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sábado, 16 de maio de 2020

Prémios no Novo Banco: quatro razões para o protesto público

Posted: 15 May 2020 03:25 AM PDT

«Os tablóides têm o talento de fazer manchetes memoráveis. “Not so fast you greedy bastards” foi o título do New York Post de 18 de Março de 2009.

Discutiam-se os investimentos do American International Group (AIG) que tinham levado à crise. Cinco meses antes, com medo dos efeitos na economia, o Presidente George W. Bush pedira ao Congresso 700 mil milhões de dólares para resgatar os maiores bancos e empresas financeiras. “Não parecia justo a Wall Street ter recebido enormes lucros durante os ‘good times’ e agora que as coisas estavam más vir pedir aos contribuintes para pagar a conta”, escreve o filósofo político Michael J. Sandel no seu best-seller Justiça — Fazemos o que devemos? (Editorial Presença, 2011). “Mas parecia não haver alternativa.” Eram “too big to fail”. “Com relutância, o Congresso aprovou os fundos para o resgate.”

O escândalo veio depois. Mal começou a receber capital do Estado — 173 mil milhões —, a AIG pagou 165 milhões em prémios aos executivos da unidade de investimentos de risco que estava na origem da crise. Setenta e três funcionários receberam um bónus de mais de um milhão de dólares. O protesto público foi imediato. Na véspera da manchete do New York Post, o presidente do AIG, que sempre dissera que não aceitaria prémios, disse isto no Congresso:

— Pedi aos funcionários para fazerem o que deve ser feito.

À americana, a expressão foi: “Do the right thing”. Quinze executivos devolveram os prémios (50 milhões), mas a maioria não.

Esta arqueologia serve para dizer que as notícias dos prémios previstos para António Ramalho, CEO do Novo Banco, e o seu conselho de administração mostram como muitas regras mudaram na banca, mas muito está igual.

No Novo Banco, a surpresa tem uma razão clara: um banco que está sob intervenção pública não deve dar prémios aos gestores de topo. Não é só por causa dos contribuintes, pois o nosso papel na operação de resgate do Novo Banco é parcial. As tranches que o Estado paga para “salvar” o Novo Banco saem do Fundo de Resolução e são os bancos que financiam esse fundo. Claro que a Caixa Geral de Depósitos é um banco público cujos lucros são entregues ao Estado. Mas a Caixa paga 18% do fundo.

O protesto é legítimo sobretudo por razões éticas e de transparência. Até o Expresso noticiar, não se sabia que havia um acordo para os administradores do Novo Banco receberem dois milhões de euros. É estranho não pôr as cartas em cima da mesa numa questão relevante como esta e quando há um precedente de peso. Todos nos lembramos do que aconteceu quando a crise de 2008 chegou a Portugal. A Comissão Europeia definiu as “regras em matéria de auxílios estatais às medidas de apoio aos bancos no contexto da crise financeira” e, a partir de 1 de Agosto de 2013, os bancos que recebessem capital do Estado passaram a ser obrigados a “aplicar políticas rigorosas em matéria de remuneração dos quadros dirigentes”: “Qualquer banco beneficiário de auxílios estatais deve circunscrever a níveis adequados as remunerações totais do pessoal, incluindo o conselho de administração”. A seguir, a Comissão Europeia explica o que são “renumerações totais”: “O limite superior das remunerações totais deve incluir todas as possíveis componentes fixas e variáveis bem como as pensões.” Tradução: o tecto inclui o salário e o bónus. No fim, estão os valores: “A remuneração total não pode exceder 15 vezes o salário médio nacional no Estado-membro ou 10 vezes o salário médio dos trabalhadores do banco beneficiário.” Foi por causa desta regra que nesse ano os conselhos de administração de alguns bancos portugueses não receberam prémios. É possível que a regra já não vigore — não tive tempo de verificar. Mas o precedente existe e é recente. Quando um banco recebe capital do Estado, é consensual na Europa que não deve pagar bónus ao conselho de administração.

Além disso, é razoável defender que um banco não atribua bónus aos quadros do topo quando tem prejuízo. Há empresas e bancos que fazem isso como prática comum — incluindo bancos privados que não estão sob resgate do Estado. Percebe-se que no Novo Banco estejam a trabalhar muito — dos 33 objectivos definidos, dizem ter cumprido 29 — mas os prejuízos impressionam. Em 2019, o ano a que se referem os prémios, o Novo Banco teve um prejuízo de 1059 milhões de euros.

