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segunda-feira, 4 de junho de 2018

BCE retira licença e Banif entra em processo de liquidação

Revista de Imprensa JE

09:25

A perda da autorização para o exercício da atividade bancária dará início ao processo de liquidação do banco sediado no Funchal, tendo em conta que a entidade está sem atividade "prática" desde 2015.

Rafael Marchante/Reuters

O Banif perdeu a autorização para o exercício da atividade bancária, após a sua licença de operação ter sido revogada pelo Banco Central Europeu (BCE). Ao que tudo indica, a situação dará início ao processo de liquidação do banco sediado no Funchal, tendo em conta que a entidade está em atividade “prática” desde 2015, avança o “Jornal de Negócios”.

A liquidação do Banif é inevitável desde que foi decidida pelo Banco de Portugal a resolução do Banif e a sua divisão por três entidades: Santander Totta, Oitante e Banif. Após essa divisão, o Banif ficou com um “conjunto muito residual de ativos, passivos e elementos extrapatrimoniais essencialmente ligados a entidades do próprio Grupo Banif”. No entanto, desde 2015, o Banif ficou impedido de dar crédito e receber depósitos.

O Banco de Portugal deu início ao pedido de liquidação, aguardando apenas pela decisão de Frankfurt, que chegou entretanto. O regulador bancário português explica que “foram materialmente cumpridas as condições necessárias para que seja iniciado o processo de liquidação judicial, na sequência da aprovação das contas do banco relativas a 2015”.

Governo estuda redução de 30% das portagens das ex-Scut para transporte de mercadorias

Revista de Imprensa JE

08:58

Esta medida surge na sequência de um conjunto mais alargado de medidas destinadas a beneficiar o interior, que será aprovado a seguir às férias. Uma destas já foi anunciada: trata-se da redução de IRC para as empresas que se instalem no interior.

O Governo está a negociar uma redução de 30% nas portagens pagas pelos veículos pesados de mercadorias nas ex-SCUT do interior e do Algarve, informa o “Jornal de Notícias”.

Na edição desta segunda-feira, 4 de junho, o diário noticia que a decisão vai ser aprovada em conselho de ministros ainda este mês ou a seguir às férias, em outubro.

Esta medida surge na sequência de um conjunto mais alargado de medidas destinadas a beneficiar o interior, que será aprovado a seguir às férias. Uma destas já foi anunciada: trata-se da redução de IRC para as empresas que se instalem no interior.

O “Jornal de Notícias” informa que a redução das portagens tem sido estudada pelos ministérios do Planeamento e Infraestruturas e das Finanças, em articulação com o ministro Adjunto do primeiro-ministro, Pedro Siza Vieira.

Entre as brumas da memória


Expo’98?

Posted: 03 Jun 2018 02:16 PM PDT

Há 20 anos, houve quem quebrasse o "consenso" instalado no meio cultural português acerca da Expo'98. Vale a pena reler este artigo escrito em Abril de 1998 por João Martins Pereira, no Público.

Não quero falar da Expo.

A propósito, transcrevo para qui o que comentei no Facebook, onde nenhuma discussão é pacífica:

Eu era muito, muito jovem quando passei dias e dias na Expo de 1958 em Bruxelas. Foi, para mim, uma verdadeira revolução, acabada de chegar à Bélgica do Portugal de Salazar. Aprendi mais sobre o mundo do que pela leitura de muitos de livros, voltei sempre para Lovaina com quilos de prospectos, cartazes e livros de países de acesso longínquo ou proibido para nós. A televisão era paupérrima, não havia internet, conhecia-se muito mal o mundo, eu nunca tinha visto ou falado com um colombiano, um russo ou um tailandês. Maravilhei-me.

40 anos depois, esse mundo era outro (e eu também). Tudo o que me chegava sobre o que se passava na Expo era folclore, uma espécie de grande Feira do Artesanato.

Nada a ver contra Portugal, passei por Sevilha em 1992 e não entrei na Exposição lá do sítio e, em 2006, levaram-me a outra no Japão e não descansei enquanto não me vim embora: trivialidade e filas intermináveis para o que podia ter algum interesse (robôs que tocavam violino…).

