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domingo, 6 de maio de 2018

Costa afirma que a questão das eleições é para saber se continua primeiro-ministro

Costa afirma que a questão das eleições é para saber se continua primeiro-ministro

5/5/2018, 19:42

O primeiro-ministro afirmou hoje que a questão das próximas eleições é saber se os portugueses querem mantê-lo no cargo.

MANUEL DE ALMEIDA/LUSA

Autor
  • Agência Lusa
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O primeiro-ministro afirmou hoje que a questão das próximas eleições é saber se os portugueses querem mantê-lo no cargo, e identificou como exigências de um chefe do Governo escolher uma boa equipa e ter capacidade de diálogo.

António Costa fez estas afirmações em resposta a perguntas formuladas por jovens da comunidade portuguesa de Montreal, que frequentam a Escola da Missão de Santa Cruz.

“Nas próximas eleições [em 2019] os portugueses voltam a escolher e logo veremos se querem continuar com este primeiro-ministro ou se querem mudar de primeiro-ministro. Essa é uma das grandes vantagens da democracia: Quando os cidadãos estão descontentes votam para mudar; quando estão contentes votam para dar força para continuar”, advogou o líder do executivo em resposta ao jovem Gabriel, de 13 anos.

Antes de traçar este dualismo político em relação às próximas eleições legislativas, António Costa procurou esclarecer Gabriel porque quis ser primeiro-ministro.

Uma pergunta que levou o atual líder do executivo a referir-se a factos políticos ocorridos após as eleições legislativas de outubro de 2015, depois de o PS ter ficado em segundo lugar (atrás da coligação PSD/CDS) nesse ato eleitoral.

“Achei que era eu quem tinha melhores condições para formar Governo e liderar o país nesta fase. No passado houve outros [primeiros-ministros], no futuro serão outros”, acentuou.

António Costa referiu-se também à maioria de esquerda existente na Assembleia da República.

“No nosso parlamento conseguiu-se formar uma maioria de apoio a este Governo [PS, PCP, BE e PEV] e que tem funcionado, isto quando já estamos a caminhar para o terceiro ano, faltando mais um até às eleições”, observou.

Antes, um outro rapaz perguntou a António Costa quais são as características mais importantes de um primeiro-ministro.

“Acho que a primeira boa característica é uma ideia do que é necessário fazer, definir um programa, ser capaz de constituir uma boa equipa e de dialogar para ir criando condições para que haja uma maioria política e social de apoio às medidas a tomar. Depois, é preciso ter a persistência e ir trabalhando dia-a-dia para que as medidas tenham sucesso”, sustentou António Costa.

O primeiro-ministro advertiu, porém, que, por vezes, há medidas que levam tempo a fazer efeito e, por outro lado, “às vezes é preciso tomar medidas impopulares”.

“Temos de saber ouvir as pessoas, porque há sempre pontos de vista diferentes. Em política nunca há só uma solução para cada problema. Muitas vezes combinando cada uma encontramos a melhor solução para todos”, admitiu.

O líder do executivo foi ainda questionado por uma rapariga sobre os motivos que o levaram a entrar na política, esclarecendo então que foi inspirado pelos seus pais.

“A política fez sempre parte da minha educação. Tirei o curso de direito, advoguei durante vários anos, andei uns anos sem saber bem se queria continuar advogado ou fazer política, mas acabei por optar pela política – e acho que fiz bem, não estou arrependido e gosto do que faço”, declarou.

Já quando foi desafiado a fazer um balanço da sua visita ao Canadá, António Costa afirmou que gostou “muito das reuniões com [Justin] Trudeau, que é um homem muito simpático, alegre, muito divertido, mas também com grandes ideias sobre o mundo e que gosta muito de Portugal”.

“Temos relações políticas muito próximas e há novas condições para as empresas portuguesas poderem investir e exportar mais bens para o Canadá. Da mesma forma, também espero que as empresas canadianas invistam mais em Portugal”, acrescentou.

Vergonha

CASO JOSÉ SÓCRATES

Helena Matos

6/5/2018, 0:09

Esta gente que agora se diz envergonhada por José Sócrates nunca se questionou nem o questionou. Aquilo que vimos nada tem a ver com vergonha mas sim com a falta dela. Esta gente salva sempre a pele.

2 de Maio de 2018. António Costa está no Canadá.

