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quinta-feira, 10 de maio de 2018

Maio de 68

A onda de choque provocada pela crise financeira despoletada em 2008, que alastrou às principais economias mundiais e apresenta contornos que levam a classificá-la como uma crise sistémica, continua a fazer-se sentir em muitos lugares pelo Mundo onde a situação social se apresenta suficientemente tensa para que aconteçam contestações, como a que há mais de um mês ocorre em França contra a reforma do acesso à universidade, a que se junta a contestação às reformas no sector dos caminhos de ferro propostas pelo governo Macron.

Para a geração que a viveu ficaram as memórias, palavras e imagens que ao longo dos últimos cinquenta anos têm procurado explicar e/ou justificar os acontecimentos da época, cuja abordagem superficial poderá revelar que após um curto período de contestação e agitação se seguiu a normalização que se impunha; porém o que então aconteceu em Paris não deve ser analisado fora do contexto do país, da Europa e do mundo e dela deveriam ser retirados ensinamentos.

Enquadramento local

A década de 60 do século XX terá sido uma das mais férteis em movimentações sociais, culturais e políticas; num ambiente de Guerra Fria e de contestação à actuação norte-americana no Vietname, surgia nos EUA um movimento cultural (mas também de contestação à guerra) que ficou conhecido como o movimento “hippie”, que no mercado emergente da música popular lançou nomes como os de Joan Baez, Janis Joplin, The Grateful Dead, Creedence Clearwater Revival, Crosby, Stills, Nash & Young, Carlos Santana e Jimi Hendrix, enquanto em Inglaterra surgiam grupos musicais como The Beatles e Rolling Stones inseridos numa onda de renovação musical com origens nos EUA, mas também de contestação aos valores morais vigentes na época.

Se recordarmos que as razões próximas para a agitação tiveram lugar na Universidade de Nanterre, que entre as principais reivindicações que os seus estudantes apresentaram se conta o livre acesso às residências estudantis (na época não era permitida a frequência dos edifício residenciais aos estudantes de sexos diferentes) e que a principal razão para o alastramento do movimento foi a invasão policial daquela cidade universitária decidida pelo reitor após uma tentativa de ocupação de uma residência de raparigas.

O desrespeito da ancestral regra de não intromissão das forças policiais na universidade foi o rastilho para sucessivas manifestações de estudantes noutros pontos do país e em especial na Sorbonne.

Numa época em que se registava a chegada de um número crescente de alunos ao ensino superior, fruto dos anos de crescimento económico no pós-guerra e do aumento da população (baby boom), e em que se mantinham inalteradas as mentalidades de professores e governantes, a irreverência própria da juventude e uma quase completa insensibilidade para lidar com ela acabou por crescer até ao ponto de Paris se ter transformado num campo de batalhas quase diárias entre estudantes e polícia. Foi o período das barricadas (recordando os antigos tempos da Comuna de Paris) e aquele que celebrizou a praia que existia por baixo das calçadas (referência a um dos slogans mais populares do Maio de 68 – «Sous les pavés, la plage», que se pode traduzir por: a praia sob a calçada – e que resultou do facto de durante a construção das barricadas e do seu “municiamento”, mediante recurso aos paralelipípedos que então pavimentavam a zona, ter sido posto a descoberto a camada de areia onde aqueles assentavam) do Quartier Latin, bairro parisiense onde se localizam as principais instalações universitárias da cidade.

Naturalmente a década que via a geração do pós-guerra atingir a maioridade e um relativo desafogo económico marcou também a natureza política dos acontecimentos estudantis que ocorreram nos EUA, Alemanha, Checoslováquia, Japão, Itália, México e Brasil, mas foi em França onde esta nova realidade foi mais longe. Originado num movimento de contestação estudantil iniciado em Março, ampliar-se-ia até colocar o país numa situação próxima da greve geral; em Maio, no apogeu da crise o presidente Charles de Gaulle chegou a procurar refúgio em instalações militares na Alemanha, enquanto o governo, liderado por Georges Pompidou, propunha a realização de eleições antecipadas.

Esta medida viria a revelar-se essencial para a sobrevivência de um sistema político que no início da crise estudantil revelou a maior inépcia e incapacidade para enfrentar uma situação que escapava aos padrões normais da época, pois os estudantes que não reivindicavam melhor ensino ou melhores condições nas universidades, mas o fim das discriminações de âmbito sexual (na época o acesso às instalações universitárias femininas estavam vedadas aos alunos masculinos) rapidamente evoluíram essas reivindicações em resposta à ocupação policial do campus universitário ordenada pelo governo.