Não sei se é ganância — não vale a pena discutir isso. Da manchete do New York Post, “Not so fast you greedy bastards”, a parte que interessa é o “not so fast”. Ainda é possível reverter? O ministro Mário Centeno deu a entender que sim. Falta ver o que vão fazer o comité de renumerações do Novo Banco, o Banco de Portugal e o BCE. Há tempo. Antes de 31 de Dezembro de 2021, os prémios não podem ser pagos. Até lá, ainda temos a crise pós-pandemia. Essa é a quarta razão para protestar contra estes prémios. O esforço do Estado, das empresas e dos contribuintes vai ser monumental. É evidente para todos que, nestas circunstâncias, é pouco ético tirar dois milhões do Fundo de Resolução para premiar os gestores de um banco que está a ser salvo com dinheiro dos outros, dinheiro público e privado.»

Bárbara Reis

Novo Banco, BES, BPN uma sucessão de burlas

por estatuadesal

(Vítor Lima, 14/05/2020)

Quem vem aceitando as faturas? Os governos. Quem as paga? O povo mais pobre da Europa ocidental.


Diz Centeno que "O Novo Banco foi a mais desastrosa resolução bancária alguma vez feita na Europa"; e, se pensarmos nos seus protagonistas – Passos, Maria Luís e Carlos Costa – o último que ainda por aí continua como governador do BdP - deve ter muita razão. Ainda recordamos o gaguejar de Carlos Costa a explicar o mecanismo do Fundo de Resolução que, porventura lhe teria sido ditado, pouco antes pelo Draghi.
Em agosto de 2014 foi publicado neste blog um texto de abordagem do calamitoso programa de apoio do Estado aos bancos falidos, mais concretamente do BES;
http://grazia-tanta.blogspot.pt/2014/08/o-bes-bom-o-bes-mau-e-ma-gestao-dos.html
E, na concentração de protesto convocada contra essa situação no dia 9/8/2014 junto da sede do BES, não estiveram presentes os papagaios que agora barafustam contra o governo; pelo contrário. Na sua ignorância, demência ou imbecilidade, clamavam pela … nacionalização do BES… Ora, nacionalizar massa falida é sempre algo que os capitalistas muito gostam…
Entretanto, a muito custo, o “Banco Bom” foi entregue (mais ninguém o quereria) a um fundo abutre (Lone Star), em 2017 num contrato leonino em que o erário público/fundo de resolução continua a prestar assistência financeira ao banco. Em 2014/16 o “Banco Bom” somou cerca de € 2300 M de prejuízos e, a entrada da Lone Star, materializou-se numa entrada de € 750M, para materializar ao sua parcela de 75% no capital social da instituição. A que se seguirão € 250 M até finais de 2017. Claro que tudo isto foi monitorado pela Comissão Europeia.
Porém, nos anos que se seguiram 2017/19 os prejuízos aumentaram substancialmente – cerca de € 4850 M. E a festa está longe de ter acabado; melhor. Só acaba quando a Lone Star se for embora com o bornal cheio; o seu negócio – como de todos os fundos abutre - não é a banca mas a concretização de desestruturações com venda ou apropriação das partes boas, deixando para trás, ao que lhes não interessa – crédito malparado, trabalhadores e um good bye ao Fundo de Resolução.
Em 2008, o BPN onde estava aquartelado o gang de Cavaco Silva, embora pesasse muito pouco no conjunto do sistema bancário português foi nacionalizado por uma dupla pouco recomendável (Sócrates/Teixeira dos Santos). Manifestámos então o nosso desacordo, aqui:
http://www.slideshare.net/durgarrai/bpn-exemplo-prtico-do-que-o-capitalismo
Os imprestáveis do negócio da nacionalização do BPN renderam mais de 3000 M de prejuízos a um “veículo” estatal chamado Parvaloren  que, como o nome indica, foi algo de parvo para quem tem o dever de zelar contas públicas. E foi o mesmo Estado (Passos Coelho) que vendeu (por € 40 M) uns salvados do BPN a uma figura de imaculada capitalista, como Isabel dos Santos, que indicou para seu homem de mão um tal Mira Amaral, do PSD.
Nesta suja ligação entre Estado e classe política ressalta a fragilidade do sistema financeiro, a grande relevância que os capitais espanhóis vão tendo no conjunto, reveladora da integração de Portugal como mais uma região do estado espanhol. E a subserviência é particularmente visível nos beija-mão de Costa e Marcelo ao Bourbón, a propósito de questão catalã, sobre a qual teria sido da mais elementar prudência, não se meterem em assuntos internos do país vizinho.
O enredo entre Costa e Centeno com Marcelo pelo caminho é uma cara distração em tempos de coronavírus.

Fábula do Novo Banco

por estatuadesal

(José Gameiro, in Expresso Diário, 15/05/2020)

Andavam os três na mesma escolinha há uns anos. Uma escola pequenina em que todos se conhecem, desde pequeninos. Vão às festas uns dos outros e são os melhores alunos da classe.