Em Lisboa começa a peça “Vergonha de Sócrates”.

Os actores são os mesmos da peça anterior “Tudo por Sócrates” que já fora antecedida pela performance épica: “Sócrates estamos contigo”.

A qualidade do desempenho é a mesma d’ Os Grandelinhas no “Pai Tirano”: ainda com ar de quem está a memorizar o texto, os actores entram em cena. No caso os actores são Fernando Medina (no papel de candidato a sucessor do sucessor), Carlos César (que protagoniza o candidato a candidato), Ana Catarina Mendes, João Galamba, Santos Silva e demais personagens vestindo a pele dos envergonhados por e com José Sócrates. E depois temos o sempre dúbio António Costa. Toda esta performance da vergonha acontece enquanto António Costa está no Canadá. E é no Canadá, não sei se desnorteado com as memórias do primeiro-ministro daquele país sobre o campismo selvagem que fez em Portugal  ou se temendo que Trudeau insistisse naquela mania de envergar as vestimentas de países exóticos e ainda se vestisse de pauliteiro de Miranda, que António Costa declara: “fui apanhado de surpresa pelas afirmações de Carlos César” 

Das duas uma: ou António Costa é parvo e se deixou ultrapassar pela direcção do PS que ardilosamente teria esperado pela sua visita ao Canadá para dar esta espécie de golpada. Ou quer fazer de nós parvos e espera que acreditemos no que lhe for mais conveniente a cada momento.

Confesso que até este Maio de 2018 só tinha visto uma coisa desta natureza naqueles filmes sobre o despertar dos lemmingues, aqueles roedores que sem mais nem quê, num dia que só eles sabem determinar, enchem a tundra até então deserta. Tal como no caso dos lemmingues é inevitável para perguntar: porque aparecem todos ao mesmo tempo? Como sabem que chegou o momento de acordar?

Para os lemmingues a explicação será simples: chegou a Primavera ao Ártico. Mas para os socialistas portugueses qual foi o sinal de que tinha chegado a hora de se demarcarem de Sócrates? As próximas legislativas? Não chega como justificação. O receio de serem ultrapassados por um Presidente que cavalga toda a onda do que lhe reforce a popularidade? Em parte, mas também é insuficiente como explicação para aquele entra e sai de cena dos “envergonhados”. O receio de novas revelações ainda mais comprometedoras para o PS que as agora dadas a conhecer sobre Manuel Pinho? Quiçá, mas ainda assim é pouco para tal movimentação de tropas.

Só o tempo nos dirá se aquela encenação a que assistimos esta semana resultou de alguma destas explicações, da soma de todas elas ou de algo ainda não mencionado. Mas uma coisa é certa: aquilo que vimos nada tem a ver com vergonha. Se quisermos insistir no conceito da vergonha terá sim a ver sim com a falta dela. Esta gente que agora se diz envergonhada pelos actos de José Sócrates nunca se questionou durante anos e anos perante os licenciamentos do Freeport (a culpa era da Manuela Moura Guedes, não era?) e da Nova Setúbal (a propósito, Capoulas Santos também está envergonhado?) Não se inquietaram com os contornos mais que obscuros da construção do aterro da Cova da Beira. Depois chegou o curso ao domingo, com exames por fax e outras bizarrices e nenhum destes indignados estremeceu. Muito menos se lhes conheceu qualquer preocupação pelo facto de nenhuma editora ter ousado publicar a investigação de Balbino Caldeira sobre a licenciatura de Sócrates. Será que em privado tentaram perceber como era possível um diploma datado de 1996 apresentar um indicativo de número de telefone que só foi criado em 1999? Ou que mão colocou dois registos biográficos de José Sócrates na Assembleia da República? Em seguida veio o rocambolesco processo das casas da Guarda, a tentativa de compra da TVI, o Tagus Park… E eles sempre calados perante os factos e vitoriosos ao lado de Sócrates.

Nos governos, no parlamento ou no partido eles não só apoiaram Sócrates como também atacaram todos aqueles que questionavam o comportamento do líder do PS. A cada novo caso logo surgia um rótulo a denegrir os que questionavam a forma de actuar de Sócrates: eram os tempos dos bota-abaixistas, dos tremendistas, do negativistas, dos pessimistas e do “jornalismo de sarjeta”.

