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sábado, 12 de maio de 2018

Isabel Ventura. “Se o La Manada acontecesse em Portugal as ruas não ficariam cheias”

12 Maio 2018

Ana Cristina Marques

Protestos contra o La Manada ainda enchem as ruas de Espanha, mas, por cá, a adesão seria diferente, diz Isabel Ventura. Académica fala da "pornificação" das descrições judiciais nos crimes sexuais.

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Linguagem pornográfica nas descrições judiciais e uma cultura que desincentiva as vítimas de crimes sexuais a falar são algumas das críticas feitas por Isabel Ventura, docente convidada na Escola de Direito da Universidade Católica do Porto, onde coordena o seminário de mestrado “Direito e Género: o caso dos crimes sexuais”. Numa altura em que continuam os protestos contra a sentença aplicada ao grupo La Manada, que violou uma jovem de 18 anos em Espanha, chega às livrarias portuguesas um livro que explora a forma como o sistema judicial português tratou e trata os crimes sexuais. A obra “Medusa no Palácio da Justiça ou Uma História da Violação Sexual”, da editora Tinta da China, resulta da tese de doutoramento de Isabel Ventura, um trabalho que já valeu à autora o Prémio APAV Investigação.

Em entrevista ao Observador, Ventura fala também em esquadras e tribunais portugueses que “não estão preparados para dar privacidade às vítimas” e de um sistema que “desculpabiliza o agressor” — quanto mais capital social este tiver, mais desconfiança recai sobre quem acusa. Isabel Ventura assegura que, no geral, as mulheres são menos criminosas do que os homens e que, quando o são, são menos violentas e define ainda o pénis enquanto “protagonista” de acórdãos judiciais e argumenta que, muitas vezes, “o que se está a definir é sexo e não violência.”

“Acho que [a justiça portuguesa] falha quando das 100 queixas apenas 11 chegam a julgamento. Falha porque não garante às pessoas que sofrem processos traumáticos condições para se sentirem em segurança durante todo o processo”, diz em entrevista ao Observador.

O livro é editado pela Tinta da China e está à venda por 21,50 euros.

O livro agora publicado pela Tinta da China resulta de uma tese de doutoramento. Que investigação está na base da obra?
Dividi a tese [de doutoramento] em três partes. No livro apenas estão duas. Acabámos — eu e a editora — por abdicar das representações da magistratura, que consistiam em entrevistas feitas a magistradas e a magistrados, quer judiciais quer do Ministério Público, para perceber que imagens tinham do que é uma violação, do que é uma verdadeira vítima, uma vítima credível e um agressor… Fiz 20 entrevistas.

Dessas entrevistas é possível definir um padrão tendo em conta a forma como os magistrados olham para a vítima e para o agressor?
É possível encontrar reproduções de estereótipos, mas 20 entrevistas significam que o trabalho é qualitativo e não quantitativo. Quer isto dizer que não se pode extrapolar que, a partir das entrevistas, toda a magistratura pense daquela forma. Cientificamente não seria correto.

De que reprodução de estereótipos está a falar?
Dou aulas na Católica do Porto. Costumo dar aos meus alunos um esquema do que é uma violação credível. Esse esquema baseia-se na citação de um entrevistado, que estava a explicar-me o que era uma acusação credível — quando perguntava o que era uma vítima credível, as pessoas respondiam-me que não há vítimas credíveis, mas sim acusações credíveis… A citação desta pessoa foi dada relativamente à seguinte situação: uma mulher foi violada por um sem-abrigo, um agressor disfuncional, que corresponde a estereótipos relacionados com comportamentos desviantes, sem capacidade de atração erótica; a vítima pediu imediatamente ajuda; havia vestígios de violência e a roupa estava meio rasgada. Nesta sequência há uma série de imagens que comprovam mais facilmente o uso de violência física sobre aquela pessoa. Há outra coisa muito importante neste esquema todo: a relação de desconhecimento entre agressor e vítima ou entre acusado e acusador. A relação de desconhecimento entre estas duas personagens é um princípio muito grande, que é tido em conta pela acusação com muito menos desconfiança do que se houver uma relação de conhecimento.

"Há imagens que associamos a pessoas com comportamentos desviantes e que temos sobre o que é um violador. Nessas imagens não entram pessoas bem falantes, com muito capital social."

Porque é que isto acontece?
Há imagens que associamos a pessoas com comportamentos desviantes e que temos sobre o que é um violador. Nessas imagens não entram pessoas bem falantes, com muito capital social, que tenham um grande valor simbólico em termos sociais. Essas pessoas não entram no nosso imaginário como tendo comportamentos desviantes, muito menos na área da agressão sexual. Até porque uma das ideias é: se a pessoa tem capital erótico, não precisa de violar ninguém; se a pessoa tem dinheiro, também não precisa de violar ninguém — compra.