Com o Quartier Latin transformado em campo de batalha entre estudantes e a polícia e com a crescente politização do movimento, a situação aproximou-se do incontrolável. As forças políticas tradicionais, qualquer que fosse o quadrante político em que se inseriam, revelaram enormes dificuldades em entender as motivações dos estudantes e estes, movidos principalmente pela irreverência e por um forte sentido de contestação, ainda que ideologicamente divididos entre maoistas, trotskistas e anarquistas, lograram organizar uma plataforma de resistência a que os slogans e as palavras de ordem da época (uma ideia sobre a variedade, a ingenuidade e a engenhosidade destes slogans pode ser obtida através da consulta deste endereço na Net: http://users.skynet.be/ddz/mai68, onde o seu autor compilou centenas deles) deram visibilidade.

O movimento alastra quando o SNE (sindicato dos professores do ensino superior) se pronuncia a favor dos estudantes e mesmo a oposição da CGT (a principal confederação sindical francesa) virá a revelar-se ineficaz; as tentativas dos líderes da CGT, como Georges Séguy, e do PCF para desacreditarem as movimentações estudantis, apelidando-as de pueris, pequeno-burguesas e esquerdistas, colhem pouco ou nenhum eco quando pequenos sindicatos de empresa começam a ocupar fábricas, a solidarizar-se com os estudantes e a formalizar novas reivindicações.

De um pequeno incidente no meio estudantil o movimento de contestação alastrava ao mundo laboral e quando a RENAULT entra também em greve a situação no país tende a deteriorar-se, a ponto dos trabalhadores prolongarem a greve após os sindicatos terem obtido a concessão de aumentos de 10% e de 35% para o salário mínimo.

Receando a queda do governo, o presidente Charles de Gaulle (general que liderou o processo de resistência à ocupação alemã durante a II Guerra Mundial, exerceu os cargos de primeiro-ministro entre 1944 e 1946 e entre 1958 e 1959 e o de presidente da república entre 1959 e 1969) dissolve a Assembleia Nacional e convoca eleições antecipadas. Às manifestações dos estudantes sucedem-se manifestações pró-de Gaulle e a crescente convergência entre gaullistas e demais agrupamentos de centro e de direita concluir-se-á com uma vitória, nas eleições de Junho, do partido do presidente (UDR – União Democrática Republicana) e um recuo dos partidos de esquerda.

Depois dos quentes dias de Maio, que viram emergir entre o movimento estudantil figuras como Daniel Cohn-Bendit (popularizado com o nome de Dany Le Rouge e hoje eurodeputado pelos Verdes, outras figuras da cultura e da política viveram o Maio de 68, entre as quais se salientaram: Jean Paul Sartre, filósofo existencialista que cedo se declarou a favor dos estudantes e que viria mais tarde a colaborar na fundação do jornal Libération, considerado como um dos produtos de Maio de 68; Louis Aragon, poeta e um dos fundadores do movimento surrealista, militante comunista que talvez devido à posição dúbia do PCF sofreu o repúdio dos estudantes quando procurou solidarizar-se com eles; Bernard Kouchner, médico e ex-ministro dos negócios estrangeiros do governo de Nicolas Sarkozy, fundador da ONG Médicos Sem Fronteiras e que na época liderou as greves na Faculdade de Medicina; Alain Krivine, líder da Liga Comunista Revolucionária (trotskista) e das manifestações estudantis veio a ser detido após a ilegalização da LCR e mais tarde candidato às presidências de 1969 e 1974 e eurodeputado) e saltar para a rua e para o léxico popular exigências de liberdade, afirmação pessoal, novos valores sociais, culturais, políticos e até sexuais, a França (e o Mundo) pareceram ter readquirido a calma e a pacatez anteriores e própria dos valores conservadores, mas as aparências iludem…

O que o Parlamento pode – e talvez deva – fazer sobre a CGD

Há três anos, estava a terminar o já longínquo ciclo da troika, e tínhamos passado por inquéritos parlamentares aos casos BPN e BES  ousei escrever no meu blogue pessoal um post CGD – o inquérito que falta, – defendendo que se apurassem as condições em que, à vista de toda a gente, a CGD, banco público, financiou uma aquisição hostil de um banco privado, o BCP, e  a forma como foram geridas as operações espanholas.

Os funcionários públicos podem passar mais um ano sem aumentos, mas têm o direito de saber quem são os principais devedores da CGD, que ficaram a dever milhões e milhões de euros, que dava para dar muitos aumentos à função pública[i]

que me faz lembrar a candidatura, há uns trinta anos, do também economista e deputado Carlos Carvalhas à presidência da câmara de Lisboa, o qual afirmava que com a verba inscrita no Orçamento do Estado no código 31.00 – “Aquisição de serviços não especificados” se podia resolver os problemas de Lisboa, e, na mesma altura, as palavras de ordem da UDP que faziam eco de consignas (compreensíveis, se não mesmo justas) do Brasil e de outros países no sentido de “não pagar a dívida externa”, juntando-lhes um portuguesíssimo “e pagar os salários em atraso” com o dinheiro correspondente.

