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quinta-feira, 3 de maio de 2018

Entre as brumas da memória


PS: é impressão minha ou há gaivotas em terra

Posted: 02 May 2018 01:49 PM PDT

… que podem anunciar tempestade no mar?

"PS sente-se envergonhado" com casos como de Manuel Pinho e ainda mais com o de Sócrates.

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1967-1968 – Anos de utopias e não só

Posted: 02 May 2018 11:23 AM PDT

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02.05.1968- Nanterre

Posted: 02 May 2018 10:05 AM PDT

Foi em Nanterre que se deu o pontapé de saída para o 3 de Maio na Sorbonne, em Paris.
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China? Uma questão de escala

Posted: 02 May 2018 06:34 AM PDT

Número de turistas domésticos atinge 147 milhões durante feriado do Dia do Trabalhador.

«Durante o feriado do Dia do Trabalhador, o número de turistas domésticos ascendeu aos 147 milhões, aumentando em 9,3% em comparação com o mesmo período do ano passado. Os rendimentos totais gerados pelo turismo doméstico atingiram os 87,16 bilhões de yuans, o que representa um crescimento de 10,2%»

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Os artistas e o Estado

Posted: 02 May 2018 03:27 AM PDT

«Goethe e Beethoven conheceram-se em Julho de 1812, em Teplitz. Admiravam-se mutuamente, conviveram intensamente durante meia dúzia de dias, mas nunca mais voltaram a ver-se em toda a sua vida e, desde esse encontro, Goethe deixou sem resposta todas as cartas que Beethoven lhe escreveu até morrer, em 1827. Ao relatar esse encontro único entre os dois sóis da poesia e da música alemã, Romain Rolland descreve assim o seu irreparável desencontro: um dia, ao passearem de braço dado pelos jardins de Teplitz, cruzam-se com a imperatriz, os duques, toda a corte. O músico diz para o poeta: “Conserve o seu braço no meu! Eles é que devem afastar-se para nos deixar passar, não somos nós.” Goethe larga o braço de Beethoven e perfila-se à beira do caminho, de chapéu na mão. Beethoven passa pelo meio dos príncipes como um bólide, levando apenas a mão à aba do chapéu, e estaca mais adiante à espera que Goethe conclua os seus salamaleques e rapapés. Quando este se lhe junta, diz-lhe: “Esperei-vos porque vos honro e prezo como mereceis: mas vós destes-lhe demasiadas honras.”

PUB Nos países em que a cultura e a arte não conseguem viver e impor-se pela sua relação directa com os povos que as semeiam, cultivam e colhem, das duas, uma: ou o Estado acha que, paciência, temos pena, mas não há nada para ninguém, desengomem-se, mudem de profissão ou emigrem; ou o Estado acha que vale a pena fomentar a vida artística e cultural do seu povo e decide apoiar os seus artistas. Quando isto acontece, quase sempre a maioria dos agentes culturais e dos criadores artísticos, para trabalharem e viverem do seu trabalho, têm de se descobrir e perfilar, como Goethe, de chapéu na mão e cerviz flectida, perante os príncipes do seu tempo. E têm de aceitar os truques, as contumélias e o videirismo que a vida da corte exige e promove, para recolherem algumas migalhas do banquete orçamental. Esquecem uma obviedade muito antiga: não há memória de que povos que não cultivam a arte e a cultura tenham alguma vez parido príncipes cultos e esclarecidos. O despotismo esclarecido, como temos obrigação de saber, foi outra história − embora um ex-ministro da nossa cultura continue a pensar que foi ele quem o inventou.