Independentemente da razão ou das razões que determinaram a representação a que assistimos esta semana estamos perante um exercício de sobrevivência política por parte daqueles que estiveram com Sócrates e que, ao contrário do que agora pretendem fazer passar, não só não ignoravam os casos em que este estava envolvido como também foram politicamente seus cúmplices: de modo algum Sócrates teria chegado onde chegou caso António Costa, Fernando Medina, Carlos César, Ana Catarina Mendes, João Galamba, Santos Silva… tivessem manifestado a sua condenação ao que se sabia do comportamento de Sócrates. E aquilo que se sabia ultrapassava várias vezes os limites do aceitável!  Agora os mesmos que o defenderam quando o deviam ter confrontado dizem-se envergonhados. Envergonhados por ele claro e nunca por si. Esta gente, ao contrário de Sócrates, é cautelosa e salva sempre a pele. Não duvido que  dentro de anos veremos alguns destes protagonistas declarando a sua vergonha por aquilo que o PS cedeu politicamente para que António Costa se tornasse primeiro-ministro em 2015.

PS. Em Espanha cresce a revolta com a Justiça por causa da sentença  do caso de La Manada, um grupo de cinco homens, com idades entre os 24 e os 27 anos, que nos Sanfermines de 2016, empurraram uma jovem de 18 anos para dentro do portal de um prédio e penetraram-na seis vezes sem a sua autorização. O tribunal condenou-os a nove anos de prisão, sendo que os cinco homens estão presos desde 2016. A revolta instalou-se porque se esperava uma condenação por violação e não por abuso. Ministros, líderes partidários, associações, jornalistas, freiras de clausura  e até a ONU têm manifestado o seu repúdio pela decisão  do tribunal espanhol.

No mesmo ano de 2016, na Finlândia, um homem de 23 anos teve relações sexuais com a menina de dez anos, no pátio de um prédio abandonado. Em 2017, o homem foi condenado a três anos de prisão por abuso sexual agravado, tendo prevalecido o argumento de que não se tratou de uma violação. Posição que agora foi subscrita pelo Supremo Tribunal daquele país.

Dos membros de La Manada conhecemos os rostos, os nomes, a vida. E pelo menos do ponto de vista mediático pode concluir-se que para seu azar são espanhóis. Pois se em vez de José Ángel Prenda, Alfonso Jesús Cabezuelo, Ángel Boza, Jesús Escudero e Antonio Manuel se chamassem Juusuf Muhamed como acontece com o agressor da Finlândia, tivessem nascido num país que as autoridades não identificam (alguns jornais dizem que se trata do Paquistão) e tivessem pedido asilo certamente que apesar dos actos hediondos que praticaram, as notícias seriam bem mais escassas e as indignações muito mais controladas.

A social-democracia para além da “terceira via”

por estatuadesal

(Pedro Nuno Santos, in Público, 04/05/2018)

pedro_nuno

(Excelente texto de Pedro Nuno Santos. A separar as águas dentro do PS. Demarcando-se totalmente daqueles que, no PS - Assis, Santos Silva, Sousa Pinto e companhia -, acham que descartar a Geringonça e cair nos braços do Dr. Rui Rio é uma solução com futuro.

Comentário da Estátua, 06/05/2018)


I

Num momento em que social-democracia está em forte retrocesso político em toda a Europa, o Partido Socialista em Portugal é uma exceção. Sem pretender dar lições a outros partidos da família social-democrata – cada partido opera num contexto nacional com oportunidades e constrangimentos específicos –, precisamos compreender o que nos permite ter hoje níveis de apoio popular elevados.

Como venho defendendo, a decisão tomada em 2015 de procurarmos construir com a esquerda parlamentar uma solução de governo maioritária, alternativa à viabilização de um governo de direita, pode ter salvo o PS do destino de outros partidos europeus da mesma família política.

A solução traduziu-se num programa político que restituiu a esperança de uma vida melhor a muitos portugueses. A configuração inédita da nova maioria enriqueceu a democracia, trazendo para a esfera governativa partidos que representam cerca de um milhão de portugueses. Mas foi o seu programa, que promoveu a recuperação de rendimentos e direitos, o crescimento económico e a criação de emprego, por um lado, e o respeito por quem trabalha ou trabalhou uma vida inteira, por outro, que gerou o nível de apoio de que o PS dispõe atualmente.