Quem tem poder de decisão no tribunal também tende a pensar assim?
Se pensarmos que quem toma decisões judiciais cresce dentro da sociedade… Obviamente que não é toda a gente que pensa assim. Haverá certamente pessoas que aderem mais aos mitos da violação do que outras. Isso acontecerá também dentro da magistratura. Agora, não é difícil encontrar em sede de práticas… Gostaria de não estar a elogiar as pessoas que, à partida, fazem bem o seu trabalho. Que haja um acórdão [que espelhe isto] já é grave, mas tantos quanto os que emergem… é muito grave.

Em Espanha, os cinco homens do grupo “La Manada” foram condenados a nove anos de prisão, por abuso sexual e não por violação. Os protestos contra esta sentença ainda se fazem sentir: esta quinta-feira milhares de pessoas saíram às ruas de Madrid entoando cânticos contra o sistema judicial. Acha que, de um modo geral, as pessoas estão mais sensibilizadas para a agressão sexual?
Em Espanha? Sim, claramente, é uma coisa que me emociona imenso. Eles foram condenados a nove anos, é imenso. O nosso crime de violação vai até 10. E teres esta capacidade de mobilização tão persistente é uma coisa que me deixa completamente emocionada. Durante o julgamento, o comportamento da vítima foi claramente escrutinado, avaliado e julgado. Ela foi criticada por um conjunto de comportamentos que teve antes, durante e após o crime, que correspondem à ideia de que as verdadeiras vítimas não se comportam de uma determinada forma. Daquilo que me parece, estas pessoas estão a reclamar o facto de não se estar a reconhecer a violação. Ou seja, eles [os cinco elementos do grupo La Manada] foram condenados por abuso sexual. Existe o reconhecimento de um crime, mas não é o de violação, porque se considerou que não houve violência explícita — as palavras importam.

Os portugueses ficariam igualmente sensibilizados caso isto tivesse acontecido cá? As ruas portuguesas não ficariam cheias?
Seguramente que não. Claro que não. Acho que em Portugal se tem vindo a falar cada vez mais sobre violência sexual, o que é bom — quando comecei este trabalho, o único jornal que falava sobre violência sexual era o Correio da Manhã. Mas, tirando aquelas pessoas que já têm uma perspetiva mais informada, não acho que haja uma alteração substancial, no sentido em que as pessoas estão mais informadas acerca do que é a violação. Fiquei um pouco perplexa quando percebi que várias pessoas não tinham ideia que é crime, ou que pode ser crime, ter sexo com alguém que está muito embriagado — é uma coisa que está na lei há anos infinitos. Ninguém discute que há determinadas situações em que não temos capacidade para decidir, isso não é discutível. O que é discutível é quando é que não tens essa capacidade. Quando aconteceu aquilo no autocarro, no Porto, achei incrível o facto de as pessoas não terem a menor ideia do que estavam a falar.

É verdade que quando emergiram os acórdãos [polémicos] na imprensa, há relativamente pouco tempo, houve alguma mobilização e solidariedade, com muito esforço por parte de algumas organizações, mas não há a mesma adesão. Não vemos ruas e ruas cheias, são as mesmas pessoas de sempre e mais algumas.

Quais os acórdãos mais inacreditáveis que já leu?
Não me consigo lembrar. Quando comecei a ler os primeiros acórdãos, ainda antes de ter a bolsa… eram de uma violência horrível. A forma como descrevem as coisas é pornografia.

Mas houve algum acórdão que a marcasse mais?
Várias decisões não estão integralmente publicadas, são excertos. Aliás, várias decisões não estão publicadas, estão em coletâneas de jurisprudência. Consultei algumas delas. Cheguei até elas através da análise da doutrina. Ou seja, há códigos penais anotados de pessoas que são consideradas referências no mundo jurídico, que dizem qual é o sentido da lei e dão exemplos. Outra das coisas que me espantou imenso foi quando estava a ler a doutrina… Eu não sabia que a lei tinha uma plasticidade tal, a ponto de, para os mesmos factos, haver interpretações tão diversas que fazem com que, por vezes, o enquadramento legal seja diferente. Em vez de ser um crime é outro — em vez de ser abuso sexual é, por exemplo, coação sexual. Estes crimes diferentes podem ter molduras penais realmente diferentes. Outra coisa que me surpreendeu foi a forma como se discutia intensamente o corpo feminino, o escrutínio do que é a virgindade — parecia haver uma obsessão imensa em saber o que é a virgindade — páginas e páginas a dissertar sobre isso.

"Eu não sabia a lei tinha uma plasticidade tal, a ponto de, para os mesmos factos, haver interpretações tão diversas que fazem com que, por vezes, o enquadramento legal seja diferente. Em vez de ser um crime é outro -- em vez de ser abuso sexual é, por exemplo, coação sexual."

