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sexta-feira, 25 de maio de 2018

São todos iguais?

Opinião

Francisco Seixas Da Costa

Hoje às 00:15

O tema da distância entre a "classe política" e os cidadãos é eterno e universal, mas o modo como tem vindo a evoluir na sociedade portuguesa contemporânea começa a não ser democraticamente saudável. Às vezes pergunto-me se os responsáveis eleitos, que hoje titulam cargos públicos, têm real consciência do risco que o alastrar deste sentimento faz correr às instituições, de como subliminarmente isso as deslegitima aos olhos do cidadão comum.

A História, mesmo entre nós, dá-nos exemplos de tempos políticos que se degradaram, nalguns casos até à rotura, por virtude da vida cívica ter passado a deixar de estar em sintonia com o sentir dos eleitores, sendo a abstenção o sintoma mais evidente desse estado de coisas.

O alheamento da vida cívica, longe de ser uma espécie de mandato de confiança nos titulares saídos do sufrágio, é um atestado de desinteresse, que em versão benévola configura indiferença e, num registo menos agradável, traduz uma surda indignação.

Se olharmos para o Brasil, vemos aquele que, nos dias de hoje, é talvez o caso mais óbvio de uma sociedade política onde, pelo facto dos vícios terem passado a ser a regra, se instalou uma desesperança que traz riscos imensos à democracia. Ora esse é precisamente o pasto ideal para o surgimento dos "salvadores", de regeneradores da ordem decadente, dos modelos autoritários que estão sempre à espreita.

Entre nós, alguma comunicação social cavalga com gosto a onda de descrédito sobre os agentes públicos, metendo no mesmo saco flagrantes atos de corrupção com suspeitas levianas ou questões de gravidade muito inferior, ciente de que a ideia de que "são todos iguais" é muito popular e cai garantidamente no goto do preconceito estabelecido.

A luta interpartidária, ao dar eco fácil a esse sentimento, que sabe popular, potencia os episódios e contribui para os meter no mesmo saco, não cuidando de os graduar na sua importância objetiva. O resultado é um ambiente instalado de desconfiança em torno dos agentes políticos, da sua honorabilidade, quase que dando por adquirido que, entre eles, o surgimento da menor oportunidade será aproveitado para o usufruto de vantagens materiais ilegítimas, dando razão ao dito de que "a ocasião faz o ladrão".

Ora a honestidade e a seriedade continuam a ser valores que muita gente mantém como sentido orientador na sua vida, na política ou fora dela. Essa, porém, não é uma verdade aceite com facilidade pela opinião pública. Daí que só a plena transparência, de quem nada teme porque nada deve, possa ajudar a estancar a perigosa onda demagógica do "são todos iguais", a qual, quase tanto como a real corrupção, põe em causa a democracia e fragiliza a legitimidade do sistema político.

EMBAIXADOR

Combustíveis devem subir pela décima semana consecutiva

HÁ UMA HORA

Gasóleo e gasolina devem subir um cêntimo por litro, em cada um dos casos, marcando a décima semana consecutiva de preços mais caros. Gasolina  muito perto dos 1,60 euros por litro.


Autores
  • Agência Lusa
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Os preços do gasóleo e da gasolina devem subir um cêntimo por litro a partir da próxima semana, marcando a décima semana consecutiva de preços mais caros. A confirmar-se a expectativa do setor, com base na evolução dos preços do petróleo e derivados e na cotação do euro-dólar, a gasolina atinge novos máximos de 2014 muito perto de 1,60 euros por litro (preço de referência) e o gasóleo simples sobe para os 1,37 euros por litro.

Já na semana passada os preços tiveram uma subida significativa, que elevaram o preço de referência para 1,37 euros no gasóleo e 1,59 euros (em média) na gasolina.

