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segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

Os donos disto tudo

JN

NUNO A. AMARAL

Se não acredita que o presidente do Benfica ia prometer novidades sobre o novo treinador na estreia do programa de Cristina Ferreira na SIC, o mesmo em que o presidente da República entrou em direto para desejar boa sorte à apresentadora, é porque não vive em Portugal.

Em pleno processo de escolha do sucessor de Rui Vitória, Luís Filipe Vieira arranjou um tempinho para descontrair no novo programa de Cristina Ferreira. Não disse nada de relevante do ponto de vista noticioso, embora as lágrimas vertidas em memória do pai fiquem bem em qualquer circunstância, sobretudo na televisão. Para os adeptos do Benfica, ficou a promessa derevelações sobre o novo treinador na próxima semana.

Já se sabe que Cristina Ferreira é alguém muito influente no panorama televisivo português, e não só. O presidente do Benfica também o é no futebol, e não só. Os dois fazem o que bem lhes apetece, Cristina agora na SIC, e Vieira enquanto dirigente máximo do clube da Luz. Mas esta incursão matinal tem água no bico da guerra das audiências entre o canal de Carnaxide e a TVI, para além de ser muito reveladora do estado de letargia social e cultural em que Portugal está mergulhado. Não será a imensa parolândia, mas anda lá perto.

Para cereja no topo do bolo, só faltava um telefonema do presidente da República a desejar sorte à apresentadora nesta nova aventura. Impossível? Será um imitador perfeito? É para os apanhados? Negativo. Marcelo Rebelo de Sousa também pode fazer o que lhe apetece e entrou mesmo em direto para deixar uma palavra de incentivo a Cristina Ferreira, deixando-a com um ar de orgulho embevecido impossível de disfarçar.

O chefe de Estado justificou a atitude, referindo que era o mínimo que podia fazer depois de ter dado uma entrevista ao concorrente e ex-colega da TVI, Manuel Luís Goucha, na véspera de Natal. Disse que tudo aconteceu de improviso, que o telefonema durou dois minutos e que tem uma relação de amizade com a apresentadora. "Já dei a primeira entrevista na revista dela. Não indo ao programa, nem tendo entrevista com ela, era o mínimo desejar-lhe boa sorte. É o mínimo de equilíbrio", afirmou.

E pronto. Que grande início de semana. Portugal é mesmo um lugar estranho.

O Presidente da República é um parolo

Novo artigo em Aventar


por Ricardo Ferreira Pinto

O presidente da República de Portugal é um parolo.
Como titular do cargo, telefonar em directo para o novo programa de Cristina Ferreira para lhe dar os parabéns pela mudança de canal ultrapassa todos os limites.
Vamos assistir, nos próximos meses, a uma guerra sem quartel pelas audiências da manhã. Na TVI, Goucha entrevistou há uns dias um cadastrado que deseja o regresso de Salazar e hoje um cantor com cancro. Na SIC, logo no dia de estreia, Cristina Ferreira entrevista um cadastrado a jogar cartas e recebe a chamada do presidente da República.
Tudo bem. Vê quem quer e quem gosta do nojo. O chefe máximo do Estado português até pode ver e pode gostar, mas não tem o direito de vincular o seu cargo a um programa de televisão só porque gosta da apresentadora.

Ao ter atitudes parolas, próprias de um país de terceiro mundo, não pode vir depois queixar-se das consequências.

Presidente de todos os portugueses? Não, o meu presidente não estacionaria em lugar de deficientes nem telefonaria em directo para um programa sensacionalista.

Afinal, dá, a sensação que ter votado em Marcelo Rebelo de Sousa ou no Tino de Rans vai dar exactamente ao mesmo.

E não é verdade. Porque o Tino de Rans é simples mas não é parolo.

Chinelos

Novo artigo em Aventar


por Carla Romualdo

À hora a que chegam os primeiros funcionários das lojas, e a rua desperta com o cacarejar metálico das grades corridas com a resignação brusca das segundas-feiras, o homem ainda dorme um sono profundo. A sua cama é ampla, ocupa quase metade de um passeio largo, e, pese a precariedade da instalação, está bem cuidada. Cartões grossos no fundo, dois cobertores finos por cima, um cobertor mais grosso e um edredão amarelo no topo.

O homem dorme, o rosto voltado para a rua, para quem passa. A seu lado, há um balde com duas garrafas de água e uns chinelos de quarto, muito finos, quase de papel, daqueles que os hospitais e hotéis por vezes oferecem. Os chinelos são de um branco impecável. E é a presença dos chinelos ao lado da cama, no chão, tal como a cama, que nos fazem sentir embaraçados por estar ali, como se tivéssemos entrado inadvertidamente em casa do vizinho - uma porta mal fechada, pensávamos estar no segundo e afinal estávamos no terceiro andar, uma distracção, enfim, e agora estamos aqui, frente à cama deste desconhecido que dorme de gorro na cabeça, alheio à nossa invasão. Ler mais deste artigo

Ladrões de Bicicletas


A disputa do tempo é um luxo?