Porque é que isso interessa?
Porque havia um crime, o estupro, cujo bem jurídico supostamente protegido era a inexperiência. Basicamente, o crime de estupro era a sedução de uma mulher virgem dentro de um determinado quadro etário. O estupro existiu até 1995. Depois foi-se transformando em crimes contra adolescentes. Eventualmente transformou-se em abuso sexual de crianças até aos 14 anos. Muitas vezes, o que acontecia é que havia uma discussão imensa sobre o que era a cópula — se a introdução parcial ou integral podia mudar, por exemplo, de atentado ao pudor para violação, sem se ter em conta que aquele corpo e aqueles atos vieram de uma pessoa, de um ser humano. Isso foi uma coisa que me surpreendeu.

No livro faz referência ao facto de o agressor ser o “grande protagonista” na sala de tribunal, em detrimento da vítima, que é reduzida à pessoa que recebe o ato…
Isso tem que ver com outra coisa, com a pornificação das descrições judiciais, que são assustadoras. Ninguém se exprime dessa maneira. Arguidos não se exprimem dessa maneira no tribunal — eu vi. Nem os arguidos, nem as vítimas, nem a lei. Fazendo uma comparação com as descrições de agressão física… Ninguém descreve “Espetou a faca no externo e deixou-a aí dois minutos”. Quem me chamou à atenção para isto foi um advogado que entrevistei, que me disse “Já reparou como o nosso Direito é a sociedade falocêntrica da penetração? Já reparou que não há um único acórdão que não tenha o pénis ereto?”. Porque é que o pénis tem de estar ereto? E qual é a necessidade de escrever “movimentos de sucção”? Isto não é uma idiossincrasia portuguesa, isto verifica-se noutros ordenamentos jurídicos. Há várias autoras inglesas que anotam isso — uma autora inglesa refere até que as atas dos julgamentos eram passadas como literatura pornográfica nas cadeias.

Acho que hoje isto se mantém porque os tribunais de primeira instância temem que possa existir uma inviabilização do recurso precisamente pela falta de descrição. Imagino que seja isto, que seja uma reprodução de práticas. Falei com várias pessoas da área do Direito — do Ministério Público e da magistratura judicial — que dizem que realmente não faz sentido nenhum que as coisas sejam assim.

É uma questão cultural?
É cultural, claro que sim, e espelha uma cultura falocêntrica, sem sombra de dúvida, em que o pénis é o protagonista, é o centro do sexo e o que se está a definir frequentemente é sexo e não violência. Não quer dizer que não possa haver sexo violento, não é essa a questão. Quando as pessoas respondem que [violação] é sexo em vez de violência, pergunto: é sexo para quem? Quando parti para este trabalho não tinha pensado numa série de coisas que foram emergindo.

"Quem me chamou à atenção para isto foi um advogado que entrevistei, que me disse 'Já reparou como o nosso Direito é a sociedade falocêntrica da penetração. Já reparou que não há um único acórdão que não tenha o pénis ereto?'"

Os papéis do agressor e da vítima vão-se alterando ao longo do tempo?
Sem dúvida. E as principais alterações são muito recentes. Durante mais de um século tivemos imagens muito cristalizadas e diria que, a partir de 1995 — mas com um grande aprofundamento em 1998 — há uma ideia nova relativamente à violação. Quando entrámos nos anos 1990 começámos a olhar para estes crimes como crimes que afetam a liberdade sexual das pessoas; liberdade que é tão atingida quando há cópula ou quando há outras penetrações em causa.

Falta definição na lei para os crimes sexuais?
Não diria que falta definição. Antes de mais, acho que falta a questão do consentimento, na minha perspetiva. Ou seja, [é preciso] que a violação não seja um crime apenas centrado na violência, na ameaça grave ou na incapacidade de resistir — aliás, o facto de estar na lei o crime de “abuso sexual de pessoa incapaz de resistir”, significa que as outras têm de ser capazes de resistir. Mas, além disto, na minha perspetiva, deveria ser explícito que o crime se baseia no dissentimento da vítima, isto é, na falta de consentimento. É fundamental que todas as pessoas envolvidas [num processo de violação], dos agentes aos oficiais de justiça, incluindo o Ministério Público, estejam informadas quanto aos processos típicos de vitimação e em relação às reações típicas que muitas vezes se afastam diametralmente dos estereótipos que temos.

Isabel Ventura ao centro, durante a apresentação do livro.

A conversa muito atual sobre o assédio sexual pode, de alguma forma, abafar/atrapalhar a discussão que este livro pretende promover?
Acho que não. O assédio sexual faz parte da violência sexual. Na minha tese tenho uma parte não muito aprofundada sobre o assédio sexual porque ele não é crime. Em Portugal o assédio sexual não é crime. É uma contraordenação grave se acontecer no trabalho.

Mas está englobado no crime de importunação sexual do Código Penal…
Tenho dificuldades em considerar esse artigo como incluindo o assédio. Mas, obviamente, há interpretações nesse sentido. Mesmo em relação à formulação que veio criminalizar o assédio de rua. Há a ideia de que o Código Penal é muito intrusivo na vida das pessoas, em particular na do arguido — esquecem-se que na da vítima também o é. Em termos abstratos, podemos pensar que é o arguido quem pode perder a liberdade, mas muitas vezes a vítima já perdeu essa liberdade, já perdeu a sua paz de espírito.