Segundo dados da Comissão Europeia, mais de metade do preço de venda dos combustíveis em Portugal resulta de taxas e de impostos, sendo o Imposto Sobre os Produtos Petrolíferos (ISP) o que representa a maior fatia do valor pago pelos consumidores.

Na semana de 14 de maio, o litro do gasóleo custava 1,35 euros em Portugal – o 10.º mais caro entre os 28 países da União Europeia -, quando o valor, antes de impostos e taxas, era de 0,62 euros. Já a gasolina 95 (a mais vendida) custava em média 1,56 euros por litro, quando antes do IVA, do ISP, da contribuição sobre o setor rodoviário e do adicional por taxa de carbono era de 0,61 euros por litro.

Os dados acrescentam que o preço da gasolina 95 em Portugal é o quinto mais alto na UE-28, sendo 26 cêntimos mais elevado do que o praticado em Espanha. Só Holanda, Itália, Grécia e Dinamarca tinham a gasolina mais cara na semana em análise.

Segundo a Entidade Nacional para o Mercado de Combustíveis (ENMC), o ISP representa 47 cêntimos (38,6%) no preço de referência do gasóleo e 66 cêntimos (45,9%) no da gasolina.

Em 2016, o Governo aumentou o ISP em seis cêntimos por litro para corrigir a perda de receita fiscal resultante da diminuição da cotação internacional do petróleo, e comprometeu-se a fazer uma revisão trimestral do valor do imposto em função da variação do preço base dos produtos petrolíferos, o que levou a pequenas reduções do ISP ao longo desse ano. No entanto, em 2017, o Governo deixou de rever o valor do imposto, apesar das variações do preço do petróleo.

Segundo os dados mais recentes da execução orçamental publicado pela Direção-Geral do Orçamento, o Estado arrecadou 803,2 milhões de euros com o ISP no primeiro trimestre deste ano, mais 2,4% do que os 784,1 milhões de euros no mesmo período de 2017. No conjunto do ano passado, o ISP rendeu 3.364,4 milhões de euros aos cofres do Estado, mais 3,2% do que em 2016.

A classe média é o centro da social-democracia

CONGRESSO DO PS

Eurico Brilhante Dias

24/5/2018, 15:31

A liberdade é essencial à igualdade; sem mercado a liberdade fica condicionada. Sem Estado não há garante que a liberdade de mercado promove uma sociedade livre e justa. A terceira via sempre foi isso

Um dia uma jornalista perguntou-me – como perguntou então a outros deputados – o que era a classe média. E eu respondi: ““A classe média é definida em função do rendimento do agregado familiar. É um conceito associado a quem não vive de transferências sociais, mas essencialmente do rendimento do trabalho, e que não tem acumulação de património que lhe permita fazer desse património forma de vida”. Mais adiante disse: “É aquele que ganha 800 euros, tem despesas com habitação própria, com educação dos filhos, com transportes, recorre ao Serviço Nacional de Saúde, vive essencialmente do trabalho e dos rendimentos do trabalho”. (inObservador). Pode ser curto, não será seguramente exaustivo e não definirá um perímetro conceptual absolutamente claro, mas era, nesse momento, uma aproximação.

A vida de quem trabalha, com um salário médio (em torno dos 876 euros), quem tem poucos apoios sociais (transferências), que recorre ao transporte (próprio ou coletivo) para ir trabalhar e que tem, no serviço nacional de saúde, na escola pública e na segurança social, a rede fundamental de vida. Há quem ganhe mais e pertença à dita classe média, ainda que tenha níveis de poupança baixos e sobreviva, no essencial, do seu trabalho.

Essa massa de gente – com que muitos se identificam –é o verdadeiro barómetro da situação do país, da sua economia, do seu Estado Social, e sente, de forma dura, os momentos em que o Estado falha. Quer porque o rendimento líquido é afetado por desequilíbrios graves, com impacto doloroso no poder adquisitivo (salários e pensões), quer porque os serviços públicos se deterioram, desvalorizando a troca que fazemos entre rendimento disponível (depois de impostos) e o acesso à saúde, à educação e a outros bens públicos como justiça, segurança e de defesa.