Teria sido bem diferente se tivéssemos feito o que alguns, mesmo dentro do PS, consideravam natural: a viabilização de um governo minoritário do PSD/CDS. Nesse caso, estaríamos hoje, certamente, na posição de outros partidos social-democratas europeus e incapacitados de disputar a liderança governativa em Portugal. Sobretudo, nunca teria sido possível construir com o PSD e o CDS o programa de mudança económica e social e de comprometimento com o Estado social público e universal, base de uma comunidade decente, que foi possível – apesar das diferenças com estes partidos – com o apoio do PCP, BE e PEV.

Num momento em que o PS reflete sobre o caminho a trilhar no futuro, temos não só de olhar para o que fizemos desde 2015, mas ir mais longe - para evitar o mesmo destino de muitos partidos irmãos - e refletir sobre o que aconteceu à social-democracia europeia.

II

Nos anos noventa, o centro-esquerda encontrou um paradigma de aparente renovação e de superação das derrotas sofridas nos anos oitenta, conhecido por “terceira-via”, que foi até à Grande Recessão de 2008 a referência principal da social-democracia na Europa.

Do ponto de vista ideológico e programático, a terceira-via tentou adaptar o papel do Estado às dinâmicas de um capitalismo global, repensando a centralidade e o significado de princípios como a igualdade, a liberdade e a solidariedade.

Do ponto de vista do papel do Estado, aceitou, por um lado, a introdução generalizada da lógica mercantil nos serviços públicos e, por outro, que os mercados fossem os únicos motores do crescimento económico. O Estado devia limitar-se a criar as condições para que os mercados funcionassem, com regulação minimalista, colhendo o dividendo orçamental para financiar as funções do Estado.

Do ponto de vista eleitoral, promoveu um discurso que visava explicitamente as classes médias mais qualificadas e as suas aspirações de mobilidade social, em detrimento das preocupações com os trabalhadores industriais dos setores tradicionais.

Mas, tal como a esquerda dos anos setenta e oitenta foi forçada a fazer uma autocrítica, hoje impõe-se fazer uma avaliação crítica da terceira-via. No plano ideológico, a fronteira entre a esquerda e a direita foi demasiado esbatida, e a corrida para o centro descaracterizou o nosso ideário ideológico, programático e linguístico, deixando que muitas bandeiras fossem apropriadas por forças à nossa esquerda.

No plano do modelo de desenvolvimento, a terceira-via deu prioridade à contabilidade do crescimento económico, independentemente do seu padrão: todo o crescimento da economia e do emprego era positivo, até porque gerava receita. A terceira-via abraçou um modelo de crescimento demasiado assente no imobiliário e no setor financeiro. Sim, sofreu o impacto da Grande Recessão; o problema é que participou na construção do modelo que a causou. Quando a bolha imobiliária estalou e o setor financeiro colapsou, o dividendo orçamental desapareceu e os governos tiveram de resgatar os bancos e cortar nos serviços públicos. E a terceira-via, que dependia do sucesso desses setores, caiu com eles.

No plano eleitoral, a terceira-via considerou garantidos os votos dos trabalhadores e que era possível falar apenas para as frações qualificadas das classes médias. Em algumas versões, promoveu mesmo o fim da aliança entre operariado e diferentes segmentos da classe média que dera coerência ideológica e força eleitoral à social-democracia.

Hoje, com raras exceções, os partidos social-democratas europeus são praticamente partidos das classes médias mais qualificadas. Isto não resulta apenas das transformações no mundo laboral. É verdade que o operariado industrial tem hoje um peso menor, mas a expansão do setor terciário gerou uma enorme massa de trabalhadores. Tantas vezes sujeitos a emprego precário, mal pago, rotineiro e sem expectativas de promoção, estes constituem a maioria do eleitorado, enquanto os profissionais liberais e as classes médias mais qualificadas continuam a ser uma minoria. Isto ajuda a explicar por que razão são poucos os partidos social-democratas que, na Europa, ultrapassam os 20% de apoio eleitoral. Por negligência ou escolha, a social-democracia deixou de representar os eleitores com baixas e média-baixas qualificações. Em muitos casos, passou a olhá-los como “deploráveis”.