O mundo muda depressa…

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Da série «Grandes Capas»

Posted: 03 Jun 2018 08:00 AM PDT

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Querido futebol…

Posted: 03 Jun 2018 06:56 AM PDT

Nem sonho quem possa ser Al-Hilal, mas parece-me muito suspeito que a Igreja queira fechar qualquer contrato com alguém que tem um nome destes!

(Já que não podemos exterminá-los, brinquemos...).

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As descobertas de Oluale Kossola

Posted: 03 Jun 2018 03:12 AM PDT

«Ordenaram-lhe que se despisse. Disseram-lhe que lá para onde ia — lá para onde o levavam e que ele, se nem sabia de que porto partia, menos sabia a que terra haveria de chegar — havia muita roupa adequada à sua nova vida. Assim chegou, nu, depois da viagem terrível, porque a sede e a fome eram muitas, depois da viagem assustadora, porque toda aquela água, água a toda a volta, um oceano, portanto, era coisa que nunca vira, poderoso ao ponto de rodear o barco e de o manipular até não se perceber onde era o céu e onde era o mar.

Longuíssimos dias viajou com os amigos, os que vinham de antes e os que passaram a sê-lo por partilharem a mesma língua e o mesmo espaço exíguo. Não lhe deram a roupa prometida quando desembarcou. Nunca se sentira tão envergonhado, tão humilhado. Nu desceu do barco para ver dedos apontados e vozes erguerem-se com espanto e escárnio — “selvagem”, chamaram-lhe.

Tudo podia ter sido diferente. Teria sido diferente se ele tivesse ficado em terra em vez de chamar os seus segundos captores, que quase se esqueciam dele no meio da fuga apressada aos que primeiro o capturaram — mas os seus amigos estavam a ser levados e ele estava em terra desconhecida, sozinho e assustado. Teria sido diferente se a sua cidade não tivesse sido atacada à traição enquanto todos dormiam, triste madrugada aquela em que viu cabeças decepadas, corpos cortados com catanas ou crivados de balas, em que se viu e viu os seus agrilhoados e o seu rei decapitado por recusar a submissão. Mas não foi diferente. Foi como havia sido com tantos e tantas ao longo de tantos, demasiados, anos.

Obrigaram-no então a descer e ouviu rostos diferentes exclamarem numa língua estranha: “Selvagens!” Viu como aqueles que lhe chamavam selvagem eram eles mesmos selvagens destituídos de honra, fazendo estalar chicotes nas costas de todos, e os homens aguentavam, mas não aguentaram quando o chicote tocou a pele de uma das mulheres. Lembra-se de explodirem nesse momento, de imobilizarem o selvagem, de lhe roubarem o chicote, de estalarem o chicote nas suas costas. Lembra-se dessa pequena vitória.

Cudjo Lewis, foi esse o nome que ganhou naquela terra. Nela trabalhou de sol a sol durante vários anos, alombando com as mercadorias que os barcos levavam pelos rios por toda a extensão daquele território desconhecido. Trabalhou enquanto chegavam aos seus ouvidos histórias de uma guerra feroz, uma guerra que, dizia-se, um dos lados combatia para libertá-lo a ele e a todos os que haviam sofrido o mesmo destino.

Muito tempo depois, uma mulher tocou à porta da casa que Cudjo Lewis construíra. Ouvira falar dele e queria registar a sua história. Ele contou-a desde o início. As correrias e as escaladas às palmeiras, as preparações para se tornar soldado, a guerra traiçoeira em que não teve tempo para ser soldado, apenas cativo. As barracas em que mantiveram os prisioneiros até chegarem estrangeiros que os viram, um a um, escolhendo quem levariam para longe, sobre o mar. Contou-lhe da viagem e da sede insuportável que sentiu, do trabalho de sol a sol, dos soldados que acenaram do outro lado do rio, anunciando-lhes que eram livres. Contou como ele e os seus planearam trabalhar para pagar uma viagem de barco de volta a casa, como perceberam que nunca conseguiriam reunir dinheiro suficiente para o fazer. Como decidiram, então, fazer daquele pedaço de terra estranha o seu lar.

Escolheram como líder um dos nobres da nação que atacara a cidade de Cudjo, ele próprio tornado cativo. Quando o homem que os obrigara a trabalhar gratuitamente durante anos se recusou a ceder-lhes um terreno para se instalarem, trabalharam até reunirem dinheiro para o comprarem. Nesse terreno construíram casas, construíram uma escola e uma igreja. Chamaram a uma dessas casas “Casa Grande” — deixaram-na vazia: seria para qualquer família que passasse por dificuldades e precisasse de um tecto.