"Em Portugal o assédio sexual não é crime. É uma contraordenação grave se acontecer no trabalho."

No livro fala no “obscurecimento da incidência do crime”. Há menos queixas de violação sexual do que casos reais?
Isso há em quase todos os crimes. Quando analisamos a incidência de um crime de violência, em particular de violência sexual, temos de cruzar os dados oficiais (os dados das pessoas que apresentaram queixa) juntamente com os dados das ONG que recebem as vítimas. Há ONG que dão apoio a vítimas que nunca apresentaram queixa — a APAV é exemplo disso. A discrepância é sempre grande. Quando temos a divulgação de determinados acórdãos, ainda que sejam de violência doméstica, que revelam uma enorme incompreensão relativamente aos processos traumáticos e às reações típicas das vítimas, que naturalizam a violência masculina e a descredibilizam, aludindo a direitos de disciplina ou a tradições… que mensagem é que isto passa às pessoas?

Temos uma cultura que desincentiva as vítimas a falar?
Sem sombra de dúvida. Vou dar exemplos de coisas que conheço, o que não significa que não haja outros exemplos: o caso de uma vítima [de violação] que se vai queixar à polícia e que os agentes lhe dão um cartão e dizem “se o vir, ligue-me”; ou os casos em que obrigam a vítima ir várias vezes à mesma esquadra… Isto é uma forma de desincentivo para que as pessoas continuem [o processo de queixa]. As esquadras e os tribunais destes países não estão preparados para dar privacidade às vítimas. Há sempre esta ideia de que as pessoas são responsáveis, em certa medida, por assegurar a integridade dos seus bens jurídicos.

"Há ONG que dão apoio a vítimas que nunca apresentaram queixas -- a APAV é exemplo disso. A discrepância é sempre grande."

As vítimas são o elo mais fraco no sistema judicial português?
Se falarmos [só] do sistema judicial português, diria que todas as vítimas de todos os tipos de crimes [são o elo mais fraco], porque o sistema penal é muito desequilibrado. Isto é, há muitas interpretações. Saímos de uma ditadura em que os direitos e as garantias dos arguidos não eram respeitados — agora, acho que estamos pura e simplesmente a ignorar os direitos e garantias das pessoas que são testemunhas porque foram vítimas de um crime.

As vítimas ainda são inquiridas pelo grau de prazer sexual no ato de violação?
Não sei dizer. Nos julgamentos a que assisti isso não acontecia.

Mas isto faz parte da história jurídica portuguesa?
Faz, claro que sim. Acontecerá certamente em muitos momentos do processo. Nem tudo acontece na sala de audiência — o resultado do acórdão é ele também uma reconfiguração das narrativas, ou seja, nem tudo aparece nos acórdãos. Pode nem partir do tribunal, mas sim da defesa que alude a isso. Há literatura científica que diz claramente que não se pode tirar nenhuma conclusão relativamente a consentimento por haver ou não vestígios forenses relacionados com lesões. E a questão do prazer é muito variável: como é que se prova o prazer sexual de uma mulher? Na maioria das vezes, as provas com que os tribunais têm de decidir não são provas que atestem o uso de violência inequívoca — por isso é que os magistrados e as magistradas dizem que a prova rainha é a testemunha da vítima.

É preciso ver como é que se constrói a credibilidade do acusador e do acusado. Porque depende muito de quem estamos a acusar. Se uma mulher acusa alguém que conhece, isto é logo um motivo de desconfiança. Caso seja um desconhecido, o caminho que se percorre é outro. E depois quem é que vou acusar? Um homem de negócios, uma figura pública? Vou ter sucesso? Quem sou eu? Os meus amigos vão acreditar em mim?

Ainda se desculpabiliza o agressor?
Claro. Sobretudo se for um agressor com muito capital social — isto é, se toda a sua trajetória foi coincidente com aquilo que nós, enquanto sociedade, consideramos como algo de sucesso. Se estiver a acusar um arguido jovem com algum capital erótico, vai haver uma desconfiança. Porque é que não houve uma grande desconfiança, antes espanto, com o violador de Telheiras? Não havia grandes possibilidades para se negar que ele cometeu os crimes, mas ele não correspondia aos nossos estereótipos: andou na faculdade, tinha namorada, ia ao ginásio, era jovem… Se tivesse havido apenas uma vítima, se calhar a maioria de nós duvidava. Temos a imagem do violador como aquele que não consegue ter sexo de outra forma, aquela visão muito biologizante, evolucionista, como se todos os homens que violam procurassem satisfação sexual da forma como estamos habituados a pensar em sexo.