III

Esta atitude é bem visível nas análises sobre o populismo na Europa. A ascensão deste, em particular o de extrema-direita, coloca desafios muito sérios, mas é, antes de mais, um sintoma de outros problemas: as regressões económicas e sociais das últimas décadas produziram justificadas reações de medo e ansiedade em grupos menos preparados para lidar com mudanças que não controlam e mais vulneráveis aos seus efeitos destruidores.

Combater o populismo sem tentar, antes, perceber o que o alimenta e, depois, sem procurar saber se e como é possível corrigir as suas causas, faz da crítica ao populismo pouco mais que mera projeção da arrogância das elites. Há mais de uma década que esta atitude impera no centro-esquerda e, no entanto, o populismo não parou de crescer. Seria bom repensar a forma de combatê-lo.

Esta análise não implica nenhuma “cedência” ao populismo. Ironicamente, quem cede são os que aceitam como clivagem central a distinção entre sociedades “abertas” e “fechadas”, pela simples razão que é precisamente essa a dicotomia que os populistas promovem. Centristas e populistas partilham a mesma visão de um mundo dividido entre um pólo aberto e outro fechado, divergindo apenas na valorização feita: onde centristas veem sectores dinâmicos e cosmopolitas, populistas veem elites corruptas; onde os primeiros veem grupos manipulados, os segundos veem o povo traído pelas elites. Mas ambos concordam que a clivagem esquerda-direita – que durante décadas deu identidade programática, autonomia estratégica e utilidade política à social-democracia – deve ser desvalorizada.

O resultado está à vista por toda a Europa: quando a social-democracia se demite de representar os que mais precisam do Estado como instrumento de desenvolvimento e proteção, os partidos populistas ocupam esse lugar; quando a social-democracia passa a falar sobretudo para os grupos ganhadores da globalização, ela deixa de ser politicamente necessária: qualquer partido centrista, liberal ou conservador pode fazê-lo com mais convicção.

IV

A esquerda soube evoluir em relação aos anos setenta e oitenta, mas é agora preciso que o saiba fazer em relação aos anos noventa e dois mil. Precisamos de olhar com humildade para os problemas, em vez de ceder à tentação de replicar modelos passados.

O mais apelativo da “terceira-via” era querer compatibilizar o que via como o melhor de dois mundos: do lado da produção, deixar os mercados funcionarem sem freios; do lado da distribuição, caberia ao Estado o papel de (mesmo que de forma punitiva) compensar os perdedores. Há vinte anos atrás talvez fosse possível acreditar que uma separação tão clara entre produção e distribuição de riqueza poderia ser eficaz e sustentável. Hoje, face ao crescimento dependente de atividades voláteis, à incapacidade geral para travar o aumento de desigualdades, ou à falta de credibilidade da social-democracia para proteger os mais vulneráveis, hoje é muito difícil aceitar essa divisão.

É, assim, urgente trabalhar – sem os fantasmas inúteis da “radicalização programática” e do “anti-capitalismo” – num diagnóstico sério sobre os desafios que a transformação do capitalismo e as dinâmicas laborais e demográficas colocam à social-democracia. Precisamos de corrigir os excessos liberalizadores cometidos nos últimos 20 anos e repensar o papel do Estado nas políticas de crescimento, regulação e inovação.

Em vez de esperar que os mercados destruam e criem, limitando-se a política social a apanhar os “cacos” gerados pela destruição criativa, o Estado necessita de melhor intervir previamente nos mercados, desenhando-os segundo critérios de justiça e eficácia. Trata-se, nuns casos, de limitar os mercados, como nos serviços públicos universais de educação e saúde (forçando o capital privado a investir em setores transacionáveis); trata-se, noutros, de limitar a ação dos mercados (no trabalho, na habitação, na energia, no ambiente) através de regulação inteligente; trata-se, noutros casos ainda, de construir mercados através de políticas de inovação onde o Estado deve ser capaz de definir missões coletivas, coordenando a atividade dos privados na resolução de problemas económicos, ambientais e sociais.

Se, por exemplo, o Estado português definisse como missão libertar o país da dependência de combustíveis fósseis num dado horizonte temporal e concentrasse recursos e incentivos aos privados para esse fim, não só estaria a dar resposta a problemas concretos (défice da balança de bens e qualidade de vida) e a potenciar os recursos naturais, como criaria novos mercados e oportunidades de inovação para o tecido produtivo, gerando emprego com salários mais elevados.