A escritora ouviu e registou tudo. Ouviu Cudjo Lewis falar da mulher que viera parar àquela terra da mesma forma que ele, e dos seis filhos que ali tiveram. Ouviu Cudjo Lewis dizer-lhe o nome com que nascera, Oluale Kossola, na esperança de que o seu relato chegasse a casa e alguém lá se lembrasse dele ainda. Ouviu Oluale confessar-lhe que desejava morrer a sonhar com a mãe que nunca mais vira desde o dia em que foi acordado pelo ataque da nação vizinha, manchada na honra e manchada de sangue, mas enriquecida pela venda dos seres humanos que capturava a outros humanos que os levavam mar fora.

Conta-se que Timothy Meaher, de Mobile, Alabama, tinha decidido comprar escravos por causa de uma aposta, pondo assim em marcha toda a engrenagem que alcançou a costa africana a milhares de quilómetros de distância. Apostou que conseguiria contornar a proibição de tráfico humano inscrita em lei e trazer uns quantos seres humanos de África para escravizar nos Estados Unidos. Meaher ganhou a aposta. Já Oluale Kossola, nascido no que é hoje o Benim, ganhou as suas descobertas.

Quando Zora Neale Hurston o entrevistou para criar Barracoon, obra cuja edição foi recusada no seu tempo e que surge agora, por fim, cinco décadas após a morte da sua autora, estávamos em 1930. Em 1930 nascia a minha avó. O meu avô era uma criança de cinco anos. A vida de Oluale Kossola, o último sobrevivente do último barco negreiro, não foi há muito tempo. Foi ontem. Corrijo: é hoje.»

Mário Lopes

Investigação: Bruxelas cria fundo de pensões privadas após pressão da BlackRock

por estatuadesal

(Paulo Pena, in Diário de Notícias, 01/06/2017)

juncker

(Este texto é esclarecedor sobre o que é a "Europa" e a burocracia de Bruxelas. Uma corja de tipos venais vendidos ao capital financeiro que pagar melhor. O capital financeiro é um cavalo de Tróia dentro da Europa. Fomos tomados de assalto e é por isso que a Europa já não consegue erguer a cerviz. Bem podem discutir o Euro, o macronismo, o merckelismo, até o "costismo": só poderão decidir o que a grande finança deixar. O futuro é negro para um projecto que, além de ambicioso até tinha alguns laivos de utópico, e que até teve até à queda do Muro uma válida sustentação. Depois do Muro cair, o capital decidiu: destrua-se a muralha porque já não é necessária e só dá despesa.

E assim se fez, e assim se continuará a fazer, até que nada reste dos idos do século XX.

Comentário da Estátua, 03/06/2018)


240 milhões de europeus afetados. Uma empresa que faz lóbi na UE e contrata diretamente nos governos. O negócio? Reformas

Em fevereiro de 2015, num documento de 18 páginas chamado "A união dos mercados de capitais: uma perspetiva de investidor", a BlackRock (BR) - empresa americana que se tornou, depois da crise financeira, a maior gestora de fundos do mundo - fazia uma proposta muito concreta: a União Europeia devia avaliar a possibilidade de criar um fundo "de pensões pessoais transfronteiriço". Nessa altura não existia nada de semelhante na legislação europeia. Pouco mais de um ano depois, em 27 de julho de 2016, a Comissão Europeia iniciou-o.

Esta é uma decisão política importante que pode, segundo estudos da Comissão, atingir 240 milhões de cidadãos europeus (metade da população da UE). Com isso, estima a Comissão, o mercado interno dos fundos de pensões pode triplicar de valor até 2030: dos atuais 700 mil milhões de euros para 2,1 biliões. Só isto já tornaria o Plano Europeu de Pensões Pessoais (PEPP) um dos mais ambiciosos projetos da Comissão.

O que falta perceber é a origem, e o mandato político, para que uma medida tão importante tenha sido tomada. Quando Jean-Claude Juncker discursou no Parlamento Europeu como candidato a presidente da Comissão, a 15 de julho de 2014, e apresentou o seu programa, só fez uma referência a "pensionistas" e apenas para os dar como vítimas dos "especuladores" na sua visão sobre "a economia social de mercado".