Em Portugal, a arte e a cultura nunca foram muito queridas, nem muito respeitadas, seja pelo povo, seja pelos governantes. Não é um desinteresse ou um destratar recente, é uma forma de estar e de ser nacional com raízes históricas bem antigas e robustas. O ímpeto “cultural” que a democracia pareceu trazer nos seus primeiros anos de vida desfaleceu rapidamente perante necessidades e interesses, individuais e colectivos, bem mais prementes e compensadores para a maioria dos portugueses, incluindo os artistas e os agentes culturais. Para não irmos mais longe e para não haver dúvidas: o príncipe que nos governou com maioria absoluta a partir de 2005, ao recandidatar-se em 2009, reconheceu publicamente na campanha eleitoral que se tinha marimbado de alto e a pés juntos para a cultura durante todo o seu primeiro mandato, mas prometia emendar-se no mandato seguinte. Perante tal acto de contrição ou autocrítica (como alguns preferem chamar), muitos artistas e agentes culturais decidiram pressurosamente abrilhantar um pequeno-almoço de campanha ao lado de sua excelência. Nos dois anos seguintes de poleiro, o príncipe, que não tinha orelhas de burro, não hesitou nem um segundo em voltar a marimbar-se de alto para todos eles. A partir daí, e até hoje, tem sido sempre pior: a direita portuguesa é o que é e as esquerdas portuguesas são o que são; todas têm mais em que pensar e que fazer para se preocuparem verdadeiramente com a cultura portuguesa. Excitam-se e clamam apenas quando, na rua ou nos media, algum sobressalto as convoca para um curto surf propagandista, quase sempre inconsequente, oco e chocantemente impreparado.

O actual estado das coisas no pequeno mundo da cultura nacional não revela apenas que quem nos governa continua a não ter nenhuma ideia ou sequer preocupação de política cultural e procura resolver esse fastidioso assunto com umas migalhas vagamente mecenáticas e lampeiramente amiguitas, aproveitando o bodo para apertar, a cada ano e a cada governo, um pouco mais o garrote burocrático. O estado actual das coisas revela também que todos nós, artistas e agentes culturais que dependem do Estado para trabalhar e para criar, fomos dando cada vez mais importância à massa dos apoios a receber em vez de combatermos pela clarificação e dignificação da relação entre os artistas e o Estado, pelo estabelecimento de uma verdadeira e duradoura política cultural que comprometa e responsabilize todos os governos, pela competência dos seus agentes públicos, pela desburocratização dos seus apoios e, sobretudo, pela transparência dos critérios e dos mecanismos de apreciação e decisão política e administrativa.

Nos jardins de Teplitz, em Julho de 1812, Beethoven tinha toda a razão ao invectivar Goethe: “Esperei-vos porque vos honro e prezo como mereceis: mas vós destes-lhe demasiadas honras.”»

Luís Filipe Rocha

quarta-feira, 2 de maio de 2018

A comunicação social é a Ágora, não é o pelourinho

 

por estatuadesal

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 02/05/2018)

Daniel

Daniel Oliveira

Chego do estrangeiro e aterro atrasado num debate cheio de equívocos sobre a divulgação das imagens dos interrogatórios a Sócrates. O que se discute é a relevância jornalística do julgamento do antigo primeiro-ministro. Só um idiota negaria a importância desta investigação e deste julgamento e mesmo havendo muitos idiotas não dei por que algum deles o tenha feito. O que se discute é o comprometimento de cada um no combate à corrupção. O que fez a divulgação destas imagens por esse combate? Não será no julgamento que a justiça se fará? Os juízes acompanharam o interrogatório pela SIC? O debate não é sobre a relevância do caso, não é sobre corrupção, não é sequer sobre Sócrates. O debate é sobre valores fundamentais que, como acontece muitas vezes, entram em conflito. No caso, os direitos de qualquer cidadão, chame-se José Sócrates, Daniel Oliveira ou tenha qualquer outro nome, e a liberdade de imprensa.

Quem preza a liberdade, lembre-se ou não dos tempos da ditadura, compreende a violência de escutas telefónicas e da violação de correspondência. Em condições muito específicas e limitadas, permitimos que as polícias e o Ministério Público, com a devida autorização judicial, violem o direito sagrado dos cidadãos à sua privacidade. Não é por acaso que não damos esse poder aos jornalistas. O mesmo se aplica à divulgação de imagens de interrogatórios. Estes interrogatórios, é bom recordá-lo, são coercivos.

Como têm de ser, perante a justiça. Não preciso de repetir o que António Barreto (AQUI) já explicou sobre a situação de fragilidade de quem está a ser interrogado. Aquele som e aquelas imagens foram recolhidas para contribuir para a aplicação da justiça, não servem para esclarecer a opinião pública.