Esta não é uma agenda anticapitalista, mas também não é o liberalismo económico. É uma agenda social-democrata para o século XXI.

V

A relevância de toda esta discussão para o PS é dupla. Primeiro, o sucesso deste governo e desta maioria nada deve à terceira via. O PS não precisou de mercadorizar os serviços públicos, de liberalizar o mercado laboral, de diabolizar os “radicalismos programáticos”, de estigmatizar os mais fracos ou de ignorar os abusos do mercado para obter bons resultados sociais, económicos e orçamentais e para merecer o apoio popular.

Em segundo lugar, o PS deve evitar cometer os erros que contribuíram para que, em muitos países, se alienasse parte do eleitorado tradicional da social-democracia. É essencial, no plano ideológico, saber os valores em que acreditamos, evitando uma excessiva diluição das fronteiras com outros partidos; no plano programático, definir como esses valores se devem traduzir em políticas públicas de desenvolvimento económico e de proteção social; no plano eleitoral, saber quem queremos representar, compreendendo que o projeto social-democrata depende da construção ativa de uma maioria que vá dos trabalhadores menos qualificados às novas classes médias do privado e do público, da indústria aos serviços, do interior às cidades.

É o debate e a resposta a estas questões que garante a nossa autonomia e identidade, e não a discussão sobre se o PS deve ser “moderado” ou “radical”, que não só é espúria, como esvazia o debate que realmente interessa ter; sobretudo, é irrelevante para as pessoas. Para elas, o essencial é se as políticas são capazes de traduzir as suas intuições morais de justiça e de responder às suas aspirações materiais, individuais e coletivas. Essa tem sido a força deste governo e desta maioria, que nestes anos demonstrou que não é preciso afastarmo-nos da esquerda nas políticas para, com os resultados obtidos, convencer muitos eleitores do centro de que o nosso projeto é mesmo aquele que lhes dá esperança de viver melhor em Portugal.

A Europa na hora da verdade

Opinião

A Europa na hora da verdade

Pedro Silva Pereira

Ontem às 00:10

Para a União Europeia, aproxima-se o tempo das grandes decisões. Que quadro financeiro vamos ter para os próximos anos? Que ambição será assumida na agenda para a reforma da União Económica e Monetária? Que acordo de divórcio será assinado com o Reino Unido? E, já agora, que sucessor vai ter Mario Draghi na liderança do Banco Central Europeu? Sobre tudo isto vão ser tomadas importantes decisões a curto prazo, as quais vão ditar, em boa medida, o destino do projeto europeu.

Neste quadro, a proposta orçamental apresentada esta semana pela Comissão Europeia, apesar de alguns aspetos positivos, justifica a maior das apreensões, quer pelo que propõe no plano financeiro, quer pelo que revela sobre a ausência de uma visão partilhada a nível europeu para uma resposta política à altura das circunstâncias.

Sabia-se que a elaboração do próximo Quadro Financeiro Plurianual seria sempre um exercício difícil por consequência do Brexit e dos novos desafios em matéria de integração dos refugiados, controlo das fronteiras, combate ao terrorismo e defesa. Todavia, é precisamente porque os desafios são incontornáveis que não podemos ter um orçamento insuficiente como aquele que agora foi proposto e que representa um muito ligeiro aumento de 1,03% para apenas 1,11% do Rendimento Nacional Bruto europeu, muito aquém, portanto, dos 1,3% exigidos como mínimo pelo Parlamento Europeu.

Mais grave, porém, é a proposta de um corte financeiro drástico nas políticas de coesão. Depois do euro, da crise financeira e das políticas de austeridade terem agravado ainda mais as divergências na Europa, desinvestir na coesão e na convergência é fazer exatamente o contrário do que seria necessário para corresponder às expectativas dos cidadãos. É uma escolha política manifestamente errada, que precisa de ser corrigida no processo de discussão orçamental que agora começa.

Como um mal nunca vem só, a falta de ambição da proposta da Comissão e as reações muito contraditórias que recebeu fazem temer o pior também quanto à discussão da agenda para a reforma do euro, de que a capacidade orçamental deveria ser um dos pilares essenciais.

Como disse o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, "o debate orçamental não começa bem". Vamos ver como termina.

