Yanis Varoufakis disse por diversas vezes e também na recente entrevista ao Público - ainda sem desmentido - que Cavaco Silva não quis dar posse ao governo de António Costa e que só lhe deu porque Merkel autorizou.
Se não o desmente, convém que o repitamos muitas vezes.
Cavaco pediu autorização a Merkel para dar posse a um governo apoiado pela esquerda. Cavaco pediu autorização a Merkel para dar posse a um governo apoiado pela esquerda. Cavaco pediu autorização a Merkel para dar posse a um governo apoiado pela esquerda. Cavaco pediu autorização a Merkel para dar posse a um governo apoiado pela esquerda. Cavaco pediu autorização a Merkel para dar posse a um governo apoiado pela esquerda. Etc., Etc.

Desemprego recorde no Brasil

Novo artigo em Aventar


por Sotero

O IBGE divulgou nessa sexta-feira, 27, novos dados sobre situação dos desempregados no Brasil. O resultado é o novo recorde de número de desempregados.

O número de desempregados no país aumentou em 1,379 milhão de pessoas, o que representa uma alta de 11,2%. Temos quase 14 milhões de pessoas desempregadas. Ainda segundão o IBGE, o número de desocupados é o maior desde julho, quando também ficou em 90,6.

A velha forma de governar da direita golpista brasileira: pobreza, miséria, desemprego parabéns aos envolvidos.

O perigo iminente da dividendocracia

por estatuadesal

(Francisco Louçã, in Expresso, 28/04/2018)

LOUCA3

Agora os números confirmam o meu receio, que quem lê esta coluna já conhece e me pode ter levado a mal. Parece que se chama a isto racio­nalidade, a que alguns meios científicos atribuem mesmo poderes divinatórios e omniscientes. Então, a fábula ia assim: as administrações das empresas, escolhidas e reeleitas pela assembleia geral, usam o seu melhor critério e a sua mais racional informação para a decisão mais estratégica, a que orienta o pagamento de dividendos aos acionistas, e a soma de todas essas decisões em mercado livre e com agentes motivados pelo seu benefício próprio conduz à felicidade geral. Em Portugal, isso quer dizer este ano que, tendo o produto de toda a economia aumentado 2,5%, os dividendos nas principais empresas aumentam em 20%, para mais de dois mil milhões de euros.

Dizem alguns analistas que este bodo aos acionistas exprime o receio de uma recuperação lenta e mais vale pássaro na mão do que a voar. Ingenuidade. Esta utilização dos lucros das empresas representa antes uma escolha social em prejuízo do investimento. Se os dividendos esgotam ou até superam os resultados, as empresas são forçadas a reduzir as suas reservas para os pagarem e, se querem investir, terão de o fazer recorrendo a dívida, uma das maleitas da economia portuguesa. Pouco capital próprio é a consequência de excesso de dividendos generosos. Muita dívida e custos financeiros vulneráveis é a consequência da consequência.

Este retrato é cristalino no caso do PSI20. Algumas destas empresas reduziram os resultados e aumentaram os dividendos: é o caso da Jerónimo Martins, que entrega todo o seu lucro aos acionistas, como a Novabase ou a F. Ramada. Há empresas que pagam dividendos mesmo com prejuízos, como a Sonae Capital. Outras que pagam mais em dividendos do que o que obtiveram em lucros, como os CTT ou a NOS. Outras que pagam três quartos dos lucros (Galp), dois terços (Altri), metade (Sonae SGPS e Sonaecom) ou um terço (Amorim, que tem menos lucros do que no ano anterior, mas paga mais dividendos), tudo segundo uma investigação do “Jornal de Negócios”.

Há uma interpretação simplista que diz que os administradores se limitam deste modo a melhorar as suas possibilidades de serem reeleitos, levando à assembleia geral propostas agradáveis para os acionistas. Pode ser. Mas estamos no tempo em que as empresas cultivam a imagem de inovação, em que o Governo elogia o investimento, em que os programas de financiamento favorecem a criação de capacidade produtiva e mesmo do emprego.

Assim, ao contrário, estes números demonstram mais do que uma operação de sedução, indicam a visão de uma economia extrativa, em que a empresa é uma mina, o trabalho é um filão e o investimento é um direito passado a uma renda futura. Com este PSI20, Portugal não precisa de inimigos.