Temos em Portugal desde o início da consolidação do regime democrático uma tradição de governo, alicerçada, entre outros diplomas, nas Bases Gerais das Empresas Públicas de 1976, que, e muito bem, exclui a parlamentarização da vida das empresas públicas, afastando a formulação de perguntas ao governo e de recomendações sobre a sua gestão. Igualmente, mas com menos sucesso, vimos tentando afastar a governamentalização das empresas que não foram privatizadas. Por outro lado, também desde o início se assentou que as empresas públicas deveriam remunerar o capital investido e ser compensadas por obrigações não comerciais que lhes fossem impostas.

A Caixa era já um estabelecimento público de crédito com apreciável autonomia antes da nacionalização da banca e foi desenvolvendo esta autonomia até à passagem a sociedade anónima e à criação em seu torno de um grupo financeiro, tendo perdido a estrutura de seguros nos movimentos de privatização mas mantido as valências bancárias. Foi durante muito tempo uma fonte de receitas para o Estado. Todavia não basta dar como orientação às suas regiamente pagas administrações que a CGD seja um banco como outro qualquer, ou mais comezinhamente, que procure voltar aos lucros. Talvez se justifique que em Lei aprovada pelo Parlamento fique consignado que a Caixa Geral de Depósitos tem de ser um banco de referência do sistema.

Um  banco de referência deve, a meu ver:

  • assegurar em condições competitivas, mas evitando uma exposição excessiva, o apoio a particulares e  empresas, em todas as modalidades
  • recusar a cartelização com outros bancos e contribuir para a inovação

sendo que o financiamento de grandes investimentos, sozinha ou integrada em sindicatos bancários, terá de ser objecto de uma ponderação muito mais atenta do que até aqui.

Deixem-me ser polémico: não afasto o cenário de que a CGD seja solicitada a colaborar em investimentos com formação de capital fixo ou em investimentos financeiros patrocinados ou apoiados pelo Governo[ii], mas que isso seja discutido em reuniões formais entre delegações, com actas e decisões  dos Conselhos de Crédito, e não entre administradores do banco e membros do Governo  nos gabinetes destes.

Quanto ao passado, acredito que poderá ser útil, do ponto de vista político[iii]:

  • apurar todas as  circunstâncias, motivações e decisões associadas ao financiamento da aquisição hostil do BCP que a CGD, como é público, apoiou;
  • clarificar o que correu mal – desde o início – na operação espanhola da CGD.

No caso do take over sobre o BCP talvez seja possível dizer que existia uma oportunidade de negócio, e que o problema para a CGD foi ter aceite como garantia em  parte dos empréstimos concedidos os próprios lotes de acções a adquirir. Mesmo assim o apoio à aquisição de um concorrente deveria carecer de autorização expressa do Governo. Não  se pode, à luz do que veio a público, excluir que a motivação fosse retirar à Opus Dei o controlo do banco-alvo, e haverá que saber nesse caso se houve um centro de decisão político que orientasse o processo. E ainda que a explicação seja simplesmente que Carlos Santos Ferreira, Armando Vara e um terceiro administrador apoiaram o negócio com a perspectiva de se transferirem, como veio a suceder, para a administração do BCP, tal não seria menos reprovável.

Repare-se que não estou a criticar a actuação da CGD (apenas) por a operação ter gerado crédito mal parado. Ainda que a intervenção se tivesse saldado por  um sucesso financeiro, o que aconteceu foi inadmissível e não se deverá voltar a repetir. É importante que esta porta seja fechada, e a melhor forma de o fazer é o Partido Socialista assumir um mea culpa no Parlamento, em sede ou não de inquérito parlamentar.

O caso do insucesso da operação espanhola é um tanto diferente pois, tanto quanto me apercebi, as coisas correram mal desde a era Guterres. Não é em vão que a Espanha é um país que se não deixa penetrar por operadores estrangeiros, os quais encontram frequentemente barreiras com que não contavam. Sem prejuízo de se ter em conta este backgroundhá algumas operações, como a da ARTLANT, em Sines – uma fábrica novinha em folha que teve de ser vendida por tuta e meia – que mereciam ser alvo de inquérito parlamentar, nem que fosse a título de “estudo de caso”  em escola prática de formação de políticos[iv].

A  CGD deve incluir nas suas missões o apoio à internacionalização das empresas portuguesas e, dentro das possibilidades, articular-se com a AICEP na captação de investimento estrangeiro.  Até ver, no entanto, Espanha já é “caso julgado”  para a Comissão Europeia: a reestruturação da CGD implica o encerramento da operação espanhola e os bancos espanhóis têm, em matéria de fusões e aquisições bancárias, pulso livre em Portugal.