O grande argumento é sempre o “interesse público”. Nenhum jornalista o pode esquecer, mas ele não serve para tudo. O “interesse público” pode levar os jornalistas a pôr escutas, a violar correspondência ou a filmar as pessoas nas suas casas sem a sua autorização. O céu é o limite e já tudo isto foi feito com este argumento. A utilização de imagens de um interrogatório é um ato extremo que só poderia ser justificado por uma razão extrema: ser a única forma de denunciar algo muitíssimo relevante que de outra forma seria impossível chegar ao conhecimento público. E mesmo assim seria discutível. Não é o caso: as imagens do interrogatório a José Sócrates não nos forneceram nenhuma informação fundamental que não pudesse ser dada de forma a não pôr em causa outros valores fundamentais. Pior: nem sequer nos deu qualquer informação nova. Não estamos, portanto, perante um conflito entre valores. A divulgação foi gratuita e não visou outra coisa que não fossem as audiências. E isso nada tem a ver com liberdade de imprensa.

Este é um debate sobre o Estado de Direito, a democracia e a liberdade de imprensa. Nenhum destes valores é propriedade dos jornalistas. Quando um jornalista usa escutas ou interrogatórios não é perante os jornalistas que tem de se justificar, é perante todos os cidadãos. Todos os que um dia podem, com ou sem razão, estar naquele lugar. Todos a quem nunca ninguém perguntou se queriam dar a qualquer diretor, editor ou jornalista o poder de decidir se divulga ou não as imagens de um interrogatório. O meu debate com o Ricardo Costa, um dos jornalistas mais preparados que conheço, e com a SIC, uma estação com que colaboro e onde sempre fui livre, não é se fizeram bem ou mal em divulgar estas imagens. Isso seria assumir que ele têm o direito de tomar essa decisão. O meu debate é se o podem fazer. E eu acho que não. Que a comunidade não lhes deu nem lhes podia dar esse poder. Que a comunicação social é a Ágora, não é o Pelourinho. No dia em que quiser ter mais poder do que tem terá de aceitar que a sua liberdade seja mais limitada do que é. E isso não quero eu nem, espero, querem eles.

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Soma de disparates

por estatuadesal

(Marco Capitão Ferreira, in Expresso Diário, 02/05/2018)

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No longínquo mês de setembro de 2017 escrevi por aqui que: “temos de evitar euforias ou a mera ideia de que estamos garantidamente no bom caminho e podemos relaxar. Não podemos. Há que explicar isso à (…) função pública – não se resolvem 10 anos de congelamentos num ano – e a certas classes profissionais, por muito atendíveis que sejam as suas reivindicações. O risco é evidente. Se tropeçarmos, se houver uma mínima janela de oportunidade para se gerar instabilidade política, se a conjuntura internacional se deteriorar subitamente, se tantas outras coisas, podemos perder muito rapidamente tudo o que nos custou seis anos de dolorosos sacrifícios”.

Este mês Bloco de Esquerda, PCP, PSD e CDS, com a prestimosa intervenção do Presidente da República (já lá vamos) deitaram isto tudo às malvas em nome de uma decisão em matéria de concursos para professores que beneficiará muito poucos dos membros da classe – se forem 1% é muito – em prejuízo de todos os demais portugueses e, vamos ser claros, da própria escola pública.

Ver isto votado pela mesma direita que tentou evitar a reposição das 35 horas na Função Pública, com o argumento de que aumentaria a despesa é, no mínimo, irónico.

A matéria dos concursos de professores é densa e complexa, mas vamos lá tentar resumir isto ao que nos interessa: a proposta aprovada no Parlamento impõe que vão a concurso de mobilidade interna, simultaneamente, horários completos e incompletos. Quando estava previsto apenas que o pudessem fazer para horários completos.

Em bom português, isto permite a professores do Quadro, com horário completo e direito à remuneração por inteiro, poderem concorrer a horários incompletos quando pretendam mudar de escola.

Que isso possa ter acontecido no passado não é argumento para repetir para sempre. Se fosse para isso, tínhamos mantido os contratos de associação em vigor. Ou a pena de morte. Ou outro disparate qualquer que se lembrem.