O teu crápula é pior do que o meu

Escreveu Paulo Rangel um mapa da União Europeia para acusar os socialistas de conviverem com gente de muito má catadura. Atento, não esconde os factos, a começar por aqueles que poluem a reunião do seu próprio grupo no Parlamento de Estrasburgo: a Hungria do seu colega de partido europeu, Viktor Orban (na foto), é um susto e, acrescenta, a Polónia, com um governo de extrema-direita, está numa situação “muito alarmante” (“Público”, 24 abril). Mas o que lhe interessa é mostrar que alguns dos que criticam estes parentescos têm esqueletos no armário, ou seja, que têm razão, mas não têm autoridade. É uma forma curiosa de ver as coisas.

Regista Rangel que, dos seis governos liderados por gente do Partido Socialista Europeu, três estão a contas com suspeitas, ou acusações, ou mesmo condenações por malfeitorias várias e não ligeiras. São eles os governos de Malta, da Roménia e da Eslováquia. O assassínio de jornalistas ou os ataques à independência do poder judiciário conduzem a uma situação em que “a liberdade de imprensa está sequestrada numa teia nebulosa de conexões a organizações criminais e mafiosas”, ainda segundo o eurodeputado do PSD. Poderia dizer mais. Poderia ter lembrado que, quando os levantamentos das primaveras árabes derrubaram os governos ditatoriais da Tunísia e do Egito, os partidos que se encontravam no poder eram da Internacional Socia­lista. Mas talvez baste a atualidade imediata.

Ora, o argumento é ao mesmo tempo preocupante e cândido. Preocupante será, porque se refere a ministros demitidos, a investigações em curso, a acusações fortes, atuações violentas destes governos. Mas serve candidamente para um propósito, afirmar que “o problema é muito mais profundo e muito mais complexo do que a simples ‘diabolização’ de Viktor Orban”, o que soa a algum relativismo. É de lembrar que Orban era o discípulo preferido de Kohl, o poderoso chanceler alemão, e chegou ao poder com proteção e pergaminhos.

O autor explica depois o que pensa, que este diabolismo partilhado entre o seu companheiro de partido e os tais socialistas se radica em atitudes e culturas comuns de violência antidemocrática, por exemplo contra os refugiados, que exprimiriam uma “fissura entre o Ocidente e o Leste europeu”. É então a geografia e a história que os condena e irmana, o que de algum modo alivia a parceria que uns e outros, direita e socialistas, estabelecem com tais personagens, que aceitariam resignados. O teu crápula é pior do que o meu, que também não é grande coisa, mas cá vamos vivendo.

A teoria tem encanto mas não é suficiente para explicar a realidade. De facto, a Áustria não está no Leste europeu e foi onde um partido da direita clássica se aliou a um partido de extrema-direita. E a União Europeia não é determinada pelo Leste europeu nem pelos extravagantes socialistas suspeitos de mafiosos e, apesar disso, foram os mais garbosos dos democratas ocidentais que assinaram o acordo com a Turquia, pagando-lhe para reter os refugiados. O problema talvez esteja também na democracia liberal, mesmo em Bruxelas e Berlim, a ver bem as coisas.


A visita do ministro que diz que nos salvou

Yanis Varoufakis é um personagem simpático. É uma vítima, é bom não o esquecer: no seu curto ministério, tentou evitar que a Grécia caísse no abismo da dívida. As lições que concluiu desse episódio são instrutivas, por vezes mesmo divertidas, como a descrição das reuniões com Schauble. É certo que não quis preparar alternativas: o seu plano B era uma charada sem medidas concretas e não quis ouvir ninguém nem fazer nada até ser tarde demais. Mas aprendeu com esse tormento. A experiência demonstrou-lhe, como explicou em Lisboa, que é impossível que o euro continue igual, mesmo que pense que o seu fim nos remeteria para a véspera da guerra como nos anos 30.

Não é muito claro o que deduz desse trapézio de impossibilidades. Esta dupla negativa levou a uma macronização acelerada de alguns varoufakistas, deslumbrados com esse novo Napoleão que intimou os diferentes países a realizarem até junho deste ano uma convenção, para se alinharem com as suas esplendorosas ideias. Ora, não há o menor vislumbre de que algum Estado se submeta a uma promessa vinda de eleições francesas e, portanto, ninguém mexe uma palha. Hamon, aliado de Varoufakis, veio à sua cola mostrar todo o desprezo do mundo por Macron. Fim da linha para a hipótese de alguém reformar o euro.

Varoufakis mostrou também a sua faceta mais histriónica, ao anunciar que foi ele quem permitiu a geringonça portuguesa. Tudo compreensível, é campanha eleitoral, ninguém leva a mal. Mais estranho é anunciar uma “lista transnacional”, uma fantasia, dado que a lei europeia não a permite. Mascarar a compreensível cooperação entre partidos com uma plataforma comum como se fosse uma única “lista transnacional” é só um pequeno engodo.