Posted: 07 Jan 2019 01:13 AM PST

Na nota de conjuntura do último mês, o Fórum para a Competitividade, liderado por Pedro Ferraz da Costa, defendeu que “a semana das 35 horas [em Portugal] é uma raridade na União Europeia e no mundo, sendo claramente um luxo de país rico, com atividades muito concentradas nos serviços”. Embora seja verdade que Ferraz da Costa nos tem habituado a declarações polémicas sobre o assunto, que raramente sobrevivem ao confronto com os factos, esta merece alguma atenção.
Os dados disponíveis mostram-nos que o número de horas trabalhadas (por trabalhador) em Portugal é superior à média da OCDE, estando bem acima de países como a Alemanha, França ou Holanda. É nos países do Sul da Europa (Portugal, Itália, Espanha, etc.) que se trabalham mais horas anualmente, o que refuta alguns preconceitos sobre o empenho dos trabalhadores destes países face aos do Norte.

Um estudo recente do Observatório das Desigualdades (ISCTE) aponta no mesmo sentido. Em Portugal, os trabalhadores trabalham mais horas do que os dos países do norte da Europa (Alemanha, Holanda, etc.), além de terem direito a menos dias de férias (22 dias úteis, ao passo que os holandeses têm 25 e os alemães têm 30). A conclusão a retirar destes estudos é evidente: em Portugal, já se trabalha demasiadas horas por ano, pelo que qualquer proposta de aumento do horário de trabalho semanal vai no sentido errado.

Além disso, a nota do Fórum para a Competitividade continua a partir da ideia de que aumentar o número de horas trabalhadas seria positivo para a produtividade da economia portuguesa, algo que já foi refutado várias vezes neste blog (ver aqui ou aqui, por exemplo). O problema da baixa produtividade do trabalho em Portugal deve-se a outros fatores, como o atraso da estrutura produtiva, a concentração das atividades na produção de baixo valor acrescentado ou os baixos índices de investimento em investigação e inovação. Naturalmente, nenhum destes problemas se revolve aumentando o número de horas trabalhadas.
A nota do Fórum para a Competitividade não reflete, por isso, nenhum projeto sério para o país, mas antes uma visão austeritária e punitiva do trabalho, de péssima memória por cá. O horário de 35 horas semanais praticado pelo Estado é um bom princípio, que deveria ser seguido no setor privado, sobretudo numa altura em que se recupera a discussão sobre a possibilidade de trabalharmos muito menos horas, de forma a distribuir melhor o trabalho necessário, reduzir o desemprego e os efeitos nocivos de jornadas de trabalho longas (ao nível, por exemplo, da saúde mental, dos hábitos de socialização, ou mesmo do combate às alterações climáticas).
Na verdade, a ideia já fora avançada por Keynes em 1930, quando propôs que no século XXI, o avanço tecnológico poderia tornar possível um horário de trabalho de 15 horas por semana – isto é, 3 horas por dia. Embora possa parecer utópica, a verdade é que parece existir uma tendência histórica para a diminuição da jornada de trabalho nas economias capitalistas, fruto sobretudo das resistências sociais, embora sujeita a diferentes respostas dos empregadores (que promovem a flexibilização da jornada laboral através de instrumentos como o banco de horas, o trabalho por turnos, a apropriação do tempo livre dos trabalhadores, etc.). Não é, por isso, impossível imaginar um futuro em que possamos reduzir a parte do nosso dia que passamos a trabalhar. Tudo depende da forma como os ganhos da tecnologia são distribuídos pela sociedade e de como queremos organizar socialmente o nosso tempo. As escolhas coletivas continuam a ser determinantes na disputa do tempo.

Sair da sombra

Posted: 06 Jan 2019 02:37 AM PST

Segundo Pedro Santana Lopes, “no ano em que se celebram 30 anos da queda do muro de Berlim, parece que se reforça o ocaso das esquerdas”. Santana Lopes pode não ser Francis Fukuyama, e uma coisa são os desejos e outra as realidades, mas convenhamos que as coisas não estão realmente fáceis.
Entretanto, aproveito para repescar para este ano um artigo do ano passado, publicado no número especial da Revista Crítica de Ciências Sociais, celebrando o quadragésimo aniversário do Centro de Estudos Sociais, onde argumento precisamente que continuamos a viver na sombra intelectual e política de 1989.
Sair dessa sombra, implica superar um conjunto de instituições entretanto criadas, particularmente europeias, entendidas também como hábitos arreigados e demasiado partilhados de pensamento, rearticulando neste continente as questões nacional e social e voltando a meter medo às elites do poder, às do centro do império e as que, a partir da periferia, se imaginam no centro. Sim, o império pós-democrático é hoje a única alternativa ao Estado nacional, ou seja, à condição necessária da democracia.
Se estes hábitos não forem superados, temo bem que Lopes, tal como Fukuyama antes dele, possa vir a ter razão.