Caso não estejam a querer contemplar que possa ser isso … sim, isto implica que um professor colocado na escola A com um horário letivo completo consegue mudar para uma escola que prefere, a B, mesmo que aí o espere um horário incompleto, que pode ser metade do que tinha, ou menos, continuando a receber por inteiro. Salário por inteiro, horário incompleto. Claro que isto obriga, depois, a que se contrate outro professor para aquele horário completo.

Tomando como base os dados do último concurso, esta alteração é capaz de custar qualquer coisa como 40 e picos milhões de euros por ano. Como o concurso é por 4 anos, no limite, podemos estar a olhar para uma despesa total de cerca de 170 milhões de euros.

Despesa esta que não coloca nenhum professor a mais no sistema, que não vai financiar uma única obra de conservação nas escolas, que não aumenta a capacidade de resposta das escolas em matéria de ação social, que não põe mais psicólogos na escola, que não paga nenhuma ida a museus, que não ajuda a financiar a medida dos manuais gratuitos. Em suma, despesa esta que não contribui em nada para o bem da escola pública.

Os mais de 99% de professores, a quem isto nada diz, deviam perceber que a lógica da defesa corporativa nem sempre é a lógica da defesa da escola pública e que, em caso de conflito, a segunda prevalece sobre a primeira.

A medida aprovada no Parlamento seguiu para fiscalização do tribunal constitucional, a pedido do Governo, com fundamentos sérios.

Ao tentar governar o Parlamento não só atropelou as competências executivas do Governo, como muito provavelmente violou a lei-travão e, de arrasto, o principio de que a trabalho igual corresponde salário igual (como podem Bloco de Esquerda, PCP, PSD e CDS defender que haja professores a ganhar o mesmo dando um metade das aulas de outro? Alguém lhes pergunte).

Caberia ao Presidente, em condições normais, obstar a isto. Mas Marcelo, por oportunismo político ou grave falha de informação da sua Casa Civil promulgou o diploma. E fê-lo com uma Nota oficial da Presidência da República que daria chumbo direto no segundo ano de direito. Diz o Presidente que promulgou “partindo do pressuposto que a aplicação do presente diploma pode ser de molde a não questionar a proibição constitucional de acréscimo da despesa sem prévio orçamento retificativo”. Ora esta pequena frase tem dois erros de palmatória.

Primeiro, tendo o diploma impacto sobre a execução do orçamento em vigor sob a forma de mais despesa (e terá, na ordem dos 18 milhões de euros) e existindo uma disposição constitucional – conhecida como lei-travão – que impede as iniciativas dos deputados que aumentem a despesa no ano económico em curso, ao Presidente não cabe partir do pressuposto que não acontece o que acontece. Mais, é seu poder-dever pedir a fiscalização preventiva caso seja necessário esclarecer esse aspeto. O que o Presidente diz, ali, é que promulga se for constitucional. Quando lhe cabe garantir a constitucionalidade das leis. É obra.

Segundo erro de palmatória, o dispositivo travão só não se aplica quando o aumento de despesa decorra de proposta do Governo. Em lado algum se diz que tal proposta implica uma lei de alteração à lei do Orçamento. De onde tirou Marcelo tal ideia? Da Constituição não foi. E já agora, Orçamento Retificativo é designação popular, mediática, política ou para comentadores, o que não é designação juridicamente exata. Numa Nota da Presidência espera-se outro rigor.

As pressas e os populismos dão nisto. Esperemos que seja caso único. Seis anos de sacrifícios dos portugueses merecem melhor destino.

PS – Há dois assuntos (três, mas eu com o futebol não me meto) que geram sempre reações virulentas: bitcoins e tudo o que mexa com regimes especiais da função pública. Adiantando já, fica a declaração de interesses: sou funcionário público, docente universitário de carreira, filho de professora. Tenho, há anos, defendido a escola pública. Hoje, continuo a fazer isso mesmo, só não espero que todos concordem. E até aceito que aquele 1% não o compreenda nunca. Os outros 99%? Um das classes mais qualificada e esclarecida do País? Esses deviam. A bem da escola pública.