Nenhuma referência foi feita à necessidade de um plano privado de pensões. Nas dez "prioridades da Comissão para 2015-2019" também não há qualquer menção à criação de um plano deste tipo.

Negócio para indústria financeira

Mas ele aí está, pronto para ser aprovado por Parlamento Europeu e Conselho. O relatório da comissão parlamentar responsável, a ECON, escrito pela deputada liberal holandesa Sophia in "t Veld, é favorável ao plano, embora proponha mais de uma centena de emendas. Mas um dos relatores-sombra da comissão parlamentar, o alemão Martin Schirdewan, do GUE (esquerda /verdes nórdicos) é muito duro na sua crítica: "No coração desta proposta não estão preocupações sobre os rendimentos dos reformados, mas apenas a possibilidade de abrir novas oportunidades de negócio para a indústria financeira."

Não faltam provas de que este foi o assunto prioritário na agenda de lóbi da BR em Bruxelas. Em 2015, quando lançou a proposta deste fundo europeu, a empresa norte-americana manteve mais encontros com membros da Comissão do que os seus concorrentes do mundo financeiro. O chairman da empresa, Robert Kapito, explicou ao Financial Times que a empresa decidiu "esforçar-se para que existam mais produtos para reformados para capitalizar o mercado. Quase dois terços dos nossos ativos estão relacionados com pensões", disse.

Larry Fink, fundador e CEO da BlackRock, falando numa cerimónia na Bolsa de Frankfurt em janeiro de 2017, considerou que seria a única possibilidade de desbloquear "o potencial económico" da UE. "Reforçar o mercado de capitais e os sistemas de pensões pode ajudar a libertar esse potencial, e fazê-lo será vital para o futuro económico da Europa." Nesse discurso, criticou aquilo a que chamou "excessiva dependência das pensões estatais" e usou o argumento demográfico para justificar a necessidade de um plano de pensões privado. "As pessoas estão a viver vidas mais longas, aumentando assim a possibilidade de terem de trabalhar muitos anos mais para pagar as suas reformas."

Poucos meses depois, a 6 de junho de 2017, o vice-presidente da Comissão Europeia, o letão Valdis Dombrovskis, comissário responsável pelo tema, usou o mesmo argumento de Fink para apresentar o atual projeto, numa Conferência Europeia de Pensões: "A Europa está a enfrentar um desafio demográfico sem precedentes. Nos próximos 50 anos, prevê-se que a proporção da população em idade de reforma face à população ativa duplique (...) O hiato das pensões vai aumentar a pressão sobre as finanças públicas."

Cortes em Portugal

Dombrovskis é, em Portugal, conhecido pelos seus reparos à forma como as finanças públicas são geridas. Entre as reprimendas do vice-presidente letão estão as pensões públicas. As últimas recomendações específicas para o país, publicadas em 2017, dizem que o tema é um "risco de sustentabilidade orçamental" que o governo deve ter em conta, apesar das reformas feitas no passado. Essas reformas traduzem uma clara orientação de Bruxelas.

Com a troika em Lisboa (governos Sócrates e Passos Coelho), o valor médio das pensões pagas a funcionários públicos diminuiu 27%. Outros cortes atingiram sobretudo os portugueses que mais podem ser beneficiados por um fundo de pensões privado como o PEPP, que funcionará como suplemento às pensões públicas, dependendo das poupanças individuais de cada um: os pensionistas de altos rendimentos. Com a troika, houve um corte de 25% nas pensões acima de 5 mil euros e 50% nas superiores a 7500.

Dombrovskis encontrou-se com a BlackRock duas vezes no ano passado, segundo revelam os arquivos oficiais consultados pelo Investigate Europe. Também em 2017, a empresa reuniu-se também com o diretor-geral Olivier Guersent e com Jan Ceyssens, da Comissão Europeia. E pelo menos uma vez esteve a discutir o PEPP com a direção-geral responsável, a FISMA. A Comissão esclarece que "a DG FISMA apenas teve uma reunião com a BlackRock em outubro de 2017. A FISMA manteve encontros semelhantes com dezenas de outros interessados no PEPP, o que é normal, dado que procuramos ouvir um conjunto alargado de interessados quando produzimos legislação. Também abrimos uma consulta pública para preparar a proposta, como é habitual, na qual a BlackRock foi uma das muitas entidades a responder."

A suspeita de que o lóbi da BlackRock tem um peso especial em Bruxelas é lançada por Guillaume Prache, diretor da Better Finance, a Federação Europeia de Investidores e Utilizadores de Serviços Financeiros. Quando o questionamos sobre o peso da empresa norte-americana nos bastidores de Bruxelas, Prache explica: "Parece que, em 2017, a BlackRock reuniu--se várias vezes com comissários europeus, enquanto nós não tivemos uma só reunião com o comissário responsável pelos serviços financeiros."

Projeto de Moedas contratou BR

Esta crítica das empresas europeias rivais da BlackRock tem uma outra razão de ser. A BlackRock foi a empresa escolhida para gerir o dinheiro do primeiro fundo privado transfronteiriço na Europa. O Resaver é diferente do PEPP porque se dirige apenas a uma classe profissional - investigadores universitários e cientistas - e baseia-se nas contribuições das entidades patronais (universidades, laboratórios, empresas). O PEPP será uma espécie de plano poupança reforma, baseado em poupanças individuais, que pela primeira vez terá regras pan-europeias, benefícios fiscais e tratamento comum.

A escolha da BlackRock para gerir os fundos do Resaver (criado pelo comissário português Carlos Moedas e financiado em quatro milhões de euros pelos fundos H2020) foi um desapontamento para os gestores de fundos europeus. "Apanhou muitos gestores financeiros de surpresa", confessa Guillaume Prache. "É de alguma forma surpreendente que a primeira experiência pública com um plano de pensões pan-europeu tenha sido concedida a uma empresa americana, quando há grandes gestores de ativos financeiros na Europa."

"É um sinal do êxito e da eficiência do seu lóbi", sublinha Prache. O Resaver agrega, entre outras, a Universidade Central de Budapeste, o Elettra Sincrotrone de Trieste, o Instituto Italiano de Tecnologia, a Fondazione Edmund Mach, a Universidade Técnica de Viena e a Associação das Universidades da Holanda.

Do governo para a BlackRock

Em Budapeste, quando assinou o contrato para gerir o dinheiro das pensões do Resaver, Tony Stenning, diretor da BlackRock, considerou que este novo esquema europeu de pensões é uma "evolução decisiva". "É o primeiro passo, embora não vá ser o último", para o crescimento do mercado de pensões na Europa. Esta última frase foi, de alguma forma, premonitória.

Sterling falava em outubro de 2015, meses antes de ser conhecido o plano para a criação do PEPP. Mas a BlackRock tinha já, nessa altura, outros meios de conhecer em pormenor a evolução das decisões europeias. Em abril de 2015 a BlackRock contratou um novo "chefe de macroestratégia", o inglês Rupert Harrison, que tinha sido, até então, o chefe de gabinete do ministro inglês das Finanças George Osborne. Ele fora, nessa altura, o principal arquiteto da "revolução das pensões", um grande projeto lançado pelo governo conservador de David Cameron. Essa "revolução" (assim mesmo designada por Osborne) teve um efeito, de acordo com o Financial Times: "É o primeiro sinal claro de que os maiores grupos de gestão de fundos financeiros estão a preparar-se para tomar a seu cargo um mercado do qual estavam, efetivamente, excluídos antes das reformas anunciadas."

Ou seja, Osborne e Harrison abriram o mercado das pensões britânicas aos gestores de fundos, como a BlackRock. Ambos trabalham agora na empresa. Harrison, como afirma o comunicado oficial da BlackRock, "dada a sua experiência na criação de leis que moldaram a recente reforma das pensões no Reino Unido, está particularmente bem colocado para ajudar a desenvolver as nossas propostas sobre pensões". Osborne juntou-se à BlackRock mais tarde, e participou, como ministro britânico, no processo de criação do PEPP (o comissário dos serviços financeiros da UE até ao brexit era o inglês Jonathan Hill).

Em julho de 2016, depois do brexit, a nova primeira-ministra conservadora Theresa May não reconduziu Osborne no governo. Em fevereiro seguinte, a BlackRock contratou o ex-ministro para "fornecer perspetivas sobre a política europeia, a reforma económica chinesa e tendências como os juros baixos e o seu impacto no planeamento de pensões".

Pensões compram no PSI 20

A contratação destes dois políticos britânicos tinha um objetivo explícito: pensões. Como Kapito afirmou, dois terços dos mais de seis biliões geridos pela BlackRock vêm de fundos de pensões. É a maior quantidade de dinheiro que uma empresa financeira gere no mundo. E o que faz a BlackRock com o dinheiro das pensões? Com esses biliões a BlackRock compra partes significativas das maiores empresas do mundo (só em Portugal, 14 cotadas no PSI 20 têm o gigante norte-americano como acionista, incluindo a EDP, o BCP, a NOS, a Jerónimo Martins e os CTT). Ou seja, o dinheiro dos pensionistas dá à empresa norte-americana um poder decisivo: saber o que fazem, como produzem, como crescem as maiores empresas da economia mundial.

Assim, a BlackRock conseguiu tornar-se um acionista decisivo em quase todos os setores da economia europeia: indústria, banca, serviços, setor agroalimentar. Se a este poder se juntar a gestão dos 2,1 biliões de euros das pensões privadas europeias, qual será o peso de uma só empresa no dia-a-dia da economia europeia? A comissária europeia da Concorrência, Margrethe Vestager, admite estar preocupada com este peso de uma só empresa, numa economia que depende da competição entre várias.

Vários investigadores falam da criação de um "monopólio". "A BlackRock é o reflexo do recuo do Estado social", considera Daniela Gabor, professora de Economia na Universidade West of England. Especialista em bancos e mercados financeiros, Gabor conclui que o poder "sistémico" desta empresa "cresce através de mudanças políticas estruturais". A forma como as pensões dos europeus são geridas pode ser, nesse caso, um capítulo relevante desta história.


Com Crina Boros, Elisa Simantke, Harald Schumann, Jordan Pouille, Nikolas Leontopoulos, Maria Maggiore, Wojciech Ciesla

Investigate Europe é um projeto iniciado em setembro de 2016 que junta nove jornalistas de oito países europeus. Financiado pelas fundações Hans Böckler Stiftung, Düsseldorf, Stiftung Hübner und Kennedy, Kassel, Fritt Ord, Oslo, RudolfAugstein-Stiftung, Hamburgo e Open Society Initiative for Europe, Barcelona, destina-se a trabalhar temas de interesse europeu.

domingo, 3 de junho de 2018

Como se faz fortuna na China

por estatuadesal

(Dieter Dellinger, 03/06/2018)

prisao

O jornal „Negócios“ da Cofina resolveu oferecer um exemplar gratuito quando comemorou há dias o seu 15º aniversário. Aquilo vinha com as biografias dos principais magnatas da nossa praça e em todas podíamos ver que são herdeiros de país ou avôs que fizeram fortuna. Até o homem da Simoldes que diz que começou de baixo, trabalhou no campo e depois numa serralharia, era na verdade neto de um ex-sócio minoritário de uma fabriqueta de moldes que foi corrido quando a empresa começou a dar lucro e depois com o filho e o neto instalaram uma oficina de moldes que foi progredindo até tornar-se no gigante que é hoje.

Digo isto para explicar que, salvo raras exceções, não se fazem fortunas inimagináveis de um dia para o outro. No mundo capitalista, as fortunas crescem ao longo de mais de uma geração, apesar de termos os casos singulares de Bill Gates, Zuckerberg e do tipo do Amazon por terem aparecido com ideias mais ou menos novas nos novos suportes informáticos de há pouco mais de vinte anos.

Na China não tem sido assim. Há fortunas incalculáveis feitas em poucos anos sem que se saiba como foram feitas. Fundamentalmente o grande segredo está na mão-de-obra a preço de escravatura e quando o Partido Comunista da China acredita e apoia um empresário todas as portas estão abertas, incluindo fantásticos créditos bancários.

Vem isto a propósito do eng. Li Shufu que adquiriu há dias 103.619.340 ações da Daimler Benz AG, a fábrica dos célebres Mercedes, por mais de 7,4 mil milhões de euros, já depois de ter adquirido a Volvo sueca e as fábricas Proton da Malásia e dos London Táxi.