Entre as brumas da memória


Dia de Reis?

Posted: 06 Jan 2019 01:06 PM PST

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França: as razões da ira

Posted: 06 Jan 2019 09:18 AM PST

«Pois, não era expectável, à luz dos mais elementares ensinamentos da História e das Ciências Sociais para já não dizer do mais elementar bom senso, que quase quatro décadas de neoliberalismo desenfreado a culminar com ano e meio de guerra social aberta contra a população, conduzissem inelutavelmente à revolta e mesmo à insurreição populares?


Mas em que mundo e em que país vivem os comentadores, os peritos, os media, as elites para não verem que a França está doente, doente da Europa neoliberal, da desindustrialização, das deslocalizações, da desvalorização interna, do desemprego em massa, dos reformados maltratados, da juventude sem horizonte, do velho mundo que se está a desmoronar? (…)


É essa consciência de classe que mete medo ao poder e o está a fazer ultrapassar, em limites nunca dantes atingidos, as fronteiras de um Estado que teima em dizer-se democrático e de direito. Mas ao proceder assim, ao substituir a postura de guardião da ordem pública que lhe incumbe, por uma postura belicista contra o povo que erige em inimigo, o poder macronista está a exacerbar perigosamente a situação e a contribuir para que ela atinja um ponto de não retorno.»

Cristina Semblano

Economista; assistente de Economia na Universidade de Paris III-Sorbonne Nouvelle; autarca na região de Paris

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Quem é Mário Machado?

Posted: 06 Jan 2019 07:00 AM PST

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Novos muros velhos

Posted: 06 Jan 2019 03:19 AM PST

«Há alguns meses circulou a imagem de um menino migrante preso numa jaula nos Estados Unidos. Uma imagem construída para representar uma realidade mais atroz. Muitas pessoas, entre as quais me incluo, partilharam esta imagem nas redes sociais. A maioria dos comentários a esta imagem não se prenderam no problema que ela continha, mas antes sobre o facto de a imagem não ser real. Pois, não era real, a realidade era bem pior do que a sua encenação. Nos últimos meses, crianças oriundas da América Central morreram nas mãos das autoridades norte-americanas. Ao horror da detenção de crianças e de famílias em jaulas juntou-se o impasse das vidas da mais recente caravana migrante oriunda, sobretudo, das Honduras.

Desde a eleição de Trump que muito se tem falado sobre a promessa de um muro entre os Estados Unidos e o México para supostamente controlar os fluxos migratórios. No final desta semana, a Câmara dos Representantes voltou a chumbar a construção do muro de Trump, justificado tanto pela sua ineficácia como pelos custos exacerbados. Mais uma vez assistiremos ao Senado, dominado pelos Republicanos, a não aprovar a proposta da Câmara. O próprio Trump já ameaçou na sua conta do Twitter: "O muro está a caminho."

A atenção que é dada ao muro de Trump contrasta com a omissão pública dos muros que se vão construindo um pouco por toda a Europa. À beira dos 30 anos da queda do Muro Berlim percebemos que este não foi o último a cair na Europa. Já a promessa que a sua queda acarretava, a de um mundo multipolar mais democrático, essa continuou a cair com o muro.

A suposta ameaça migratória tudo justifica e, embora não se fale do assunto, cerca de metade do muro de Trump já está edificado em território europeu. São 1200 quilómetros de cimento, de concreto, de arame farpado, do que seja necessário para erigir barreiras físicas. São já 1200 quilómetros de vergonha. Na Hungria, na Grécia, em França, em território espanhol, na Eslovénia, na Macedónia e na Bulgária erguem-se os muros à mesma velocidade que se fecham os olhos às atrocidades que lhes estão associadas.

São os nove quilómetros de Ceuta e os 12 quilómetros de Melilla. Apesar de em território africano, são espanhóis. É o muro de Nea Vyssa, na Grécia, ou os quatro metros de altura do muro de Calais, em França. São os 30 quilómetros erigidos pela Bulgária na fronteira com a Turquia ou os escandalosos 175 quilómetros de Viktor Órban que separam a Hungria da Sérvia. Desde 1993 que não pararam as construções de muros em território europeu. A cada rota migratória - a do Mediterrâneo Ocidental, a do Mediterrâneo Central, a do Mediterrâneo Oriental e a dos Balcãs - os seus muros. Na Europa parece ter-se esquecido que os muros, tal como qualquer barreira, não impedem apenas as entradas. Estes são também os muros que nos têm reféns a todos de uma política que ou se trava ou só pode acabar mal.»

Marisa Matias