É impossível desvincular a qualidade de vida da classe média da natureza do vínculo laboral; não será por acaso que entre socialistas e democratas se encontram as forças trabalhistas – e de defesa do mundo do trabalho. O acesso e a segurança no emprego foram sempre centrais na vida daqueles cuja satisfação das necessidades mais básicas sempre dependeu do rendimento do único meio de produção que têm disponível: o trabalho.

As forças progressistas sempre viveram centrados na trilogia em torno da liberdade, da solidariedade e da fraternidade, onde a dimensão coletiva e individual sempre conviveram. Dela nasce uma ideia, uma terceira via, a economia social de mercado, que inscrevemos no Tratado de Lisboa, e que em grande medida partilham, como pedra angular do modelo social europeu, com os democratas cristãos. A ideia central de que a liberdade e a justiça social são condição para sociedades melhores, mais prósperas e decentes, e que todos os coletivismos forçados ou liberalismos castigadores dos mais fracos são vias de empobrecimento. A ideia de liberdade individual e de uma ética do coletivo, da comunidade, são características fundamentais da terceira via; de uma sociedade que avança em conjunto; mas, sublinhe-se, avança, rompe fronteiras, não estagna num atavismo coletivista que limita a criatividade e o empreendedorismo económico e social do indivíduo. A classe média é filha da social-democracia – e da democracia cristã. É por isso que a partir desta dialética entre o coletivo e o individual – num internacionalismo militante, em torno das grandes causas das sociedades modernas, que os partidos socialistas e sociais-democratas devem olhar para as causas comuns do desenvolvimento.

A defesa deste espaço de progressão social, de geração e distribuição de riqueza, de construção coletiva com respeito pela identidade e a diferença, obriga-nos a avançar com as forças que queiram defender radicalmente a democracia, a globalização e a integração económica, o desenvolvimento sustentável, assim como discutir os impactos da digitalização e a robotização sobre o trabalho, a demografia e a sustentabilidade do Estado Social, ou a coesão territorial como condição para a coesão social. Os nossos temas de futuro, coletivos, com impacto na proteção e construção das classes médias. As classes médias que precisam de Estado, mas que são também o ‘pulmão’ fundamental da inovação económica e social, e que precisam da liberdade de escolha para construir os seus projetos de vida (a sua ambição).

O Estado empreendedor é necessário, como bem explica a Mariana Mazzucatto, mas deve centrar-se nas atividades de rutura tecnológica, onde a incerteza (e não o risco) predomina; mas não deve cercear a capacidade inovadora do mercado, sob pena impedir que o indivíduo, também ele, assumindo risco, possa ser agente de boa alocação de recursos, e, acima de tudo, de ser ele próprio protagonista de inovação económica e social.

A liberdade é essencial à igualdade; sem mercado a liberdade fica condicionada. Sem Estado não há garante de que a liberdade de mercado promove uma sociedade livre e justa. A terceira via sempre foi isto. Não somos, nem seremos, liberais, que em torno do mercado constroem a sociedade; nem agentes de padronização estatizante que castra a capacidade de inovar e avançar que a liberdade de iniciativa proporciona.

Em grande medida é aqui que tem estado o cerne do êxito da governação do PS. Um programa político europeísta e internacionalista, de defesa do multilateralismo para a resolução das grandes questões das sociedades contemporâneas, contra o protecionismo (económico e social), que promove e não estigmatiza o investimento privado, e que reforça o Estado social (ex. nas prestações sociais, na reposição de salários e pensões, na proteção dos trabalhadores com vínculos mais precários). Um desígnio coletivo que pode ser apropriado pela classe média.

