Posted: 30 May 2018 01:43 AM PDT
Quando o espectro da crise regressa, multiplicam-se as declarações reveladoras dos guardiães de uma ordem europeia pós-democrática, que só pode ser compreendida cruzando questões geopolíticas, associadas à hegemonia alemã, e questões de classe, associadas à hegemonia de certas fracções do capital, sobretudo as mais financeirizadas e extrovertidas.
Depois de Vítor Constâncio ter falado com toda a arrogância de regras (ver nota anteiror), o Comissário alemão Günther Oettinger veio no fundo explicitar a visão ordoliberal sobre a acção política das forças do mercado, operando num quadro político-institucional manejado pela elite protegida da refrega democrática, sinalizando a expectativa de que os eleitores italianos se verguem às suas pressões quando forem votar. As eleições são um incómodo que só se atenua através da submissão do povo à ideia de que não há alternativa. É para isto que serve o que os economistas neoliberais italianos apodam de “vínculo externo”.
Neste contexto, não surpreende que o governador do Banco de Itália se tenha juntado às pressões externas, ao falar do risco de perda de confiança do capital financeiro. Nesta ordem monetária, os banqueiros centrais não estão ao serviço dos Estados, sublinhe-se, uma vez mais. Se nós temos um banco que não é de Portugal, os italianos têm um banco que não é de Itália. Ambos são sucursais de Frankfurt.
Entretanto, Donald Tusk já veio apelar aos outros guardiães europeus para que respeitem os eleitores italianos, ou seja, já veio apelar à mentira, seguindo a velha injunção de Juncker: “quando as coisas apertam, é preciso mentir”. Será que ainda há mentira que oculte a natureza de uma ordem económica e monetária europeia, logo de uma ordem política, baseada na chantagem e no medo?
Posted: 29 May 2018 04:39 AM PDT
Vítor Constâncio, um guardião em fim de carreira desta prisão monetária supranacional de tantas democracias nacionais, declarou: “A Itália sabe as regras. Talvez tenham de as ler de novo”. E o que dirá Centeno?
Enfim, os guardiães, e o capital financeiro que está por detrás deles, definem as regras, mas também, e sobretudo, as suas excepções, como é inegável. Entretanto, talvez a Itália não seja a Grécia.
Não tenho simpatia política pela variante italiana dos populismos, que floresceram nas ruínas da chamada esquerda europeísta, mas devo dizer que tenho ainda menos por ordens supranacionais pós-democráticas, conformes à expansão das forças de mercado, e pelos seus intérpretes internos. Estas ordens destinam-se a bloquear a manifestação da vontade democrática do povo.
E, em última instância, mais vale um eventual erro do povo de um Estado do que a melhor decisão tomada pelos guardiães em Frankfurt ou em Bruxelas, até porque nós sabemos quais são os interesses e os valores que as suas melhores decisões servem.