"Se estiver a acusar um arguido jovem com algum capital de erótico, vai haver uma desconfiança. Porque é que não houve uma grande desconfiança, antes espanto, com o violador de Telheiras? Não havia grandes possibilidades para se negar que ele cometeu os crimes, mas ele não correspondia aos nossos estereótipos: andou na faculdade, tinha namorada, ia ao ginásio, era jovem…"

O que procura, então, o violador?
Procura poder, reafirmação de poder utilizando diferentes dimensões. Uma delas é a humilhação sexual. Procuram poder e a reafirmação da masculinidade, sem sombra de dúvida.

Onde é a justiça portuguesa mais falha no que aos crimes sexuais diz respeito?
O sistema judicial tem imensos filtros, nem tudo chega a tribunal e nem tudo chega a um julgamento. Nem todas as queixas se transformam num julgamento. Existe um estudo que abrange Portugal, cujos resultados foram publicados em 2008. A equipa acompanhou 100 queixas apresentadas no DIAP Lisboa e, se não estou em erro, apenas 11 chegaram a julgamento. O que acontece é que as queixas se erodem, há um processo de erosão em que elas se perdem no sistema judicial. Perdem-se porque as vítimas desistem de apresentar queixa ou, então, retiram a queixa. O que se verificou no estudo é que a maior parte das vítimas que retirou ou desistiu da queixa estavam a acusar alguém conhecido — seria necessário explorar se o motivo por que desistiram das queixas estaria ou não relacionado com pressões nesse sentido.

Acho que [a justiça portuguesa] falha quando das 100 queixas apenas 11 chegam a julgamento. Falha porque não garante às pessoas que sofrem processos traumáticos condições para se sentirem em segurança durante todo o processo. Quando se pergunta às vítimas o que as faz apresentar queixa ou desistir, uma das razões tem que ver com o medo ou a desmotivação — quanto mais medo de retaliações ou falta de apoio tiverem, mais vezes desistem. O medo que ainda hoje existe tem sido cultivado durante séculos. A promoção do silêncio feminino, em particular em relação a esta matéria, é uma coisa… devastadora. Não exijo que a justiça seja empática [para com as vítimas], exijo que respeite os direitos humanos.

A ajudinha de Trump ao “comércio livre”

Novo artigo em Aventar


por Ana Moreno

Cecilia Malmström, a amazona europeia do comércio livre, tem um objectivo claro: arrematar o maior número possível de acordos comerciais e de investimento antes das próximas eleições europeias, marcadas para Maio de 2019.

Até lá, a coisa corre-lhe de feição, contando até com uma ajudinha de Trump. Porquê? Se por um lado o proteccionismo trumpista está a dar fortes dores de cabeça à comissária por via da ameaça de aumento das tarifas sobre o aço e o alumínio, por outro lado está a facilitar-lhe o trabalho. É que os vigorosos e alargados protestos de milhões de cidadãos europeus durante as negociações do TTIP e do CETA quedaram emudecidos, neutralizados, por via da sonora lógica maniqueísta: Trump é proteccionista e MAU, portanto o comércio livre é BOM. É como dizer que quem critica as derivações perversas do capitalismo é comunista. Uma estratégia populista e fácil, de que a Sra. Malmström se utiliza e desfruta para enfiar as esporas anti-democráticas e passar a galope acordos para o comércio dito “livre”, entendido à boa maneira neoliberal: privatização, liberalização, desregulamentação. Desenvolvimento sustentável?? Fica emoldurado para inglês ver num capitulozito muito jeitoso e simbólico, sem sanções. Porque o resto das mais de mil páginas dos acordos é gerido pela perspectiva que interessa: transladar - e aí sim, com mão de ferro - para esferas superiores e inteiramente fora do nosso alcance, as normas de tudo o que possa ser comercializado e garantir aos investidores a margem de actuação que tanto merecem. Ler mais deste artigo

A revolução saiu à rua no bolso do banqueiro

Novo artigo em Aventar


por João Mendes

Cartoon via The English Blog

O CDS-PP juntou-se ontem à perigosa Geringonça para aprovar, com a abstenção do PSD, a obrigatoriedade da banca reflectir a queda da Euribor e o efeito dos juros negativos nos créditos à habitação. Não que os titulares destes créditos se preparem para receber uma pequena fortuna, mas sempre é melhor que um pontapé nas costas.

E agora, a parte interessante da coisa: foi preciso esperar até Maio de 2018 para que o Parlamento fizesse o seu trabalho, colocando um ponto final numa das muitas práticas extorsionárias de sector bancário, que não hesita uma milésima de segundo em reflectir todo e qualquer aumento da Euribor nos créditos à habitação, à mais ínfima parcela do cêntimo, mas que, até ontem, podia simplesmente fazer de conta que, quando a Euribor descia para valores negativos, a taxa de juro batia no zero e não descia mais. Porque sim. Uma das consequências de existirem tantos decisores públicos a viver nos bolsos de banqueiros e quejandos: tudo lhes corre de feição. Se não correr, o contribuinte está cá para lhes deitar a mão.