A eutanásia sob um ponto de vista filosófico

O sentido da morte reflecte o que pensamos da vida tal como a morte também dá sentido à vida.

Por isso, ao reflectirmos sobre a eutanásia e o suicídio assistido colocamo-nos no seio duma questão central do pensamento filosófico e da história das ideias e cuja centralidade não decorre duma disciplinar arrumação dos conceitos, mas por se tratar duma interrogação que sempre inquietou o homem de todas as épocas.

Ao ponto de podermos dizer que o homem só é homem, só cumpre e realiza a sua humanidade essencial, na medida em que se interroga sobre o sentido da sua existência.

Ao interrogarmos-nos sobre a morte, interrogamos também a vida e o próprio homem. Quando este pensa a morte, é o sentido da vida, da sua vida, que é arrastado na sua reflexão. Ora, discorrer sobre a eutanásia e o suicídio assistido leva-nos a pensar a morte e o sentido da vida nas actuais condições do nosso mundo artificial, maravilhoso, virtual.

Como também somos levados a deixar de reflectir sobre a vida em abstracto para questionarmos o próprio viver concreto.

O mundo actual, a vertiginosa mudança civilizacional tem também as suas repercussões sobre a morte e o morrer e o que pensamos sobre isso. A nossa realidade, dominada que está pelas tecnologias de informação e comunicação, a globalização do mundo e das culturas e o encolhimento da realidade, tudo isso são factores que terão que ter consequências na situação do homem e do mundo.

Em particular, como veremos mais adiante, foi o extraordinário desenvolvimento da medicina que acabou por nos forçar a uma nova reflexão sobre quando se morre e como se morre. Ao mesmo tempo que a medicina evoluía, que a esperança média de vida aumentava, que as técnicas de suporte e apoio à vida se desenvolviam, aumentaram os nossos problemas em relação ao fim da vida.

O que significa que, também temos, pois, que resistir à tentação de pensar a morte fora do seu contexto concreto e esse contexto é, para lá da própria vida, a sociedade ocidental e ocidentalizada, enquadradas pelas novas estruturas tecnocientíficas. A morte que acontece, ocorre no seio dum viver completamente diferente do modo de viver (e de morrer) dos nossos pais e dos nossos avós.

Em menos de uma geração tudo se tem alterado radicalmente. O mundo avançou demasiado rápido e tememos ter ficado para trás.

E entre nós? Ainda não sabemos, com rigor, como é que se morre em Portugal; mas temos uma ideia de como se vive e com base neste dado, prevemos que os últimos momentos da vida das pessoas sejam vividos de um modo que deve deixar muito a desejar. Vive-se mal, pelo que não se deve morrer contrariando o modo tão precário de se ir vivendo e sobrevivendo.

solidao-eutanasia

A discussão sobre a eutanásia e os últimos momentos da nossa existência lança um repto à nossa própria cultura e civilização, aos seus princípios e valores, e também, não o esqueçamos nunca, ao modo como esses valores se concretizam, ou não! O que também não deixa de ser significativo e revelador, porque o modo como entende a morte reflete a sua concepção da vida.

A vida não tem sentido sem a morte. Ou melhor, o sentido que esta vida tem, deve-o à morte que não se ausentou do nosso viver.

Perante a brutalidade da morte, o homem é conduzido a interrogar-se sobre a sua vida. O reconhecimento mais cruel dum fim e a consciência aguda da finitude colocam o homem perante a sua fragilidade e questionam-no sobre a sua posição no cosmos. Os opositores da eutanásia consideram que este período de interrogação do paciente pode constituir uma fase de aprofundamento e enriquecimento espiritual, que pode ser levado por diante em diálogo com aqueles que lhe são próximos e que a eutanásia viria bloquear.

Contudo, este argumento pode ser devolvido à procedência, já que, podendo decidir o momento da sua morte, o paciente terá melhores condições para estabelecer esse diálogo, sem a pressão duma morte que se avizinha avassaladoramente e ocorre independentemente da sua vontade e desejo.