EURODEPUTADO

Bilionários mais jovens do mundo assombrados pelo fantasma do passado nazi

Por trás dessas riquezas, geridas com discrição por uma "family office" na Áustria, está a história sombria de uma das mais ricas dinastias industriais da Alemanha.

Bilionários mais jovens do mundo assombrados pelo fantasma do passado nazi

Friedrich Flick, ladeado por militares norte-americanos, no Palácio da Justiça em Nuremberga

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Bloomberg05 de maio de 2018 às 18:00

O avô de ambos teria sido o homem mais rico da Alemanha nazi após construir um império de armamento com recurso a trabalho escravo. O pai esteve envolvido num dos maiores escândalos políticos do pós-guerra. E quase perdeu a fortuna da família.

Sobrou o suficiente para que Viktoria-Katharina Flick e o seu irmão gémeo, Karl-Friedrich Flick, possam declarar, aos 19 anos, que são os bilionários mais jovens do mundo. Cada um deles possui 1,8 mil milhões de dólares, segundo o Bloomberg Billionaires Index.

Por trás dessas riquezas, geridas com discrição por uma "family office" na Áustria, está a história sombria de uma das mais ricas dinastias industriais da Alemanha.

O património começou a crescer com Friedrich Flick, que passou três anos na prisão após condenação pelo tribunal de crimes de guerra de Nuremberga por usar trabalho escravo para produzir armamentos para os nazis, entre outros crimes. Criou um gigante siderúrgico, tomando empresas em territórios ocupados pelos nazis e na Alemanha através da chamada arianização — ou expropriação e venda forçada de empresas detidas por judeus. Segundo um estudo de 2008 sobre os seus negócios da altura nazi, 40.000 pessoas podem ter morrido a trabalhar nos projectos de Flick.

Flick saiu da prisão em 1950 depois do alto comissariado dos EUA para a Alemanha ter concedido indultos controversos a industriais alemães. Os EUA e o Reino Unido devolveram os seus negócios e dinheiro, incluindo um activo arianizado. Flick vendeu as operações de carvão e investiu os recursos em várias empresas, inclusive na Daimler-Benz, tornando-se posteriormente o maior accionista da fabricante de automóveis.

"Deixando de lado todos os padrões morais, Friedrich Flick teve a capacidade genial de se tornar a pessoa mais rica da Alemanha duas vezes", disse Thomas Ramge, autor de "The Flicks", uma história da família.

O filho Friedrich Karl Flick assumiu os negócios após a morte do pai, em 1972. Tornou-se o único proprietário do então maior conglomerado privado e não cotado em bolsa da Alemanha após adquirir as partes de três membros da família, em 1975. Naquele ano, vendeu o activo arianizado que restava — a siderurgia em Luebeck, no norte da Alemanha — à U.S. Steel.

Na década de 1980, o seu nome foi envolvido em doações políticas ilegais, num escândalo que provocou a renúncia do ministro da Economia e do presidente do Parlamento. Friedrich Karl Flick negou que tivesse conhecimento dos pagamentos e não foi indiciado. Em 1987, o seu sócio mais próximo foi multado por evasão fiscal e condenado a dois anos de prisão, com pena suspensa.

Quase uma década depois, Flick mudou-se para a Áustria, residência da sua terceira esposa, Ingrid Ragger, 32 anos mais jovem. Os dois conheceram-se quando ela trabalhava como recepcionista num resort de esqui. Flick morreu em 2006, quando Viktoria-Katharina e Karl-Friedrich, um minuto mais novo que a irmã, tinham 7 anos. Hoje, a fortuna dos gémeos é administrada pelo Flick Privatstiftung, uma "family office" com sede em Viena e em Velden am Woerthersee, na Áustria. Stefan Weiser, um integrante do conselho, preferiu não comentar sobre a dimensão da fortuna calculado pela Bloomberg.

"Como somos um escritório de uma única família, não divulgamos nenhum detalhe a pessoas de fora", afirmou Weiser por e-mail. Os gémeos não se mostraram disponíveis para entrevistas. As suas duas meias-irmãs, Alexandra Butz, 50, e Elisabeth von Auersperg-Breunner, 44, do segundo casamento de Friedrich Karl Flick, vivem em Munique e na Áustria. O património líquido das irmãs também é de 1,8 mil milhões de dólares cada. E também preferiram não comentar.

Texto original: The World’s Youngest Billionaires Are Shadowed by a WWII Weapons Fortune