Ladrões de Bicicletas


Capas e contracapas (IV)

Posted: 11 May 2018 08:32 PM PDT

É curiosa a forma como o «i» decidiu recentemente «titular» a notícia da redução do número de alunos por turma no próximo ano letivo, uma medida aprovada pela maioria de esquerda no parlamento e cuja segunda fase de concretização foi anunciada há cerca de uma semana pelo Governo.
Para o «i» - e ao contrário dos títulos que surgiram no Público, Jornal de Notícias, Expresso ou Correio da Manhã, por exemplo - o facto relevante não foi a generalização da redução do número de alunos por turma em todos os inícios de ciclo do ensino básico (1º, 5º e 7º ano), mas sim a circunstância de o ensino secundário ficar «fora» do processo. Ou seja, em vez de noticiar o que aconteceu (como se espera que um jornal faça), prefere-se dar informações sobre o que não aconteceu.
A opção do jornal é duplamente estranha. Por um lado, porque está em causa a reversão com o impacto mais amplo face à decisão de Nuno Crato nesta matéria, de aumento do número de alunos por turma (sim, aumento, e não «alargamento», como sugere a notícia do «i», pois o número de alunos por turma «aumenta» ou «diminui», não «alarga» nem «encolhe», como a roupa). Por outro lado, porque a reposição dos valores relativos ao número de alunos por turma, para os valores que vigoravam antes da maioria de direita, foi sempre anunciada como sendo um processo gradual, que teve início nas escolas TEIP, no presente ano letivo (isto é, nas escolas localizadas em Territórios Educativos de Intervenção Prioritária).
Perante esta opção do jornal, fica uma dúvida: que fará o «i» quando o Ministério da Educação aplicar a redução do número de alunos por turma ao ensino secundário? Dirá também, nesse momento, que o ensino superior ficou «fora do processo»?

A indignidade atinge-nos a todos

Posted: 11 May 2018 02:07 PM PDT

Para dar credibilidade ao país nos mercados de capitais - não temos soberania monetária e o Estado está nas mãos dos especuladores financeiros – parece inevitável sacrificar as condições de vida dos mais pobres. Que seja um governo "socialista" a executar esta política, não é uma novidade histórica. Mas é a negação dos valores do socialismo e essa é a razão pela qual os partidos que se reclamavam do socialismo estão em perda por toda a Europa.
Obrigar "os de baixo" a pagar a factura da credibilidade que beneficia "os de cima" é intolerável. Não me calo, até porque me tenho confrontado com situações indignas do mesmo tipo das que abaixo são descritas. Mais tarde ou mais cedo, este estado de coisas vai tornar-se insuportável e, nessa altura, veremos quem terá a credibilidade política exigida para liderar a mudança. Não tivesse o nosso país entregado a soberania monetária, estaria hoje em condições de financiar um serviço nacional de saúde e prestações sociais que evitariam a indignidade em que muitos portugueses hoje se encontram. Aliás, em que nos encontramos todos. Sim, quando há gente a viver nesta condições, a indignidade atinge todos os que vivem bem. Pergunta-nos a todos, "o que fizeste do teu irmão?"
Caso 1:

...não podemos ser festa e glamour, não podemos ser cumpridores face à Europa e as suas regras, e depois descartar esta informação concreta sobre a forma como as pessoas vivem. Pessoas para quem o rendimento de inserção social chega? Não chega? Encaixam nos critérios, não encaixam? Com esta realidade bem viva na minha cabeça, fui hoje à farmácia e assisti a uma cena de partir o coração. Um casal já com alguma idade não tem como pagar a medicação toda e a senhora, vestida de forma muito modesta, diz: "Não faz mal, este mês tomas tu, para o próximo mês tomo eu". Saíram dali com a dignidade de quem enfrenta todos os dias um limiar de indignidade. Podia escrever mais vinte linhas sobre isto, mas não adianta. Este mês, a saúde do marido é a que vale. No próximo mês é a dela. (ler aqui)


Caso 2:

Tenho uma neta de 4 anos com uma cárie dentária que foi sujeita a um primeiro tratamento num consultório privado. Tudo correu bem e agendou-se uma segunda sessão para terminar aquele tratamento. Pela segunda vez no consultório, não se consegue que ela deixe tratar a cárie. Marcou-se outra sessão. O resultado foi o mesmo. Voltou-se a marcar outra sessão e o resultado foi o mesmo. Decidiu-se fazer os procedimentos necessários para que fosse tratada na Escola de Medicina Dentária. A anestesista entendeu que o melhor sítio seria no Hospital Pediátrico de Coimbra, uma vez que em caso de acidente maior, não esperado mas sempre possível, não teriam ali os meios de resposta em termos de reanimação. Desencadearam-se procedimentos para que fosse tratada no Pediátrico, no bloco operatório. Um mês depois, recebo um telefonema em que marcavam uma consulta para um mês depois. A consulta deu-se para confirmar o diagnóstico, o que se confirmou, claro. Dali a semanas iria receber uma carta para que a miúda se apresentasse no Hospital para fazer análises para o anestesista e depois, se após seis meses não houvesse nenhuma convocatória para a intervenção cirúrgica no Pediátrico, receberia em casa um vale-saúde para ir a um hospital privado. Perguntou-se ao médico como é que se poderia fazer se a criança tem dores, se dorme mal, se dá ela própria, coitada, mau dormir às pessoas em casa e a resposta é lapidar, o tratamento clássico, - Bruffen ou Ben-u-ron. Estamos a falar de uma criança de 4 anos! Acrescenta o médico que o Hospital tem outras prioridades, a menos que voltasse a ter um abcesso. Mas com os diabos, o abcesso está lá! Se tal acontecesse, então entrava na lista e na fila dos prioritários e, já agora, não sei qual seria aí a demora porque se trata também de uma lista de espera. Esta noite, de 1 para 2 de Maio, a minha neta não dormiu nada com dor de dentes e, com isso, a família também não. Será que terei de ir a uma clínica privada? Orçamento: 1990€, inclui 2 horas de bloco. (relato de um amigo)