Ao programar a sua morte e o momento em que esta poderá ocorrer, evitando entrar num período de degradação física e psicológica ou mesmo de inconsciência, sempre poderá reunir à sua volta aqueles que mais ama, dando as últimas instruções e recomendações ou resolvendo ainda algum problema mais íntimo e privado que teria ficado por esclarecer ou resolver, pois a proximidade dos últimos dias pode constituir ainda a ocasião propícia para a sua abordagem.

A eutanásia e o suicídio assistido não bloqueiam a experiência duma reflexão sobre o sentido da vida.

As decisões por aquelas opções é que serão certamente precedidas por um debate individual ou em grupo, interior ou não, sobre o sentido da vida e do sofrimento infausto.

Estranheza, medo, acontecimento natural. O que é inegável é que a morte está ligada à vida. E rapidamente se verifica que vida e morte se iluminam mutuamente. A nossa visão da morte depende do sentido que atribuímos à vida. Mas também é inegável que o acontecimento brutal e irrecusável da morte condiciona o sentido que atribuímos à vida e aos vivos.

Este mútuo condicionamento não nos pode, contudo, fazer esquecer que é da vida que partimos. De tal modo é assim que é o modo como vivemos a vida que nos prepara ou não para compreender e aceitar a morte, tornando-a mais ou menos dolorosa. É uma vida repleta de experiências, uma vida realizadora dos nossos desejos, vivida como uma aventura aberta e reveladora da nossa disponibilidade para os outros que permite atingir a satisfação do Imperador Adriano, descrita por Marguerite Yourcenar que, já velho, afirmava serenamente que já podia entrar na morte de olhos bem abertos.

Contudo, o rosto morto é sempre representado com os olhos fechados. Se os olhos do cadáver estiverem abertos, haverá sempre alguém que se apressará a fechá-los.

Apesar de nos situarmos, desde já, num campo de profunda radicalidade, o problema da morte remete-nos para questões mais perturbantes e que se prendem com o sentido da existência humana diante do mal e do sofrimento.

De um modo mais íntimo, o homem pergunta por que razão é ele submetido à prova do sofrimento ao mesmo tempo que o mundo transcendente, que dava sentido ao sofrimento e à morte humanos, se vai esboroando.

Será que devemos reconhecer que, afinal, não há sentido e a realidade é absurda? Ora, admitindo o absurdo da vida podemos acabar por tornar a existência humana ainda mais sofredora.

Contudo, não se pretende apenas compreender a morte em si mesma. A morte é essencial para que o homem compreenda a vida.

A morte é a fronteira da vida e está constantemente presente em tudo o que vive e é vivo. O homem, ao mesmo tempo que vive, vai também morrendo.

Segundo Heidegger, o homem, enquanto ser-para-a-morte vai vivendo todos os dias a pequena morte. Dessa omnipresença da morte resulta para o homem a radical consciência da sua finitude. Talvez por ser insuportável a consciência de um fim certo, exista no homem um sentimento inconsciente de que é imortal. Por muitas vias, sempre o homem quis fugir à morte, sonhando e procurando poções mágicas que lhe assegurassem a imortalidade.

No mesmo sentido, outros procuravam o elixir da juventude, na tentativa desesperada de se manter eternamente jovens.

No entanto, a imortalidade tem os seus inconvenientes. Segundo Ortega Y Gasset, “a morte é o que comprime e intensifica a vida”[1]. A duração limitada da vida obriga-nos a saborear melhor o que a própria vida nos dá, bem como a fazer o melhor possível, conscientes de que não existirão muitas possibilidades de se repetirem certas oportunidades que nos são oferecidas.

A morte vem comprimir a nossa vida. Se esta fosse infinita, o sentido dos nossos gestos e dos nossos actos acabava por se perder nesse mare magnum duma vida sem limites, que acabava por absorver tudo o que nós fizéssemos.

A morte comprime a nossa existência, vem dar urgência e significado a tudo o que fazemos. Acaba por dar brilho à nossa existência.

A sua luz não se perde numa existência infinita. Por isso, não é necessariamente má a existência da morte.

NOTAS

[1] Cit. in CABELLO MOHEDANO, Francisco A. et al., Entre los limites personales y penales de la eutanasia, Cádiz, Universidad de Cadiz, 1990, pp. 20-21.