O homem não herdou nada e vem de uma sociedade em que ninguém possuía algum bem de produção, mas em 1982 quando se formou em engenharia (dizem) adquiriu uma máquina fotográfica para tirar fotografias a turistas e a quem quisesse ter uma foto sua, já que as máquinas não abundavam e eram fabricadas na China. Para um conhecedor da China, Li Shufu conseguiu a máquina por estar ligado como informador aos serviços secretos do PCC e terá convencido os chefes que podia fazer um bom “trabalho” a tirar fotografias.

Já com o apoio da polícia secreta, Li consegue em 1985 ficar de uma maneira pouco clara com uma pequena fábrica que fazia peças para frigoríficos e pouco tempo depois começa mesmo a fabricar o eletrodoméstico completo, provavelmente com pessoal muito barato e especializado que “alguém” lhe enviava.

A China tinha conhecido a Revolução Cultural que levou ao fecho de numerosas fábricas, pelo que havia muitos operários dispostos a trabalhar por um pouco de arroz.

Uns anos depois, em 1994, iniciou o fabrico de uma cópia de uma scooter japonesa e queria mesmo fabricar carros, mas os seus mentores acharam que estava a querer dar passos demasiado grandes. Aquilo vendeu-se muito bem e até se exportou pois as mais-valias produzidas pelos trabalhadores ultrapassavam os 95%, ou seja, ganhavam 5% do valor do seu trabalho.

Dado esse êxito, novamente “alguém” arranja-lhe uma prisão abandonada que serviu durante o maoismo para fabricar camiões pequenos e aí, em 1997, Li Shufu resolveu iniciar o fabrico de cópias aparentemente fiéis dos Mercedes da Classe E, pelos quais tinha uma paixão enorme. Claro, não tinha dinheiro para comprar as prensas de mil e duas mil toneladas utilizadas na indústria automóvel para moldar as chapas, pelo que começou a fabricar carroçarias em plástico reforçado com fibra de vidro como se fazem os barcos e adquiriu componentes como motores, transmissões, etc. à FAW (Primeira Fábrica de Automóveis da China), algo só possível com muita influência de cima.

Muitos dos antigos prisioneiros voltaram à fábrica que já não era prisão para ganharem apenas o suficiente para comerem e receberem uns fatos de macaco. Não tinham para onde ir. Nos tempos do Mao, a fábrica “contratava” pessoal, prendendo ao calhas os especialistas que precisavam, mas a situação acabou mal porque alguns técnicos eram membros do partido e aquilo causou muito barulho interno até fechar e terá mesmo sido dada a Li Shufu.

As cópias dos Mercedes não deram resultado. O mercado percebeu que aquilo era de plástico e até entortava com o sol e os motores eram de fabrico chinês. Só o aspeto é que dava a impressão de ser verdadeiro.

Li Shufu passou a fazer cópias de carros mais modestos e lentamente arranjou dinheiro de “alguém” para comprar prensas modernas para chapa, mandar produzir chapa zincada e adquirir o sistema elétrico Bosch e outras coisas, incluindo motores Renault.

Não dizem, mas parece que Li Shufu foi o comprador da Roover que desmontou no Reino Unido e instalou na sua fábrica para fazer as mais diversas cópias e fabricar os Mercedes C sob licença com o apoio da Mercedes que até lhe forneceu prensas e componentes mecânicos.

Em 2005, a empresa de Li, a Geely, foi à bolsa de Hong Kong para angariar o capital necessário à aquisição das máquinas na Alemanha.

Em 2010, Li adquire a Volvo, começando a fabricar os Volvos de luxo na China, mantendo o fabrico dos mais pequenos na Suécia. Na China só se vendia o luxo, pois, como ainda é hoje, ou se é milionário ou quase miserável. Só agora é que começa a aparecer lentamente uma classe média mais ampla que vai ser a demolidora da ditadura comunista chinesa.

Enfim, de oferta em oferta Li Shufu chega a uma fortuna impensável, calculando-se de cada euro da sua fortuna 90 a 95 cêntimos resultaram do trabalho não pago aos seus trabalhadores ou mais valia no sentido marxista do termo.

Li é o exemplo de como as teses de Karl Marx dão um resultado fenomenal em termos de exploração do trabalho e formação de fortunas incalculáveis e está longe de ser o único na China.

Na foto acima: A prisão fábrica onde Li iniciou a produção de automóveis com os antigos escravos que trabalhava a troco de um pouco de arroz e fatos macacos, dormindo em esteiras como nos tempos em que a justiça Chinesa mandava qualquer um para a prisão.