Fogo à vontade!

por estatuadesal

(Miguel Sousa Tavares, in Expresso, 12/05/2018)

mst

Miguel Sousa Tavares

1 Procure a resposta às perguntas como, porquê e quando. Como, porquê e só agora é que, aproveitando o caso Manuel Pinho, o PS, ou parte significativa dele, resolveu transformar o que já era o julgamento popular de José Sócrates no seu linchamento popular. Calma, calma, senhores zelotas da nova Inquisição: eu não vou defender a inocência de José Sócrates, da mesma forma que vocês já sentenciaram a sua culpabilidade! Talvez me repita, defendendo coisas caídas em desuso, tais como julgamentos feitos perante os tribunais e não nas televisões, nos jornais e nas redes sociais; acusações fundadas em provas e não em presunções; direito a contraditório e a defesa; presunção de inocência até sentença condenatória transitada em julgado; enfim, noções elementares daquilo a que chamamos Estado de direito — onde todos gostamos de viver quando dele necessitamos. Mas não se trata disso, agora. Assim como não se trata de repetir o que já antes disse: que também me choca que um ex-primeiro-ministro tenha vivido desafogadamente à conta de um amigo, sem sombra de incómodo, como se tal fosse normal. Aliás, e embora isso não constitua por si só crime, penso que, não fosse a evidente tentação do Ministério Público em ir directo a Sócrates, e o que ele deveria ter começado por investigar era a origem do dinheiro de Carlos Santos Silva e depois a razão pela qual José Sócrates se sentia tão à vontade para dele dispor livremente. Em vez disso, optou o MP por visar imediatamente José Sócrates, construindo toda uma tese assente em sucessivas presunções: o dinheiro, de facto, era de Sócrates; sendo dele, só poderia vir de corrupção; corrupção de, ora vamos ver, Grupo Lena, Octapharma, Vale do Lobo, BES. Em tribunal se verá se foi a escolha acertada.

Mas o caso Pinho e a súbita revolta do PS contra Sócrates não tem nada que ver com isso, a não ser em idêntico raciocínio baseado em sucessivas presunções. E aqui chegamos à resposta à primeira pergunta: como é que o PS resolveu linchar Sócrates. Partiu de um facto, não contestado: Manuel Pinho foi para o Governo Sócrates com uma avença mensal de 15 mil euros paga pelo BES. A partir daqui, como se de um salto lógico se tratasse, seguiram-se três presunções que desaguaram na condenação sumária de Sócrates: primeira, Salgado pagava a Pinho para este defender no Governo os interesses da EDP (de que o BES tinha 2,5%); segunda, Sócrates não só sabia disso como foi essa a razão para levar Pinho para o Governo; e, terceira, fê-lo porque também ele estava a soldo de Salgado. Como Salgado nada diz e Pinho se mantém em silêncio com a conveniente desculpa de que primeiro responderá ao MP, e este, por sua vez, goza sentado o desenrolar da trama, sem pressa alguma de ouvir Pinho, o PS não aguentou mais o clima criado pelas eternas suspeições sobre as desventuras de Sócrates, as fugas do segredo de justiça e o seu aproveitamento voraz por uma imprensa para a qual o julgamento de Sócrates já está feito e agora só faltava fazer o dos seus cúmplices. Essa é a resposta ao porquê. Para não serem julgados juntos com Sócrates no pelourinho popular, os cúmplices trataram de o linchar, para tentarem salvar a própria pele. Como alguém escreveu, quando o navio vai ao fundo, os ratos abandonam-no; no PS, tomaram o comando. Quanto à resposta ao quando, essa é a mais simples de todas: porque daqui a pouco mais de um ano há eleições. E é preciso varrer a lama e quanto mais depressa melhor. A memória dos homens é curta.


2 Seja qual for o crime e seja quem for o criminoso, um linchamento popular é uma coisa muita feia de se ver. Seja quais forem as razões dos justiceiros, ver bater num homem que já está caído é um espectáculo degradante.