Para já, o petróleo sobe ...

Quinta Emenda

Tenho o direito de ficar calado. Mas não fico!

Eduardo Louro

  • 09.05.18

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Sabe-se que Trump não lê. Não lê nada, nem relatórios de segurança, nem sequer pequenas notas ... Nem ouve, especialmente conselhos avisados. Não ouviu Macron. Nem Merkl. Nem May. Mas ouve Netanyahu. E ouve Salman. E gosta do que ouve, soa-lhe bem...

E então, pois claro - rasgou os acordos de desnuclearização assinados com Irão, em Viena, há menos de três anos, como de Telaviv e de Riade reclamavam. E é isso: um ultra fanático israelita e o não menos fanático, sanguinário e terrorista regime árabe manipulam como uma marioneta a figura a quem o mais poderoso país do mundo entregou o seu destino. E põem e dispõem da paz mundial!

Para já, o petróleo sobe... Mas isso é o que de menos mau aí vem!

Ordenado mínimo abaixo dos mínimos

Novo artigo em Aventar


por António Fernando Nabais

Segundo a CGTP, o salário mínimo, caso tivesse sido actualizado desde 1974, seria, actualmente, de 1268 euros, tendo em conta a inflação e a produtividade.

Não possuo dados que permitam confirmar ou desmentir esta afirmação, mas parece-me óbvio que, tendo em conta os factores apontados, o salário mínimo não poderia corresponder ao valor actual. Também me parece óbvio que uma pessoa, em Portugal, não pode viver, mal pode sobreviver, com o actual salário mínimo. Mais: quem ganha o dobro do salário mínimo, consegue sobreviver, porque viver é outra coisa.

Se, numa família com dois ou três filhos, houver dois salários mínimos, chegamos a um ponto em que o único pensamento é o de saber como chegar ao fim do mês com as contas todas pagas, num exercício de malabarismo cansativo ao ponto de ser desumano.

Os empresários também são gente, é verdade, e também têm contas para pagar, são também assaltados por um Estado que está ocupado, há vários anos, por gente que está ao serviço de interesses privados poderosos.

É tudo muito complexo, é verdade, mas, num país civilizado, é preciso, no mínimo, pensar nas pessoas, a única razão de ser de um país, ao contrário do que gente indiferenciada chegou a afirmar.

As trincheiras e os ratos

por estatuadesal

(Miguel Romão, in Público, 09/05/2018)

romão

Até ao momento os processos judiciais envolvendo José Sócrates e Manuel Pinho parecem ter produzido um resultado: quem se sinta livre para apreciar de forma crítica qualquer actuação processual, desde logo do Ministério Público, ou qualquer aberração da imprensa, corre o risco sério de ser imediatamente considerado um apologista da corrupção, um vendido aos donos disto tudo, um defensor encarniçado e, logo, provavelmente também corrompido por aqueles que caíram agora em desgraça.

Parece que só duas posições extremas são possíveis. Ou se está em absoluto pela “limpeza”, essa solução final que permite justificar tudo, ou se está contra essa impoluta e virtuosa posição, do outro lado da trincheira, ombro com ombro, camarada das sombras e chafurdando em maços de notas que se espalham displicentemente aos nossos pés.

Duvidar da bondade de soluções como uma prisão em directo nas televisões, presumindo necessariamente um conluio populista e justiceiro entre jornalistas e magistrados; ou espantar-se com a retransmissão televisiva de interrogatórios; ou mesmo questionar a duração de um inquérito e a sucessiva e impune violação do segredo de justiça ao sabor das conveniências dos interessados, só pode então significar uma coisa, que é essas críticas virem de alguém motivado pelo “mal”.

Falar de direitos fundamentais, de princípios processuais, de investigações que cabem à justiça – presumindo-as mais exigentes e imparciais do que as feitas por jornalistas – tornou-se um discurso impossível sem que se seja associado à defesa da podridão na coisa pública.

Claro que são conhecidos hoje alguns factos e várias dúvidas que não aconselhariam José Sócrates para o exercício de cargos públicos. E isto não é – já imagino os comentários – o maior understatement do dia... É apenas o que existe até ao momento. Mas a “alternativa digna” será, portanto, aceitar tudo o que nos é posto à frente desde que seja alegadamente em nome da “luta contra a corrupção”? É isso que também o PS afinal quer, como espécie de libertação moral desse agora descoberto jugo – democrático – que foi o período 2005-2011? Espero bem que não, porque a história ensina à saciedade que em nome da moral pública e da luta contra as corrupções se construíram, no meio dos festejos e da alegria popular, máquinas de barbárie e de opressão em quase todos os séculos. Dizer isto é ser “socrático”, um defensor das sombras na governação ? Bem, se for, estamos pior do que julgamos.


Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa