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domingo, 1 de julho de 2018

Mexicanos vão a votos em eleições com resultado previsível, ao contrário do futuro do seu país

1/7/2018, 14:27

O esquerdista López Obrador é o favorito para vencer as eleições mexicanas, pondo um fim a décadas de poder do PRI e do PAN. Violência, corrupção e Trump pesam sobre o futuro incerto do México.

PEDRO PARDO/AFP/Getty Images

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Os mexicanos vão a votos este domingo no México, numas eleições que se prevêem que resultem na eleição de Andrés Manuel López Obrador como Presidente do México. O líder do Morena deixa no ar mais dúvidas do que respostas para o futuro do país, que chega às urnas numa altura em que a corrupção e a violência no México chega a níveis preocupantes.

Durante a longa campanha, que durou três meses, López Obrador prometeu levar o México à sua quarta transformação, sucedendo assim a três momentos históricos daquele país: a independência (1821), a reforma (1854) e a revolução (1920).

As urnas abriram às 8h00 locais (14h00 de Lisboa) e só fecham às 18h00 locais (00h00 de Lisboa). Os primeiros resultados são esperados apenas às 23h00 locais deste domingo (5h00 de segunda-feira de Lisboa).

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O fundador e líder do Morena (Movimento Nacional de Regeneração, de esquerda) aparece destacado nas sondagens, com valores que quase tocam nos 50% — o suficiente para ser eleito, já que no México as eleições presidenciais fazem-se a uma só volta. O maior adversário de López Obrador é Ricardo Anaya, do Partido Ação Nacional (PAN, de centro-direia), cujas previsões em torno dos 25% o deixam longe de poder realisticamente ser eleito.

Ao vencer estas eleições, o homem conhecido como AMLO (junção das suas iniciais) deverá tornar-se no primeiro Presidente mexicano a liderar um governo que não pertence nem ao Partido Revolucionário Institucional (PRI, de centro-esquerda e do Presidente cessante, Enrique Peña Nieto) nem ao PAN. López Obrador já tinha concorrido outras duas vezes para Presidente do México: em 2006 perdeu por menos de 250 mil votos contra Felipe Calderón; em 2012 perdeu contra Peña Nieto, por 6,6%. Agora, a vitória parece não fugir-lhe das mãos.

Desta forma, o resultado destas eleições presidenciais e legislativas é praticamente um apontamento quando colocado ao lado daquilo que parece ser a maior dúvida: que futuro sobra para o México depois deste domingo? A campanha de López Obrador tem sido marcada por uma ambiguidade.

Embora prometa o fim daquilo a que chama a “época neoliberal” e de se promover como um opositor do establishment — valendo-lhe de forma recorrente comparações a Hugo Chávez — durante esta campanha procurou ir ao encontro de empresários. Se, de um lado, promete um combate cerrado contra a corrupção, por outro, em dezembro, chegou a sugerir amnistiar alguns dos líderes de cartéis da droga que estão atualmente presos — proposta que retirou depois de ter sido amplamente criticado por ela.

A violência é também uma das principais preocupações neste México que vai agora a votos. Com mais de 26 mil homicídios — a um ritmo cerca de 80 por dia — o ano de 2017 foi um dos mais sangrentos dos últimos 20 anos, quase ultrapassando os 27.199 homicídios registados em 2011. Aqui, o combate ao narcotráfico e também os conflitos entre alguns daqueles grupos criminosos, é o principal responsável. Durante a campanha, também foram mortos 130 políticos.

A nível internacional, López Obrador terá a Norte o seu maior desafio, à medida que Donald Trump fecha a fronteira com o México (impedindo a passagem de emigrantes mexicanos e também de outros países da América Central) e no caso de o Presidente norte-americano cumprir a sua promessa de rever ou cancelar o NAFTA, o tratado de livre-comércio entre os EUA, o México e o Canadá.

Matteo Salvini quer criar uma liga europeia depois do seu triunfo em Itália

ITÁLIA

HÁ UMA HORA

Líder de partido anti-imigração e eurocético quer uma união de partidos semelhantes à Liga em todos os países europeus. E promete governar uma "Itália sem medo" durante "os próximos 30 anos".


Matteo Salvini, líder da Liga

PAOLO MAGNI/EPA

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  • Agência Lusa
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O líder do partido nacionalista de extrema-direita Liga, Matteo Salvini, afirmou este domingo no encontro anual do partido que, depois de alcançado o objetivo de integrar o Governo em Itália, quer criar uma Liga nacionalista europeia em 2019.

O encontro anual do partido, em Pontida, no norte de Itália, é o primeiro desde que Salvini obteve mais de 17% dos votos nas eleições de março e foi chamado a formar um Governo de coligação com o populista Movimento 5 Estrelas, no qual é vice-primeiro-ministro e ministro do Interior.

No discurso que pronunciou perante milhares de apoiantes, Salvini, 45 anos, festejou os resultados do partido, mas disse recusar “conformismos” porque “o objetivo é mudar a Europa” e “dar voz” a todos quantos estão dececionados com as políticas europeias.

“Penso numa Liga de Ligas na Europa, que una todos os movimentos livres, orgulhosos e soberanos que querem defender a sua população, as suas fronteiras, as suas fábricas e o bem-estar dos seus filhos”, disse, à frente de um cenário onde se lia o lema do partido para as últimas eleições, “Os Italianos Primeiro”.

“Só se as ideias da Liga chegarem a França, Alemanha, Espanha, Polónia, Áustria, Hungria, Dinamarca ou Portugal esta Europa terá a esperança de existir”, afirmou.

Salvini prosseguiu afirmando que a vitória em Itália foi “só o princípio” de uma corrida que pretende levar a um “nível continental” a partir de 2019, quando se realizam eleições para o Parlamento Europeu.

No discurso em Pontida, Salvini aproveitou também para falar da situação interna do país, afirmando que a ação do seu partido no poder serve de exemplo para o resto do continente: “Não apenas os italianos, mas também toda a Europa, notaram que há um Governo que fez num mês mais do que os outros governos fizeram em seis anos de sono”, afirmou.

E o líder da Liga deixou uma promessa para o futuro: “Quero governar não por cinco meses ou por cinco anos”, declarou. “A Itália que vamos governar nos próximos 30 anos é uma Itália que não tem medo de nada nem de ninguém.”

A Liga, que chegou ao governo com 17% dos votos em março, é creditada atualmente pelas sondagens com 31,2% das intenções de voto, o que faz do partido o maior de Itália. Por outro lado, numa sondagem recente, realizada em meados de junho pelo instituto Ipsos, 59% dos italianos afirmaram apoiar a política de imigração de Salvini.

Oito novos tratamentos contra o cancro explicados por três oncologistas. O segredo é reduzir e personalizar

01 Julho 2018

Vera Novais

Durante os encontros médicos há sempre notícias sobre avanços promissores. O que podemos ver aplicado num futuro próximo no tratamento do cancro? Perguntámos aos oncologistas que estiveram presentes.

“Não conseguimos vencer a guerra contra o cancro, mas estamos a conseguir vencer algumas batalhas”, diz o oncologista Paulo Cortes. E essas batalhas vencem-se quando se reduz o tempo de tratamento com as mesmas vantagens, mas com menos efeitos secundários, quando se desenvolvem novos tratamentos ou quando se aposta numa medicina personalizada (em que o tratamento é específico do doente). E todos os anos — para não dizer todos os meses — há novidades sobre novas armas e estratégias para usar nestas batalhas.

“A ciência está a evoluir no sentido da personalização dos tratamentos”, diz Gabriela Sousa, médica do Serviço de Oncologia Médica do Instituto Português de Oncologia de Coimbra. Porque não existe — e provavelmente nunca existirá — uma cura universal para o cancro. Não só o cancro do pulmão é diferente do cancro da mama e diferente do melanoma, como cada cancro do pulmão é diferente de pessoa para pessoa. “São doenças diferentes, em pessoas diferentes, com imunidades diferentes”, diz ao Observador Paulo Cortes, presidente da Sociedade Portuguesa de Oncologia.

“Como é que tumores biologicamente iguais se comportam de maneiras diferentes em cada pessoa?”

Gabriela Sousa, médica do Serviço de Oncologia Médica do Instituto Português de Oncologia de Coimbra

Os congressos médicos da especialidade são um bom local de partilha de todos estas descobertas, dos resultados dos ensaios clínicos, da confirmação daquilo que já se sabia ou da apresentação de resultados completamente inesperados. Mas estes congressos falam numa linguagem própria: a linguagem dos médicos e investigadores. O que é que isto significa para os doentes e para as famílias?

O Observador falou com três oncologistas portugueses que estiveram na reunião anual da Associação Americana de Oncologia Clínica — 2018 ASCO Annual Meeting —, que reuniu mais de 30 mil participantes, para perceber o que de mais importante se discutiu nesta reunião e que impacto pode ter na prática clínica.

Estimativa da incidência de cancro e mortalidade causada pela doença. O cancro da mama e da próstata têm incidências altas, mas têm taxas de cura na ordem dos 70%. Apenas 40% dos cancros são preveníveis, mas deixar de fumar é a principal causa de cancro que se pode prevenir — WHO

Como evitar a quimioterapia nas doentes com cancro da mama?

Ouvirmos dizer que a quimioterapia pode ser evitada em 70% das mulheres com cancro da mama são boas notícias, mas devem ser explicadas, porque não se referem a todos os tipos de cancro, nem as medidas vão ser aplicadas em toda a parte. É verdade que o estudo que chegou a estas conclusões foi feito com o tipo de cancro da mama mais frequente, ainda assim refere-se apenas a um tipo de cancro da mama: precoce, hormono-dependente, sem nódulos axilares e HER2-negativo.

A grande vantagem deste trabalho em relação a estudos anteriores, explica Paulo Cortes, é que este se trata de um estudo prospetivo, e não retrospetivo, ou seja, um estudo controlado que acompanha os doentes ao longo do tempo, e não um estudo baseado em dados do passado. “A aplicabilidade prática é imediata”, garante o médico.

Os resultados foram baseados num teste genómico ao cancro da mama — Oncotype DX — que identificou 21 genes e vai beneficiar sobretudo quem tem acesso a este tipo de testes. “Nos Estados Unidos este tipo de teste genómico é pedido a todas as mulheres com cancro da mama hormono-dependente”, disse Fátima Cardoso, diretora da Unidade da Mama do Centro de Cancro Champalimaud. “Mas na Europa só se pede um teste genómico quando há dúvidas se a pessoa precisa de fazer quimioterapia.” A investigadora explica porquê: nos Estados Unidos, as seguradoras comparticipam estes testes, mas na Europa não. Cada teste genómico Oncotype DX custa 3.600 euros por doente, lembra Gabriela Sousa.

“Em Portugal, e em muitos países da Europa, os testes não são reembolsados nem pelas seguradoras, nem pela maioria dos sistemas de saúde.” Mas deviam, na opinião da médica. A esperança é que estes resultados sirvam de pressão para que passe a haver comparticipação. Paulo Cortes reforça que agora “temos dados de evidência científica de qualidade”, que se traduzem em “poupanças de recursos”.

“Na Europa só se pede um teste genético quando há dúvidas se a pessoa precisa de fazer quimioterapia.”

Fátima Cardoso, diretora da Unidade da Mama do Centro de Cancro Champalimaud

Para Fátima Cardoso, os resultados são particularmente importantes para quem usa Oncotype DX e não sabe o que fazer com os casos de risco médio de recidiva (o risco de o cancro voltar a aparecer). Mas na Europa “não vai mudar o que se faz na prática”, afirma a médica, responsável pelas recomendações europeias para o cancro da mama (precoce e avançado).

Para decidir se um doente precisa de fazer quimioterapia para evitar recidivas avaliam-se as características do tumor — o tipo de tumor, grau de diferenciação das células, resposta a outros tratamentos — e o doente (como a idade e o estado de saúde geral). Se o risco é baixo, a terapia hormonal pode ser suficiente. Quando o risco é alto, a quimioterapia é fortemente aconselhada. Quando o risco é médio, podem surgir algumas dúvidas sobre que tratamento fazer, dúvidas essas que os testes genéticos podem ajudar a resolver.

“Já estávamos à espera do TailorX [Trial Assigning Individualised Options for Treatment] há muito tempo”, disse Fátima Cardoso, sobre o estudo agora apresentado. Este trabalho veio reforçar os resultados que a equipa da investigadora já tinha publicado em 2016 na revista The New England Journal of Medicine. Na altura, a equipa validou o teste Mammaprint com ensaios clínicos e verificou que 46% das mulheres, com cancro da mama em estádio inicial, que são classificadas como doentes de alto risco pelos métodos tradicionais poderiam evitar fazer quimioterapia.

As vantagens de evitar quimioterapia são claras, para o doente e para a sociedade. Por um lado, o doente evita todos os efeitos secundários da quimioterapia, como cansaço, náuseas, vómitos, queda de cabelo e, mais tarde, o risco de problemas cardíacos e outros tumores. Por outro, evitam-se os custos indiretos, como as faltas do doente ao trabalho ou os profissionais de saúde que deixam de estar alocados a esse tratamento.

Os testes genéticos e genómicos podem ajudar a escolher os melhores tratamentos?

Teste genético vs genómico

Um teste genómico pretende analisar os genes do tumor, enquanto o teste genético se refere à análise dos genes da pessoa (doente ou não).

Paulo Cortes considera que a análise dos genes das células tumorais e dos doentes, e a interação com o microbioma, “tem tido um grande desenvolvimento e tem-se mostrado muito promissora”. Estas análises identificam alterações genéticas que podem, potencialmente, ser alvos terapêuticos para os medicamentos. É preciso é que esses fármacos estejam disponíveis. E é isso que faz Fátima Cardoso olhar de uma forma mais cautelosa para a possibilidade de estes testes ajudarem a escolher os tratamentos. “Ainda não existem medicamentos para todas as alterações que possam ser identificadas pelos testes genéticos ou genómicos.”

O presidente da SPO concorda que os testes genéticos não são solução para tudo, mas estes testes podem ajudar a selecionar que doentes podem beneficiar da imunoterapia e que tipo de resposta podem ter, por exemplo. “É uma revolução a começar. Estamos a dar os primeiros passos e precisa de ser integrada com calma, mas é irreversível.”

Identificar os genes de uma pessoa tornou-se relativamente fácil. Saber o que fazer com os resultados nem tanto — chemicalbilly/Getty Images/iStockphoto

Por enquanto, as recomendações europeias e norte-americanas dizem que este tipo de testes não deve ser usado, só nos ensaios clínicos. O problema é que há muitos testes genéticos disponíveis sem controlo nem regulamentação, alerta a Fátima Cardoso. E as pessoas chegam à consulta com o resultado dos testes à espera de uma solução. “Primeiro, é preciso perceber, entre todas as alterações do tumor, quais são realmente importantes, quais as que potenciam a malignidade do tumor. Em seguida é necessário desenvolver medicamentos que consigam chegar a esses alvos”, refere a investigadora para reforçar o longo percurso que ainda é preciso fazer.

Como melhorar a monitorização dos tratamentos?

Ainda sobre os testes genéticos, Gabriela Sousa não vê vantagens em generalizar este tipo de testes genéticos. A oncologista prefere falar de outra possibilidade: as biópsias líquidas, que analisam os nossos fluídos corporais (sangue, urina ou ar expirado) à procura de proteínas tumorais que possam ajudar a detetar a doença antes de esta se manifestar. “Ainda estamos longe da prática clínica, porque envolve tecnologia muito cara”, diz. Em estudo está, por exemplo, a possibilidade de usar biópsias líquidas para monitorizar a evolução dos tratamentos.

A especialista em tumores urológicos (rim, próstata, bexiga, testículos) dá como exemplo o carcinoma da próstata resistente à castração. Existem seis fármacos aprovados para o tratamento destes doentes, mas nem todos os tratamentos são igualmente eficazes com todos os doentes. “A biópsia líquida permite-nos perceber quais é que podemos eliminar à partida.”

Mas as biópsias líquidas não são a única hipótese de monitorizar os tratamentos e também aqui podem haver melhorias. Durante o encontro, um grupo de investigadores mostrou que um método de diagnóstico, que já existe em Portugal (PET PSMA), usado em doentes que foram sujeitos a cirurgia ou quimioterapia, era mais eficaz a detetar metástases e conseguia fazê-lo mais cedo. Isto permite que os doentes iniciem ou mudem de tratamento mais cedo também, explica Paulo Cortes.



Estimativa da incidência de cancro nas mulheres, em 2012. A incidência de cancro nas mulheres portuguesas é inferior à dos homens (ver gráfico seguinte).

WHO

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A imunoterapia é solução para todos os problemas de cancro?

Sobre a imunoterapia, Fátima Cardoso apressa-se a dizer que “não é uma panaceia” e “não vai dar a cura para o cancro”. “É uma nova arma que estamos a aprender a usar, mas só funciona com alguns tipos de cancro.” Além disso, precisa de ser coadjuvada com radioterapia ou quimioterapia.

Paulo Cortes concorda que não é um tratamento universal, mas defende que a imunoterapia representa uma mudança de paradigma, porque é uma abordagem transversal a vários tumores, em vez de ser uma abordagem confinada a cada tipo de tumor. “Têm-se falado muito de imunoterapia e com justiça, porque tem feito uma enorme diferença para alguns tipos de tumores e tem tido boas respostas em tumores de fases avançadas”, diz o oncologista.

Os melhores resultados para a imunoterapia têm sido encontrados nos tumores que têm mais mutações genéticas, como o melanoma ou alguns subtipos de cancro do pulmão, nomeadamente cancro do pulmão de células não-pequenas. Neste encontro, não houve novidades em relação ao tratamento do melanoma, conta o especialista neste tipo de tumor, mas os estudos apresentados tornaram mais sólidos os conhecimentos existentes. Já no caso do cancro do pulmão, além dos trabalhos que consolidam os conhecimentos prévios, houve também novidades: os cancros do pulmão de células escamosas e de pequenas células podem beneficiar de tratamentos de imunoterapia. Por enquanto, é preciso esperar por mais estudos que confirmem estes resultados.

Em oposição, a imunoterapia não tem mostrado grandes resultados com o cancro da mama, lembra Fátima Cardoso. “Talvez com o cancro da mama triplo negativo [quando o cancro da mama não é hormono-dependente nem HER2-positivo] venha a ter um papel importante.” Este subtipo de cancro da mama tem, pelo menos, sete subgrupos identificados e ainda não existe tratamento específico para nenhum deles.

Em relação ao caso de Judy Perkins, uma norte-americana que foi sujeita a uma nova técnica de imunoterapia para tratar um cancro da mama metastático, Fátima Cardoso não vê razão para ter sido publicado na Nature Medicine. “A doente não está curada, está em remissão completa. A doença não é visível, mas não desapareceu”, lembra a médica. “Já tive doentes, a fazer só hormonoterapia, em remissão completa durante quatro ou cinco anos, mas, eventualmente, a doença regressa.” Deste caso, a investigadora retira aquilo que se pode aprender com as pessoas que tiveram resultados excecionais para ajudar a tratar os outros doentes.

“A doente não está curada, está em remissão completa. A doença não é visível, mas não desapareceu.”

Fátima Cardoso, diretora da Unidade da Mama do Centro de Cancro Champalimaud

Fátima Cardoso lembra que todos os anos 1,7 milhões de mulheres são diagnosticadas pela primeira vez com cancro da mama. A técnica usada é específica para cada pessoa, o que implica que demore muito tempo, custe muito dinheiro e que seja logisticamente difícil de aplicar. Para a investigadora, é muito difícil que se venha a tornar um tratamento corrente.

Judy Perkins era um caso incurável, a quem os médicos tinham previsto três meses de vida. São estes casos, os incuráveis pelos meios de tratamentos disponíveis, que são convidados a participar nos ensaios clínicos com tratamentos inovadores. Só se os medicamentos se mostrarem eficazes e seguros, pode o ensaio ser alargado a outros doentes. “Não podemos alterar o tratamento de um cancro potencialmente curável com um tratamento experimental”, justifica a médica.

Conseguimos aumentar a esperança de vida em doentes com cancro do pâncreas?

Nos encontros médicos, tanto podem ser anunciados tratamentos inovadores, como serem apresentados mais dados que confirmem estudos anteriores ou pequenas alterações que podem mudar as práticas clínicas. Um dos exemplos para este último caso foi referido por Paulo Cortes e diz respeito ao cancro do pâncreas, “um tumor muito difícil de tratar”.

Quando o cancro do pâncreas é identificado numa fase inicial — quando ainda está localizado no órgão e não tem metástases — é removido cirurgicamente. Por vezes, a cirurgia consegue remover o tumor na totalidade, mas nem sempre isso acontece. Às vezes, ficam algumas células para trás, que podem dar origem a um novo tumor.Um tratamento convencional de quimioterapia, com gemcitabine, depois da cirurgia aumenta o tempo de sobrevida dos doentes quando comparado com a cirurgia só por si. Mas agora há uma nova proposta.

“Temos de escolher os doentes que têm melhores condições para o fazer, porque é muito agressivo.”

Paulo Cortes, presidente da Sociedade Portuguesa de Oncologia

Um ensaio clínico de fase III mostrou que se estes doentes fossem submetidos a um tratamento de quimioterapia normalmente usado com doentes metastáticos — Folfirinox — viviam em média mais 21,6 meses (contra 12,8 meses com o tratamento convencional) e ficavam livres de cancro mais nove meses do que quem fez o tratamento convencional, com gemcitabine. A desvantagem é que esta quimioterapia é mais agressiva e tem mais efeitos secundários que o tratamento convencional. Logo, não poderá ser usada com todos os doentes, esclarece Paulo Cortes.

“Provavelmente vamos passar a usar”, disse o médico, sobre o tratamento que já é feito em Portugal para doentes em estado avançado. “Mas temos de escolher os doentes que têm melhores condições para o fazer, porque é muito agressivo.”

Um dos problemas do cancro do pâncreas é que é difícil de detetar precocemente, mas novidades nesta área não houve, diz o oncologista. “Houve um estudo há uns anos, que envolvia genómica, mas os resultados ainda são muito preliminares.”

Steve Jobs, fundador da Apple, removeu o tumor pancreático em 2004. Em outubro de 2011, morreu devido à doença — Getty Images

É possível evitar a remoção do rim em caso de cancro?

As alterações de tratamento, sobretudo aquelas que mostram os mesmos resultados sujeitando os doentes a menos intervenções, são sempre opções a considerar. Gabriela Sousa e Paulo Cortes destacam um ensaio clínico que mostrou que os doentes com cancro do rim metastático, podiam não ter vantagens em remover cirurgicamente o órgão afetado antes de fazerem o tratamento com os antiangiogénicos.

Quando o tumor é precoce e localizado, é sempre feita a remoção do rim doente. Mas a remoção do órgão quando já existem metástases no corpo pode não trazer vantagens. A hipótese dos investigadores que apresentaram o estudo era que fosse suficiente fazer o tratamento com sunitinib, um medicamento que controla a produção de novos vasos sanguíneos, essencial à sobrevivência do cancro.

No ensaio clínico de fase III apresentado, os investigadores verificaramque os doentes com cancro de rim metastático que fizeram só tratamento com sunitinib não tiveram menos tempo de vida após o tratamento, quando comparados com os doentes que fizeram cirurgia antes do tratamento.

Há dois tipos de vantagens, para os doentes, que não fizeram a cirurgia. Por um lado, podem começar a medicação mais cedo — quatro a seis semanas mais cedo, por exemplo —, o que é importante numa situação em que o cancro pode evoluir tão rapidamente que inviabiliza o início tardio do tratamento. Por outro lado, o doente que não faz a cirurgia evita todas as complicações associadas a esta intervenção, como infeções, hemorragias, embolismos pulmonares ou problemas cardíacos.



Estimativa da mortalidade devido ao cancro, nas mulheres, em 2012. De forma geral, a mortalidade nas mulheres é inferior à dos homens (ver gráfico seguinte).

WHO

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Podemos prevenir as metástases ósseas, fraturas e recidivas com um único medicamento?

As mulheres em pós-menopausa são um grupo de risco para a osteoporose e fraturas. Um risco que se agrava no caso de mulheres que tiveram cancro da mama hormono-dependente e estão a fazer tratamento com uma classe de medicamentos chamada de inibidores de aromatase. O medicamento denosumab (dentro da classe das imunoterapias) é usado para tratar metástases ósseas e já se tinha mostrado eficaz na prevenção de fraturas. Com a vantagem de não ser revelar tóxico para as doentes. Agora, os investigadores mostraram que, nestas doentes, também previne o aparecimento de recidivas.

“Não previne as recidivas em 100% dos casos mas diminui-as de uma forma significativa e sobretudo as metástases ósseas.”, afirma Fátima Cardoso. Não foram identificadas “metástases locais ou distantes, cancro da mama na segunda mama, carcinoma secundário ou morte por outras causas”, referiu o autor do estudo Michael Gnant, investigador na Universidade Médica de Viena (Áustria).

Esta diminuição das recidivas é um efeito inesperado e acaba por funcionar como um prevenção secundária, um benefício adicional. Mas as conclusões definitivas sobre sobrevivência só poderão ser feitas após o final da experiência que ainda está a decorrer. Ainda assim, o médico David Cameron, médico na Universidade de Edimburgo (Reino Unido), não se deixou convencer. O médico não achou que fossem claros os benefícios em relação aos bifosfonatos que já são usados para prevenir os efeitos secundários dos tratamentos com os inibidores de aromatase.

“Não previne em 100% dos casos e é mais nas metástases ósseas, mas globalmente diminui as recidivas.”

Fátima Cardoso, diretora da Unidade da Mama do Centro de Cancro Champalimaud

Estes resultados têm implicações clínicas diretas, afirma a médica. “Já estávamos a usar um medicamento da mesma família, mas com uma injeção endovenosa [diretamente na circulação sanguínea]. Este tem a vantagem de ser subcutâneo, ser mais potente e ter menos efeitos secundários.”

Como é um medicamento destinado ao tratamento de metástases ósseas, seja qual for a origem — o cancro da próstata e do pulmão originam muitas metástases deste tipo, por exemplo —, abre-se aqui uma porta à investigação sobre os efeitos de proteção secundária que pode ser nestes casos.

E se o tratamento do cancro da mama poder ser mais curto?

O cancro da mama do subtipo HER2-positivo é dos cancros de mama mais agressivos, mas também é daqueles cujo tratamento tem mais sucesso. Está bem identificado que o gene HER2, quando mutado, leva a uma produção anormal da proteína HER2 na superfície das células. Conhecendo qual o alvo potencial de um tratamento, mais fácil é encontrar o fármaco que o combata. E assim foi.

“O HER2-positivo costumava ser dos cancros da mama mais agressivos, mas desde que existem tratamentos dirigidos passou a ser dos que melhor sabemos tratar”, conta Fátima Cardoso.

O tratamento está bem identificado, mas é caro. Em Portugal, são 30 mil euros por ano (o período de tratamento recomendado), suportados pelo Serviço Nacional de Saúde ou pelas seguradoras, refere Fátima Cardoso. “Um dos 10 medicamentos em que o Estado português gasta mais dinheiro”, acrescenta Gabriela Sousa. O que justifica o interesse do Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido em financiar um estudo que pretendia avaliar se o tratamento feito por um período de tempo mais curto era igualmente eficaz.

“Um dos 10 medicamentos em que o Estado português gasta mais dinheiro.”

Gabriela Sousa, médica do Serviço de Oncologia Médica do Instituto Português de Oncologia de Coimbra

O ensaio clínico de fase III envolveu mais de quatro mil mulheres com cancro da mama HER2-positivo em fase inicial e o objetivo era avaliar se seis meses de tratamento com trastuzumab tinham resultados equivalentes ao tratamento feito durante um ano. E a conclusão dos investigadores é que sim. Com a vantagem de que os efeitos secundários, nomeadamente a nível cardíaco, foram menos frequentes e mais rápidos de resolver nas doentes que fizeram apenas seis meses de tratamento.

O que são medicamentos biossimilares?

À semelhança do que acontece com os medicamentos genéricos, os biossimilares podem aparecer no mercado depois de a patente da molécula original ter expirado.

Num e noutro caso, os medicamentos (genéricos ou biossimilares) são mais fáceis de produzir do que os originais. No entanto, no caso dos biossimilares, a produção continua a ter alguma complexidade porque se tratam de medicamentos biológicos.

Os biossimilares e os seus originais são anticorpos monoclonaisproduzidos com recurso a linhas celulares. Para poderem ser aprovados pelas agências do medicamento norte-americana (FDA) e europeia (EMA), os biossimilares são sujeitos a critérios mais exigentes e a controlos de qualidade maiores do que os medicamentos genéricos.

Além dos benefícios para o doente, os benefícios para os serviços de saúde são claros: com o mesmo dinheiro conseguem tratar dois doentes. Isto é particularmente importante para os países de rendimento médio, nota a médica, que desta forma poderão cumprir a recomendação da Organização Mundial de Saúde que incluiu o trastuzumab na lista dos medicamentos essenciais que todos os países devem ter para servir, pelo menos, 80% dos doentes que precisam. Fátima Cardoso alerta, no entanto, que para os países de rendimento mais baixo esta medida ainda não será suficiente. Nestes casos, os biossimilares poderão ser a solução porque são cerca de 20 a 30% mais baratos que o medicamento original. Ainda assim, a médica considera que deviam ser ainda mais baratos. “Era preciso, no mínimo, 50% de redução de preço. A competição vai acabar por conseguir isso.”

Se isto vai alterar a prática feita em Portugal e na Europa? “Para os doentes com um bom prognóstico, talvez”, diz a médica, mas sobre os restantes doentes tem mais dúvidas. “Este é o primeiro estudo neste sentido”, diz Paulo Cortes, que não vê, para já, a possibilidade de redução do tratamento. “Mas é bom olharmos e pensarmos nesta hipótese”, continua lembrando que não vai ser para todos os doentes.

“Quem escreve as recomendações europeias para o cancro da mama sou eu. Ainda vou precisar de falar com muitos colegas e ainda vai demorar algum tempo até se poder alterar as recomendações europeias”, diz Fátima Cardoso. A oncologista acredita que ainda vai haver muita discussão à volta destes resultados até que todos os médicos se sintam confortáveis em fazer o tratamento por menos tempo. “Haverá pessoas que têm receio de fazer um tratamento mais curto.”

A propósito do fim do Diário de Notícias

  por estatuadesal

(Pacheco Pereira, in Sábado, 01/07/2018)

JPP

Pacheco Pereira

Os jornais vivem obcecados com os jovens que não lêem jornais e se os lêem é quando deixam de o ser. Enganam-se com a ilusão de que assim estão a conquistar os leitores do futuro, o que é a coisa menos certa que há. No entretanto, perdem os do presente


1. Existe para aí um lugar-comum, muito repetido pelos deslumbrados da tecnologia, que um jornal migrar do papel para os ecrãs é um processo de "modernização" desse órgão de comunicação. Não é. É um empobrecimento, e uma mudança qualitativa que não é líquido que seja para melhor. As vantagens do online surgem noutras áreas, mas não substituem a necessidade do papel.

2. Comecemos por uma evidência que é preciso estar sempre a repetir: não lemos da mesma maneira no papel e no ecrã. Há um valor na dimensão física do espaço em que lemos, em particular para a maioria da população que não vê bem a partir de uma certa idade, porque os nossos sentidos têm limites objectivos, mesmo nos que têm olhos de águia. Não lemos certas coisas, não ouvimos certas coisas, não cheiramos certas coisas e por aí adiante. Há muitos mecanismos de manipulação deste espaço físico que respira melhor com as limitações dos nossos sentidos, como o folhear que o ecrã não reproduz de forma satisfatória, mas há também um tempo de leitura lento que se perde, assim como um encolhimento do espaço visual da página, logo do texto e da sua fluidez.

3. Não é preciso recitar o mantra habitual sobre o modelo de negócios, as mudanças no financiamento pela publicidade, e a crise nas vendas das bancas, porque ela é enganadora ao sugerir-nos apenas estas causas. A crise dos jornais em papel é em primeiro lugar uma crise do tipo e da qualidade do jornalismo, que já vem de antes do aparecimento do mundo da Internet, que vai das direcções aos editores (talvez o elo mais frágil das redacções) e por fim aos jornalistas, em que a precariedade do trabalho faz cobrar um preço em termos de preparação, mas acima de tudo de condição profissional e ética.

4. Esta crise que já vinha antes, mais nítida no jornalismo das rádios e das televisões, com o crescendo do entretenimento, existe também nos jornais e agrava-se com a própria incapacidade de fazer jornais complementares do online, com outros temas, outros mecanismos, outra escrita, com redacções mais pequenas mas mais especializadas e acima de tudo servindo os leitores reais e não os imaginários. Por exemplo, os leitores reais são mais velhos, os jornais vivem obcecados com os jovens que não lêem jornais e se os lêem é quando deixam de o ser. Enganam-se com a ilusão de que assim estão a conquistar os leitores do futuro, o que é a coisa menos certa que há. No entretanto, perdem os do presente.
5. A perda de contacto do actual jornalismo com a realidade é vasta. Há um enorme reducionismo social ao mundo urbano, e, no mundo urbano, a certos fenómenos muito acantonados etária e socialmente. O resto do mundo fica de fora, isso inclui, por exemplo, o mundo do trabalho, dos transportes, da habitação, da educação, da insegurança urbana, do crime. Depois admiram-se que o Correio da Manhã se aguente muito melhor em banca.

6. É muito mais provável que um jornal se dedique a falar do casamento homossexual do que do divórcio, do que se passa nas lojas da moda de arquitectura e nos restaurantes de culto do que do papel dos padres nas aldeias, ou da condição operária ou camponesa. O mundo de Pedrógão foi descoberto por via da tragédia, mas já lá estava antes. Quando os jornais tratam de assuntos não urbanos, nem da agenda restrita da política, da sociedade, da comida ou das festas, a aproximação tende a ser folclórica e "típica" no pior sentido. Há claramente um excesso de espaço para determinadas formas de cultura demasiado na moda e pouco substantiva, sem peso, nem lastro, com um tom muito acrítico nas páginas culturais, cheias de "revelações" e "novidades", que passado um ano ou dois desapareceram. É como com as startups. Devia haver um escrutínio regular do que se apresentou um ou dois anos antes, e aí percebe-se muito bem o critério muito superficial e nalguns casos grupal e de amiguismo das escolhas.

7. O papel e o online devem ser genuinamente complementares e não competitivos. Na verdade, há até uma vantagem no online de "libertar" do papel tudo aquilo em que ele é melhor, como, por exemplo, o diferente tempo das notícias, beneficiando e muito aquilo em que o papel é melhor. Mas para isso devia haver redacções complementares trabalhando as notícias de forma diferente. A crise de qualidade do jornalismo é aliás comum aos jornais em papel e ao online, afectando a função e a necessidade dos jornais e dos jornalistas num processo de deterioração dos mecanismos fundamentais de formação da opinião pública numa democracia.
Essa crise é, aliás, um dos aspectos centrais da deterioração dos mecanismos democráticos e por isso é de maior importância cívica, em particular se não queremos ser mandados por governantes autoritários e prepotentes, mesmo que eleitos por esmagadoras maiorias. Por uma razão muito simples, é que a democracia não é apenas o voto, mas o primado da lei e o exercício da opinião, no seu estado mais importante, o da crítica. E sem jornais e jornalismo, sem liberdade académica, sem direitos sociais, sem autonomia pessoal e liberdade, coisas que costumam entrar em crise juntas, a democracia perde-se ou estraga-se muito.

Como a Inteligência Artificial já está a mudar as nossas vidas (leia, ou releia, o artigo premiado do Jornal Económico)

Redação

09:30

O Jornal Económico foi distinguido no Prémio de Jornalismo Económico Universidade Nova de Lisboa/Banco Santander Totta, nesta 12.ª edição de um dos prémios de jornalismo mais prestigiados do país. O jornalista António Sarmento venceu na categoria “Sustentabilidade e Inovação Empresarial” com este artigo, onde aborda o impacto sobre as empresas, a sustentabilidade do Estado Social e a transformação industrial.

Rick Wilking/REUTERS

Um gestor de tecnologias intersetoriais sai do trabalho, entra no carro e coloca-o em modo auto-piloto. O destino é o supermercado mais próximo, onde será saudado por um ‘chatbot’ – um programa que tenta simular um ser humano e responde a mensagens – que lhe irá recomendar os produtos para o jantar com base no histórico de compras. Já em casa, enquanto escolhe um filme para ver, encomenda um pacote de pipocas, que será entregue por um drone em apenas 13 minutos (um sistema já testado pela Amazon).

A Inteligência Artificial (IA) está a entrar pelas nossas casas e a revolucionar a forma como trabalhamos, consumimos e interagimos uns com os outros. O tema foi discutido ontem. O Parlamento Europeu aprovou com 396 votos a favor, 123 contra e 85 abstenções que se devem adotar regras em matéria de robótica e de inteligência artificial que tenham em conta questões como a responsabilidade civil, os princípios éticos relacionados com as suas inúmeras implicações sociais, o impacto sobre o emprego e a proteção da segurança e da privacidade.

Os eurodeputados pediram também à Comissão que considerasse a criação de um estatuto jurídico específico para que os robôs autónomos mais sofisticados possam ser detentores do estatuto de pessoas eletrónicas responsáveis por sanar quaisquer danos que possam causar. Propõem também a aplicação da personalidade eletrónica a casos em que os robôs tomam decisões autónomas ou em que interajam com terceiros de forma independente.

Outra das medidas sugeridas pelo PE é um código de conduta ética para engenheiros de robótica, que convide todos os investigadores e criadores a agir de forma responsável e com consideração absoluta pela necessidade de respeitar a dignidade, a privacidade e a segurança dos seres humanos.

Numa coluna de opinião no jornal “The Guardian”, o cientista britânico Stephen Hawking sublinha que a Inteligência Artificial “irá acelerar a crescente desigualdade económica a nível mundial, fazendo com que só sobrevivam os empregos mais criativos ou de supervisão”. O Jornal Económico consultou especialistas de diversas áreas sobre esta revolução que já está a mudar as nossas vidas. António Bob Santos, economista e assessor para as políticas de inovação da Agência Nacional de Inovação (ANI), considera que “por muito sofisticadas que as tecnologias sejam nunca atingirão a inteligência humana”.

Sobre a possível destruição de postos de trabalho, o economista acredita que novas oportunidades vão aparecer. “Nos próximos 20 ou 30 anos aparecerão em Portugal mais profissões ligadas às areas do conhecimento como gestor de tecnologias intersetoriais, gestor de redes inteligentes ou gestores de conflitos.”

Em relação ao sistema da segurança social, o economista acredita que este não estará mais fragilizado. “Vejo oportunidades de diversificação de fontes de receita. Agora está dependente dos trabalhadores mas no futuro podem ser aplicadas taxas às indústrias da robotização, o que trará um ‘mix’ de vários sistemas”, defende.

André Barata, filósofo e coordenador do doutoramento de Ciência Política da Universidade da Beira Interior (UNI), partilha de uma opinião semelhante. “Se parte da riqueza de um país não for produzida por trabalho humano, isso não significa que não seja tributada numa economia online”, afirma.

Já Edmundo Alves, investigador do Instituto de História Contemporânea (IHC) da Universidade Nova de Lisboa, mostra-se preocupado com as consequências para o mercado laboral. “Paralelamente, o progresso tecnológico, cujas vantagens são inegáveis, acarreta também inconvenientes consideráveis para o emprego. As empresas tecnologicamente avançadas tendem a não carecer de grandes contingentes de mão-de-obra e, sendo as mais inovadoras, são as que mais facilmente prescindem do trabalho humano. Daqui decorre que mesmo os que apostaram na formação têm crescentes dificuldades em encontrar uma colocação, expandindo-se a ausência de expectativas às camadas médias, como alertou Stephen Hawking”, refere.

Segundo um relatório publicado pelo Citibank em fevereiro de 2016 em parceria com a Universidade de Oxford, 47% dos empregos nos EUA estão em risco de ser substituídos por máquinas. No Reino Unido, 35% corre o mesmo risco. Na China, as estatísticas apontam para 77%, em contraste com a média da OCDE de 57%.

Dos automóveis à medicina
Passaram 60 anos desde que John McCarthy, cientista de computação e pai da IA, introduziu pela primeira vez este conceito – que foi recentemente debatido na edição deste ano do Fórum Mundial de Davos, onde a sociedade de advogados CMS organizou um fórum de discussão em parceria com a revista alemã “Die Zeit”, que juntou ali vários líderes políticos e empresariais.

A inteligência artificial é um campo vasto, com aplicações em várias áreas. Por exemplo, de acordo com a consultora A.T. Kearney, não demorá muitos anos até os clientes entrarem numa loja, serem saudados por chatbots (um robô que fala) e receberem recomendações de produtos com base no histórico de compras. Também um ramo da IA com base nas redes neurais do cérebro pode permitir aos assistentes inteligentes digitais ajudar a planear férias ou adivinhar os sentimentos dos clientes no que diz respeito a uma marca em particular.

Em termos de cuidados de saúde, a IA pode ajudar, entre muitos outros exemplos, os médicos a identificar tipos de células cancerígenas em qualquer lugar do mundo em tempo real. A organização filantrópica de Mark Zuckerberg e Priscilla Chan anunciou em janeiro deste ano a compra da Meta, uma ‘startup’ de IA, e tecnologia de análise de dados para a indústria da saúde. O objetivo é que seja mais fácil para os cientistas procurarem, lerem e relacionarem os muitos milhões de artigos científicos existentes.

Na indústria automóvel, os carros eléctricos da Tesla têm um modo de auto-piloto e outros fabricantes já demonstraram ter a tecnologia pronta. A Uber tem feito experiências-piloto com carros autónomos nos Estados Unidos. E o Google tem pequenos carros sem volante a circularem em estradas dos EUA. “É um rumo da história que me parece inevitável. Tem de haver uma regulação e uma afinação do comportamento dos carros”, conta o filósofo André Barata.

Por exemplo, a Volkswagen vai contratar mais de mil especialistas em realidade virtual e inteligência artificial para apoiar as equipas na produção inteligente, “big data” e desenvolvimento de software. Também a Ford acredita nos carros autónomos e aplicou uma fatia do orçamento para financiar a empresa de inteligência artificial Argo AI, fundada por antigos funcionários do Google e da Uber.

Fusão de humanos com máquinas?
O CEO e fundador da Tesla e da Space X, Elon Musk, conhecido pelas suas ideias futuristas, defendeu, durante uma apresentação no Dubai, que no futuro os seres humanos terão de conetar as suas mentes diretamente às máquinas. Caso contrário, correm o risco de ficar “obsoletos” com a crescente e constante evolução da Inteligência Artificial.

“Com o passar do tempo provavelmente vamos assistir a uma fusão mais próxima entre a inteligência biológica e a inteligência digital”, garante Elon Musk. A ideia do magnata da tecnologia é que as máquinas conseguem processar a informação de uma forma muito mais rápida do que o cérebro humano e a conciliação de forças poderia ser extremamente benéfica para o futuro.
“Nós somos tecnológicos desde há muito tempo. A primeira coisa é não ter receio da ciência. Sobre a tendência de prolongamento tecnológico do nosso corpo é possível que o progresso científico se instale no nosso organismo mas de forma ética”, defende o filósofo André Barata.

A ideia de tornar o homem uma espécie de “ciborgue” permitiria também, nas palavras de Elon Musk, encontrar uma maneira mais eficiente de interagir com as máquinas. No entanto, reconhece que os avanços da IA trouxeram problemas imediatos como a substituição do trabalho humano e afirma que não podemos esperar pela era dos ciborgues para evoluir, até porque enquanto está a ler este texto, as máquinas já leram 3.000.000.000.000.

“As máquinas podem complementar aquilo que o homem faz e até ampliar as competências humanas. É impossível um humano analisar milhões de terabytes de dados, mas com a ajuda das máquinas isso até pode ser um meio de acelerar a resolução dos problemas”, diz o economista António Bob Santos.

Os perigos
Em 2015, algumas das personalidades mais influentes da área da tecnologia juntaram-se para escrever uma carta, alertando para os perigos das armas autónomas. Entre os críticos está o professor Stephen Hawking, o cofundador da Apple, Steve Wozniak, o CEO da SpaceX, Elon Musk, o professor Noam Chomsky ou o chefe do gabinete de IA do Google, Demis Hassabis.
“A tecnologia com Inteligência Artificial chegou a um ponto que o desenvolvimento de tais sistemas – praticamente senão legalmente – é possível em apenas alguns anos, não décadas, e os riscos são grandes: as armas autónomas têm sido descritas como a terceira revolução no armamento, depois da pólvora e das armas nucleares”, pode ler-se na carta, resumindo que “uma corrida ao armamento que funcione através de IA é uma má ideia”.

O investigador Edmundo Alves alerta ainda para “a perda de privacidade”. No entanto, este especialista recorda que as revoluções colocam sempre problemas. E exemplifica: “Quando passámos do transporte de tração animal para os caminhos-de-ferro ou a introdução das máquinas na indústria. A diferença é que esses fenómenos de transição demoraram décadas a ser sentidos. Neste momento, com a IA o impacto sobre as pessoas, o emprego, os salários, o valor do trabalho e o Estado Social são extremamente rápidos”.