Nunca fizemos política de ‘nichos’, nem promovemos a confrontação, e as vias unilaterais e excludentes, como forma de fazer política. A classe média precisa de escolha, mas precisa também da estabilidade que só os consensos de regime tornam possível. A abertura que nenhum enquistamento à esquerda ou a à direita permite. Nós somos, sempre fomos, a terceira via: desde Soares a Costa. Da Fonte Luminosa aos acordos de governabilidade à esquerda.

Membro do Secretariado Nacional do PS

Entre as brumas da memória


Dica (762)

Posted: 24 May 2018 01:30 PM PDT

Why China Is Winning the Trade War (John Cassidy)

«As confusion reigns, internal recriminations have begun. The rival factions in the Trump trade team are squabbling bitterly. On Capitol Hill, a number of Republicans, led by Senator John Cornyn, of Texas, have joined Democrats in signing a letter criticizing Trump’s effort to ease the restrictions against ZTE. Reflecting fears that the Administration might be about to make further concessions on the sale of sensitive technologies to the Chinese, the bipartisan letter also warns that “any such move would bolster China’s aggressive military modernization and significantly undermine long-term U.S. national security interests.”

Somewhere in Beijing, a senior Chinese official is probably smiling.»

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Prémio Nobel da Paz?

Posted: 24 May 2018 10:30 AM PDT

Las Abuelas de Plaza de Mayo, nominadas al Premio Nobel de la Paz.

Seria tão justo, mas tão justo!
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Apelo às Emissoras Televisivas

Posted: 24 May 2018 08:26 AM PDT

Nos últimos anos temos assistido a um desvirtuar total do desporto enquanto actividade de valores, de humanismo. A luta de palavras invadiu a normalidade dos noticiários e as agressões verbais tornaram-se a norma num ecossistema que parece alimentar-se dessa mesma violência.

Abarcando cada vez mais espaço nas mentalidades, os programas de comentário desportivo levam, muitas vezes, ao limite do inimaginável o prazer do azedume, da acusação, da maledicência. É a prática constante de uma violência verbal que alimenta essa voragem em que cada vez mais cidadãos se encontram, fechados nesse clima de intriga, ruminando um ódio que pode eclodir a qualquer momento.

Com uma grelha televisiva centrada nestes debates, muitos jovens não resistem à tentação dessa presença contínua nas televisões, sorvendo uma cultura que gera o ódio, que incita à violência e que desagrega a sociedade como um espaço de fraternidade e de paz.

Pelas consequências vistas nos últimos anos; Pelas consequências vistas nos últimos dias; Porque é preciso restituir dignidade aos telespectadores, lançamos um APELO aos canais televisivos para que criem mecanismos de regulação ética que enquadrem estes debates, e para que reduzam o tempo de exposição das dimensões colaterais ao futebol, fomentando uma cultura de respeito e de tolerância, sendo esses programas instrumentos de diálogo e de compreensão através do debate livre, e não ferramentas de disseminação do ódio em que parte do país se acha mergulhado, moldando mentalidades.

21 de Maio de 2018.

Promotores:

Paulo Mendes Pinto, Prof. Universitário / António Serzedelo, Activista cívico / Catarina Marcelino, Deputada / José Eduardo Franco, Prof. Universitário / Patrícia Reis, Jornalista e escritora / Pedro Abrunhosa, Músico

Assinam:

Alexandre Castro Caldas, Médico / Alexandre Honrado, Escritor / Anabela Freitas, Presidente da C.M. de Tomar / Anabela Mota Ribeiro, jornalista / Annabela Rita, Directora da Associação Portuguesa de Escritores / Ana Umbelino, Vereadora da C. M. de Torres Vedras / António Araújo, Prof. Universitário / António Avelãs, Prof. Universitário / António Borges Coelho, Prof. Universitário / António Pinto Pereira, Advogado / Berta Nunes, Presidente da Câmara Municipal de Alfândega-da-Fé / Carlos Bernardes, Presidente da C. M. de Torres Vedras / Carlos Moreira Azevedo, Bispo / Carlos Vargas, Gestor Cultural / Cipriano Justo, Médico / Cláudia Horta Ferreira, Vereadora da C. M. de Torres Vedras / Elísio Summavielle, Gestor Cultural / Eugénio Fonseca, Presidente da Cáritas Portuguesa / Fernanda Câncio, Jornalista / Fernando Pereira, Cantor / Fernando Ventura, Frade Franciscano Capuchinho / Francisco Sarsfield Cabral, Jornalista / Graça Morais, Pintora / Henrique Pinto, Fundador-Presidente da Impossible – Passionate Happenings / Jaime Ramos, Médico, Fundador da ADFP / João de Almeida Santos, Prof. Universitário / João Couvaneiro, Vice-Presidente da C. M. de Almada / João Paulo Leonardo, Director do Agrupamento de Escolas Baixa-Chiado / Joaquim Franco, Jornalista / Joaquim Moreira, Quórum dos Setenta da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias / Jorge Proença, Director da Fac. de Ed. Física e Desporto da Un. Lusófona / José Maria Brito, Pe. Jesuíta / José Vera Jardim, Jurista / Mafalda Anjos, Jornalista / Mário Beja Santos, Escritor / Manuel Sérgio, Provedor de Ética no Desporto / Mendo Castro Henriques, Prof. Universitário / Miguel Real, Escritor / Nidia Zózimo, Médica / Nuno Camarneiro, Escritor / Nuno Júdice, Poeta / Patrícia Fonseca, Jornalista / Paulo Borges, Prof. Universitário e Presidente do Círculo do Entre-Ser / Paulo Fidalgo, Médico / Rachid Ismael, Director do Colégio Islâmico de Palmela / Raul Castro, Presidente da C. M. de Leiria / Richard Zimler, Escritor / Rui Martins, Vereador Suplente na C. M. de Lisboa / Sofia Lorena, Jornalista / Tânia Gaspar, Dirigente Associativa / Zara Pereira, Presidente da Associação Humano

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O futuro do SNS

Posted: 24 May 2018 03:03 AM PDT

«Jacques Coeur, mestre que criou moeda para as necessidades guerreiras de Carlos VII de França, chegou a ser considerado um alquimista. Dizia-se que ele conseguia transformar metais básicos em prata. Talvez não o conseguisse fazer, mas conseguia criar moeda que deixava muita gente rica, incluindo o rei. Mas o seu fascínio pela amante do rei, Agnès Sorel, determinou o seu destino. Ela apareceu morta, envenenada, e Coeur foi acusado pelos inimigos e por outros, que lhe deviam dinheiro, da sua morte. António Arnaut, alquimista que criou o SNS, deixou um legado e criou uma legião de inimigos dissimulados. Não teve o trágico destino de Coeur, mas foi colocado nas margens do poder. O SNS é talvez o mais importante legado do 25 de Abril, para lá da democracia. Ou melhor, foi o alargamento da democracia à saúde. Não deixa de ser curioso verificar como o desaparecimento de Arnaut coincide com uma anemia acelerada do SNS e do seu financiamento, algo que não é de agora. Mas que está a servir às mil maravilhas para algum populismo ligado ao sector da saúde criar uma imagem favorável a novos tempos.

A crise do SNS tem que ver com a do Estado social, que chegou bem tarde a Portugal e que caminha inexoravelmente para o seu fim, mesmo com "face liftings". Não há, nem vai haver, dinheiro público suficiente dos contribuintes para suportar as crescentes despesas da saúde (como das reformas). Vai-se mascarando as coisas, mas em momento de contenção orçamental, o que tapa de um lado, destapa-se do outro. A saúde é muito cara. Só que nada substitui o SNS como forma de prestar os serviços de primeira linha e de saúde que não é rentável para os privados (ou que os com menos posses não podem pagar). Este estrangulamento tem que ver com as novas linhas com que se cose a economia global, onde vão escasseando as receitas para alimentar serviços complexos e caros como é o SNS. Esse é um dilema do Ocidente em geral e de Portugal em especial. Que saúde estará o país disposto a pagar no futuro? E qual vai ser o lugar do vital SNS nele?»