Os últimos dias têm sido eloquentes para nos mostrarem ou confirmarem de que massa é feita certa gente. Desde os Torquemadazinhos de trazer por casa a porem-se em bicos de pés a gritar, com medo que alguém se tenha esquecido, “eu fui o primeiro, eu fui a primeira, a dizer que Sócrates era corrupto!”, até outros, com maiores responsabilidades, que escrevem livremente “o corrupto Sócrates”, como se já nem fosse necessário esperar que o tribunal confirme o adjectivo, até aos que lhe devem carreira e favores, lugares e protagonismo, e agora entraram em desenfreada competição de mata e esfola. Carlos César, olha quem! E o pai, avô e bisavô do Serviço Nacional de Saúde! E João Galamba, com a extraordinária teoria de que já é muito grave ser acusado, pior mesmo só ser condenado (espere até a experimentar na pele…). Mas nada, nada mesmo, conseguiu ultrapassar a indecência da senhora Fernanda Câncio. Primeiro, falar em público das suas relações íntimas, já diz muito sobre quem é. Depois, fazê-lo utilizando uma coluna de opinião de um jornal, já não é só má educação, é mau gosto, péssimo gosto. E, enfim, atacar o ex-namorado, juntando-se à turbamulta do seu linchamento, é de uma cobardia e falta de carácter absolutos. Até custa gastar latim com tão reles comportamento, mas como ela já é reincidente nisto e há quem louve a sua “coragem”, há coisas que têm de ser ditas. Afirma ela que foi completamente enganada — ela, “e os amigos e defensores de José Sócrates” — por descobrir que ele vivia à custa de um amigo, e não de umas heranças ou dinheiros de família, que, ingenuazinha, supunha. E assim, refugiada entre os “amigos e os defensores”, julga escapar ilesa na sua honra, sacrificando o traidor e mentiroso, que a todos enganou. Só que os amigos e defensores não ouviram falar de heranças nem dinheiros de família e não conheciam, como ela, o estilo de vida de José Sócrates. Não passaram férias de sonho pagas por ele nem foram apanhados em escutas a insistir para que ele comprasse uma casa luxuosa em Lisboa para viverem juntos, como ela fez. Façamos–lhe a misericórdia de acreditar que foi mesmo ingénua e enganada, julgando que era tudo pago com dinheiro dele. Mesmo assim, não percebo de que se queixa. Se ela, Fernanda Câncio, campeã do feminismo e das causas fracturantes na imprensa portuguesa, não se importava de beneficiar de um estilo de vida luxuoso pago pelo namorado, porque a choca tanto descobrir que também ele era pago por um amigo? Descubram a diferença, porque eu não sou capaz.


3 O ambiente está propício a toda a espécie de demagogias e populismos à solta, sob o afã tardio do combate à corrupção. Legisla-se sem se pensar, pensa-se sem se medir as consequências. Agora, querem que os bancos denunciem às Finanças todos os titulares de contas bancárias que ultrapassem os 50 mil euros — o preço de um T-0 na Reboleira. Todos suspeitos de eventual fuga ao fisco, ou pior ainda. Não são os grandes devedores da Caixa — cujas dívidas pagam os contribuintes e cuja revelação o BE e o PCP, impediram num primeiro momento, por se tratar do banco público. Ou os do BES, do Novo Banco, do BPN, do Banif: são os que nada devem. Não são os que têm o dinheiro em off-shores ou sociedades sócias de outras sociedades: são os que têm o dinheiro aqui, em seu nome, à confiança. Todos suspeitos. É a célebre inversão do ónus da prova, que o PS sempre se recusou a aceitar e agora, efeito Sócrates, já aceita e com carácter universal. E até Marcelo, professor de Direito Constitucional e Presidente que jurou defender a Constituição, apressou-se a dizer “bora aí!”, esquecendo-se do que escrevera há um ano, quando vetou a mesma tentativa: que tem de haver uma justificação do Fisco para aceder a dados que fazem parte do direito à privacidade, constitucionalmente garantido. E, já agora, mediado por um juiz, como é próprio de um Estado de direito. Voltamos sempre ao mesmo!


4 Pois é, voltamos, volto, sempre ao mesmo: mas, semana após semana, Eduardo Cabrita faz prova da sua inultrapassável incompetência. Depois de ter feito figura de totó nas mãos do lobby dos meios aéreos, agora fez a mesma figura nas mãos desse sibilino Jaime Marta Soares. Em vão o forram de dinheiro, homens, meios, que ele apregoa aos quatro ventos: tudo o que é organização, planeamento, preparação, coordenação, liderança, prontidão, está por fazer. Só mesmo São Pedro o pode salvar. Porém, diz Marcelo que, se tudo pegar fogo outra vez, ele não demite o Governo: apenas não se recandidata. Ou seja, podemos voltar a arder mais três anos de seguida e tudo o que acontece, em matéria de responsabilidades, é perdermos os afectos do Presidente!


Miguel Sousa Tavares escreve de acordo com a antiga ortografia