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segunda-feira, 11 de junho de 2018

Se as mulheres mandassem no mundo ele seria melhor?

por estatuadesal

(Paula Cosme Pinto, in Expresso Diário, 11/06/2018)

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Imaginemos que um dia as mulheres acordavam com a possibilidade física de infligir uma dor atroz a alguém, ou até mesmo matar, com um simples estalar de dedos. E imaginemos que os homens não tinham esse poder. Como seria o mundo se os papéis de superioridade física se alterassem, e isso servisse de catapulta para uma alteração de statu quo entre homens e mulheres? Com as mulheres em posição de poder sobre os homens o mundo seria mais justo e equilibrado ou nem por isso? Esta reflexão já foi feita e o resultado é verdadeiramente perturbador.

O resumo que fiz em cima é o ponto de partida para o livro "O Poder", de Naomi Alderman, que acaba de chegar a Portugal pela mão da Saída de Emergência. Li-o há uns meses ainda na versão em inglês e posso dizer-vos que é um verdadeiro murro no estômago, o tipo de livro que tem o condão de nos pôr a pensar nos mecanismos do poder e na essência do ser humano, para além do sexo com que se nasce. À partida podemos achar que a alteração da questão da superioridade física, que, historicamente, tem servido de rastilho para muitas das restantes formas de superioridade dos homens sobre as mulheres, poderia encaminhar-nos para um mundo mais igualitário. Mas será que a inversão dos papéis teria esse condão da bonança? Ou será também essa expectativa uma forma estereotipada de olharmos para as mulheres enquanto seres inatamente mais emotivos, harmoniosos e detentores de compaixão? Poderia ser esta alteração de protagonistas apenas um ponto de partida para uma nova abordagem ao abuso de poder?

Nesta distopia - publicamente aplaudida por Margaret Atwood, por exemplo - Naomi Alderman é exímia a mostrar-nos quão rápida poderia ser a alteração do mundo em que vivemos se as mulheres não tivessem mais de temer pela sua integridade física. De repente olhamos para uma Arábia Saudita onde as mulheres tiram a burca e começam a sua revolução, exigindo os direitos que lhes são devidos enquanto seres humanos, e tudo isto nos parece incrível. Tal como nos parece incrível que um grupo de mulheres vítimas de tráfico humano e exploração sexual na Europa de leste consiga escapar a anos de tortura com um simples estalar de dedos. Há momentos em que começamos até mesmo a sentir um certo prazer na possibilidade de vingança quando pensamos nas milhares de pessoas vítimas destes esquemas, escravizadas em pleno século XXI por homens que as tratam como gado. Confesso que pelo menos eu cheguei mesmo a sentir um certo regozijo quando me deparei com a cena de uma adolescente que é continuamente abusada sexualmente pelo próprio pai, e que o consegue matar em vez de ter de passar por mais uma nova violação.

São muitas as situações relatadas neste livro que nos fazem rapidamente pensar: era mesmo disto que precisávamos para que o mundo fosse um lugar melhor para quem nasce mulher. Mas ao mesmo tempo que Naomi Alderman nos faz pensar nas maravilhas que isto do fim da superioridade física masculina poderia operar nas estruturas de poder, que servem de alavanca a múltiplas formas de discriminação do sexo feminino, faz-nos também imaginar como poderia ser para os homens viverem constantemente com medo. Imaginemos então homens que passam a temer andar sozinhos na rua em sítios ermos ou à noite. Homens que temem passar por grupos de mulheres porque podem ser violados em grupo. Rapazes que passam a ter medo de frequentar escolas mistas, por exemplo, porque temem que as raparigas os possam magoar. Maridos que passam a ter medo das mulheres porque uma discussão pode escalar para uma cena de violência física em que elas ganham sempre graças à dor que conseguem facilmente infligir.

ERA MAIS FÁCIL FAZER UM LIVRO COM MULHERES HEROÍNAS

Estes são apenas alguns dos exemplos mais suaves, porque neste mundo hiptotético, a inversão do poder tem o condão de direcionar boa parte da população para a vingança. E o cenário, acreditem, pode ser bem pior. Imaginemos então um mundo onde surgem novas religiões agarradas ao dogma da Grande Mãe, usando as redes sociais para espalhar a "palavra da Senhora" em jeito de lavagem cerebral das massas. Um mundo onde os cargos de liderança política começam a ser maioritariamente femininos, tal como a composição das forças armadas. Um mundo onde se fazem golpes de Estado, e que por uma questão de segurança contra os 'rebeldes do sexo masculino', todos os homens ficam proibidos de ter passaporte, e obrigatoriamente sob a alçada de uma guardiã feminina. Um mundo onde mulheres escravizam e traficam homens. Um mundo onde os homens são tratados entre o abuso e a condescendência. Ou seja, um mundo onde muito do que acontece nos dias de hoje se repete, mas com os papéis invertidos, sempre com a desculpa de que o passado nos mostra que "se os homens discriminaram as mulheres durante séculos, não são dignos de confiança" e devem, portanto, ser considerados cidadãos de segunda. Tratados de forma diferenciada no que toca aos seus direitos, oportunidades e dignidade.

Naomi Alderman poderia ter optado pela forma mais fácil de fazer isto e descrever-nos um mundo idílico, onde as mulheres surgiam simplesmente como grandes heroínas, capazes de tornar as suas sociedades em sítios mais tolerantes, harmoniosos e equilibrados graças a todos os erros de que foram alvo durante séculos de existência. Mas isso continuaria a ser uma distopia bastante improvável. O caminho que esta escritora norte-americana escolhe é de longe mais pertubador, mas possivelmente mais próximo da realidade da natureza humana. Deixando claro que o grande problema nestas matérias passa sempre pelo usufruto do poder, quando este pende só para um lado da balança. Quem o tem não o quer perder porque teme o que lhe pode acontecer se estiver na situação contrária. E assim se vão alimentando as malhas da rede que permite que os privilegiados assim o sejam sempre, sem prejudicar o equilíbrio do desequilíbrio deste tabuleiro.

Embora depois de tudo que descrevi (e só não conto mais porque não quero ser spoiler), é talvez difícil compreender quão feminista é este livro. Mas é. Toda a construção da narrativa nos leva a relembrar não só as subtilezas das desigualdades do mundo contemporâneo entre géneros, como também nos leva a pensar sobre quão importante é levar a sério o feminismo enquanto ideologia que defende a igualdade de direitos, oportunidades e dignidade entre homens e mulheres. Em jeito de lição a não esquecer: o feminismo passa por repartir deveres e privilégios de forma equilibrada e igualitária, e nunca por retirar direitos a nenhuma das partes.

Sim, o feminismo passa obviamente por percebermos e assumirmos que as mulheres têm sido amplamente discriminadas ao longo da história até aos dias de hoje. Mas passa também por percebermos que parte dessa discriminação assenta em estereótipos e expectativas sociais distintas que recaem também sobre o sexo masculino, e que lhe são prejudiciais, embora noutras dimensões e com outras consequências. Passa por percebermos que não se trata de simplesmente transferirmos o poder de um lado para o outro, ou de mudarmos os protagonistas nisto de quem oprime e de quem é oprimido.

O feminismo passa por incluir homens e mulheres num diálogo aberto e abrangente que nos encaminhe para um mundo onde nenhum dos lados tema perder a tal posição de poder. Porque se existe alguma forma de equilíbrio entre pessoas, ela está no poder partilhado. Um poder que nos vê a todos como pares, independentemente do nosso género, etnia, orientação sexual, estatuto económico e demais fatores que ainda nos diferenciam, estigmatizam e espartilham enquanto seres humanos.

Sem surpresas, este livro já está a ser transformado numa série televisiva. Até lá, aproveitem as férias para uma leitura. Vale a pena refletir sobre isto.

Eu quero autoflagelar-me, mas não sei como

Novo artigo em BLASFÉMIAS


por CGP

Catarina Martins, com a profunda perspicácia que a caracteriza, decidiu apelar a que no 10 de Junho os discursos oficiais reconheçam "a enorme violência da expansão portuguesa, a nossa história esclavagista, a responsabilidade no tráfico transatlântico de escravos". Obviamente, isso já foi reconhecido há muito tempo. Ainda recentemente, Marcelo, numa visita oficial ao Senegal, fez isso mesmo. Claro que o que Catarina Martins quer não é apenas o reconhecimento que o estado português já fez por diversas vezes e que se encontra nos livros de história nas escolas públicas. O que Catarina quer é uma sinalização de virtude, apostada na culpa do homem branco, para continuar a fazer passar a sua agenda política. O importante é ter Catarina como voz da consciência de uns portugueses em constante autoflagelação por os seus antepassados terem feito o mesmo que todas as potências da altura (mesmo as potências regionais na África e Ásia) faziam. Mas antes de comerçamos a dar vazão ao chicote, convém esclarecer algumas coisas:

1. São todos os portugueses culpados? Por exemplo, os portugueses de raça negra também deverão pedir desculpa ou esses estão isentos?
2. Se os portugueses de raça negra estão isentos, os mulatos podem pedir só meia desculpa ou como têm antepassados nos dois lados a coisa cancela?
3. Se a descendência é o critério, os portugueses cujos antepassados não se envolveram no tráfico de escravos também têm que pedir desculpas?
4. Na medida em que boa parte dos traqficantes de escravos se estabeleceram no Brasil, não deveria ser o presidente do Brasil a pedir desculpas? Alguém exigiu isso ao Lula?
5. Se os portugueses devem herdar por inteiro a culpa de algo feito pelos seus antepassados há 12 gerações, não deveriam poder herdar por inteiro aquilo que os seus pais acumularam durante a vida. Ou isto das heranças só funciona com as culpas e o resto deve ser taxado?

Espero que a Catarina Martins nos ilumine para que a tão desejada autoflagelação possa finalmente começar.

TIRANETES, MACACOS E JORNALISTAS

por estatuadesal

(Por Soares Novais, in A Viagem dos Argonautas, 10/06/2018)

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Avaliação dos professores

Novo artigo em Aventar


por António Fernando Nabais

[José António Fundo*]

Há, no meio educativo e das ciências da educação, muito conhecimento e trabalho sobre a avaliação educativa. Sobre a avaliação do processo de educar, da eficácia do trabalho realizado mediante os objetivos. Há metodologia, princípios, práticas estudadas.
Agora perguntem-me porque é que a avaliação dos professores, promovida de modo populista pelos políticos, ignora todo este conhecimento que existe sobre o assunto?
Porque insiste avaliar os professores como se fossem funcionários de um call center?
É fácil responder. A avaliação em vigor visa três objetivos:
1- Reduzir custos com os professores ao mesmo tempo em que se lhes exige mais trabalho (sobretudo paralelo às suas funções).
2- Dividir os professores e colocá-los em competição para que percam o mais possível a noção de classe e sejam incapazes de estar unidos em qualquer tipo de reivindicação.
3- Colocar a população contra os professores, considerando-os preguiçosos e incompetentes, entendê-los como despesa excessiva e prejudicial do estado.Não é eficaz a avaliação em vigor, porque não se centra na qualidade do trabalho docente ou da educação mas antes na estratificação dos professores, no acentuar do seu medo e subserviência a tarefas administrativas.

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A culpa é nossa!

Novo artigo em BLASFÉMIAS


por Cristina Miranda

Já pararam para reflectir porque razão temos tão fraca qualidade de governantes quer em Portugal, quer no resto do Mundo? E já repararam também que além de serem medíocres agem de forma irresponsável, sem ética, sem valores, corrupta e mentirosa como se fosse algo perfeitamente normal e aceitável sem sequer se esconderem muito? A explicação para esta podridão legalizada está em nós, cidadãos. Somos os culpados porque nos deixamos manipular por eles.

A primeira defesa contra os manipuladores é a tomada de  consciência da sua existência e questionar sempre tudo o que nos dizem ou apresentam como teoria ou explicação para uma determinada situação, seja de quem for. Quando não duvidamos estamos a abrir uma porta à manipulação que, se for bem feita, toma imediatamente conta do nosso pensamento, contaminando-o. Já não somos nós a tirar conclusões mas sim através dos manipuladores que de forma subtil usam o sentimento para provocar uma reacção emocional que nos vai condicionar o raciocínio lógico. É o caso dos "migrantes refugiados" que nos aparecem em botes sobrelotados em suposto "desespero", onde nos vendem um "resgate" que não o é, quando na verdade as ONG vão buscá-los à costa da Líbia, enquanto nem reparamos que quase não há mulheres, crianças ou idosos. Se fogem da guerra porque só vêm milhares de homens muito jovens? Pensem.

Questionar, duvidar, pesquisar enquanto houver dúvidas sobre uma determinada teoria oficial não é criar uma teoria da conspiração (se assim fosse, o MP e investigadores da PJ seriam uma organização legalizada de conspiradores). É demonstrar capacidade crítica independente. É  demonstrar força contra as manipulações governamentais que nos querem submissos e ignorantes. Os manipuladores querem que fiquemos satisfeitos com as "provas" que fabricam para nos sossegar ou levar a pensar o que eles querem e por isso sonegam informação. São os primeiros a proibir acesso a dados, a destruir prova, a censurar investigação independente e claro, a classificar como "conspiração" tudo o que sai do seu controle para descredibilizar quem faz investigação paralela.  Vejamos um exemplo em Portugal com Pedrógão Grande: Foi o não criada uma verdade alternativa dizendo que tinha sido a natureza a provocar aquela tragédia? Foi ou não verdade que impediram todos os organismos de revelar o número real de mortes? Foi ou não verdade que foi criado entraves ao acesso à informação sobre a tragédia para que fiquemos convencidos da versão oficial?  Foi ou não destruída prova na ANPC e INEM? Continuam ou não muitos mistérios por responder enquanto governo fala de "teorias de conspiração"?

Claro que este exercício não é fácil. Sobretudo se estivermos emocionalmente ligados a essas pessoas. É o caso da política quando é o "nosso" partido que governa; é o caso do futebol quando é o "nosso" clube que está a ser investigado; é o caso de um familiar ou amigo  quando é apanhado num acto ilícito. As ligações afectivas tornam-nos menos racionais. Logo, mais susceptíveis de manipulação. Colocar o coração de lado na hora de analisar uma situação, a frio, não é fácil mas também não é impossível. Para muitos será natural porque já nasceram com essa habilidade, para outros requererá treino. Contudo tem de ser feito. Porque a manipulação de massas é um facto como o descreve Noam Chomsky e todos os poderosos do Mundo a usam em seu benefício. Infelizmente para nós que não passamos de meros peões neste tabuleiro gigante prontinhos para sermos usados como lhes convém, sem olharem a meios para atingir fins.

As estratégias de manipulação de massas visam bloquear a capacidade crítica para manter o Mundo nas mãos dos poderosos do jeito que eles o idealizam: sob seu total controlo. Nós somos apenas vistos como carneiros estúpidos que eles julgam capazes de neutralizar. Despertar consciências para esta realidade é uma missão de muitos como eu que acreditam que a saída deste lodo político, desta podridão de gente nos governos  só acaba com a mudança nos cidadãos. Aprender a exigir, responsabilizar e depois condenar  e correr a ponta pé esta corja, é vital para a sobrevivência das sociedades.

A culpa é nossa, só nossa,  que aceitamos tudo o que nos é dito sem contestação, que não duvidamos nem questionamos nada. Se queremos mudança temos de  promovê-la começando desde já a mudar a forma como olhamos para os políticos, sejam eles de que partido forem. Não podemos sonhar com melhores resultados se continuarmos a insistir nos mesmos erros.