Fernando Sobral

quinta-feira, 24 de maio de 2018

A guerra económica contra Gaza

por estatuadesal

(Alexandre Abreu, in Expresso Diário, 23/05/2018)

abreu

Mais de cem palestinianos foram assassinados pelas forças armadas israelitas nas últimas semanas junto à fronteira entre Gaza e Israel em circunstâncias em que não representavam qualquer ameaça. É imensamente trágico que um Estado que resultou de uma das maiores, se não a maior tragédia do século XX – o Holocausto – seja hoje o perpetrador de quotidianas violações de direitos humanos, assentes numa cultura de superioridade racial e desumanização dos palestinianos.

Não é possível ouvir responsáveis israelitas a justificar os assassinatos com o argumento que ‘não conseguimos pôr todos os manifestantes na cadeia’ sem escutar ecos do passado e sentir um calafrio na espinha.

Porém, a violência da ocupação israelita não se limita àquela que é directamente perpetrada pelas forças armadas. Igualmente terríveis, imorais e ilegais – à luz do direito internacional – são os constrangimentos exercidos sobre a viabilidade dos territórios ocupados palestinianos. O caso de Gaza, que é um verdadeiro campo de concentração a céu aberto, não é único, mas é o mais chocante. A grande maioria dos seus dois milhões de habitantes não pode entrar ou sair do território, cuja área é semelhante ao concelho de Sintra, em resultado do fecho das fronteiras terrestres e do bloqueio marítimo e aéreo israelita. Esse mesmo bloqueio, imposto por Israel desde 2007, implica igualmente que as perspectivas de viabilidade económica e social do território sejam inexistentes.

Israel limita enormemente a entrada e saída de bens, incluindo a importação de materiais de construção, alimentos e até medicamentos. As exportações também cessaram praticamente após 2007. Segundo uma estimativa do Banco Mundial, o PIB do território caiu mais de 50% em resultado do bloqueio. A indústria anteriormente existente foi dizimada. A taxa de desemprego, de mais de 40%, é a mais alta do mundo. Cerca de 40% da população, três vezes mais do que na Cisjordânia, vivem em situação de pobreza. Estes não são problemas de subdesenvolvimento, mas de ‘des-desenvolvimento’ deliberadamente imposto por Israel, para usar o termo de um relatório das Nações Unidas.

Imagine o que é viver sem acesso a energia durante mais de vinte horas por dia durante anos em resultado do racionamento de combustível por parte de uma potência ocupante. Imagine uma situação em que apenas 10% da população têm acesso a água potável em condições de segurança. Imagine um território em que os pescadores são alvejados pela potência ocupante quando se afastam mais de 5km da costa para tentarem aceder a zonas de pesca menos exauridas. Em que, segundo um estudo da Organização Mundial da Saúde, 65% dos bebés com menos de um ano sofrem de anemia.

A situação que se vive em Gaza, perante a ignorância ou indiferença da maior parte do planeta, é a de um território sujeito a uma guerra económica que constitui, na descrição do Comité Internacional da Cruz Vermelha, uma forma de punição colectiva. O relator especial das Nações Unidas para a situação dos direitos humanos nos territórios ocupados caracterizou o bloqueio israelita como um crime contra a humanidade, para além de uma violação reiterada do direito internacional. Nos anos ’80 do século passado, o apartheid sul-africano pôde ser desmantelado em grande medida graças às sanções internacionais e ao boicote dos cidadãos de todo o mundo. Hoje, devemos todos mobilizar-nos para corrigir esta outra mancha na consciência da humanidade.