A escolinha tem uma pedagogia muito moderna, estimula a competição, já fala de empreendedorismo e prepara-os para a selva da vida actual. Claro que, com as melhores intenções, apesar da resistência de alguns pais.

Oferecem-se sempre para ir ao quadro, põem o dedo no ar, cada vez que a professora faz uma pergunta. Levantam questões, não perdem uma oportunidade, para mostrarem que sabem tudo.

Um é muito bom em contas, tem sempre vinte a matemática, outro é muito bom a história, tem uma memória incrível, dá-se bem com toda a gente, mas nunca se esquece do que os outros lhe fizeram e, mais cedo ou mais tarde, aviva-lhes a memória, o terceiro é mais matreiro, amigos, amigos, negócios à parte.

A escolinha tem meninas, algumas bem bonitas e os nossos meninos andam a sempre a catrapiscar as miúdas. No jardim há uma sebe, quando podem e elas deixam, levam-nas lá para trás e tentam dar-lhes uns beijinhos.

Estava tudo a correr muito bem - dizem-me que algumas professoras, mais perspicazes, não acreditavam na boa relação entre os três, antes sentiam-na como uma pseudo-mutualidade - quando a coisa descambou.

Tudo começou num episódio, sem importância.

O menino António queixou-se que o menino Marinho lhe passou uma rasteira no recreio. O Marinho negou. Ia a correr e não viu o menino António, se ele caiu, foi sem intenção. Mas o menino António, que é um bocadinho queixinhas, foi dizer à professora e pediu ajuda ao menino Marcelo, que estava a brincar no intervalo.

Quando este procurou saber o que se tinha passado, não conseguiu perceber muito bem, as versões dos outros eram contraditórias, mas ele, naqueles dias, estava a brincar mais com o menino António, do que com o menino Marinho e decidiu dizer à professora que a culpa era do Marinho.

O Marinho não se ficou e, para lixar o menino Marcelo, foi dizer que este lhe tinha telefonado a pedir desculpa, pelo que tinha dito, mas que continuava a gostar muito dele.

Com esta embrulhada a história destes três meninos só podia acabar mal.

O menino Marcelo fez um cartaz em casa e no dia seguinte afixou-o na escola.

Dizia: fiquem todos a saber que só procurei ajudar os meus amigos, para a próxima não me vou meter nas confusões deles, entendam-se.

O cartaz caiu como uma bomba e relação entre os três nunca mais foi a mesma.

Uma fábula, deve ter sempre uma moral no fim.

Há escolas que são muito pequenas para egos tão grandes...

O Ronaldo dos jogos a feijões

por estatuadesal

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 14/05/2020)

A minicrise desta quarta-feira, que corresponde ao prenúncio da despedida de Mário Centeno muito em breve (sair em junho é sair agora), conta-nos muitas coisas sobre a interminável e milionária novela do Novo Banco, sobre Mário Centeno e sobre António Costa.

Ficámos a saber que, faça o Novo Banco o que fizer com o dinheiro que lhe é entregue pelo Fundo de Resolução, que em grande parte corresponde a empréstimos a longuíssimo prazo do Estado, o ministro das Finanças tem o compromisso de entregar o cheque assinado de cruz e sem direito a perguntas. As auditorias não têm qualquer função. É pagar e calar. É este o acordo que Centeno conseguiu e no qual se escuda, como se nada tivesse a ver com isso.

Recordo que foi o próprio ministro das Finanças a defender, há um ano, que as várias auditorias previstas não eram suficientes e que era “indispensável a realização de uma auditoria para o escrutínio do processo de concessão dos créditos incluídos no mecanismo de capital contingente”. Ficámos a saber que elas não têm qualquer consequência nos deveres presentes e futuros do Estado. E isso foi confirmado pelo próprio primeiro-ministro, no comunicado em que se humilhou perante o seu ministro das Finanças, porque não o pode perder em vésperas de orçamento retificativo e quando ele é presidente do Eurogrupo.

Ficámos a saber que o primeiro-ministro não faz a menor ideia do que se passa com o Novo Banco. Não conhece sequer os pormenores da venda desastrosa que liderou – e que é, para que o PSD não se arme em esperto, resultado da resolução desastrosa do BES, quando Portugal aceitou ser cobaia do experimentalismo europeu. Nem sabia a que auditoria realmente se referia. Nem parece conhecer as condições contratuais. E não pergunta. Entregou essa pasta a Mário Centeno e ele não acha, nem nisto nem em tudo o que dependa dele, que tem de dar explicações políticas a ninguém. Nem àquele que o nomeou.

Ficámos a saber que o ministro das Finanças não sente que tenha de ter em conta a sensibilidade política deste dossier. Não tem de dar explicações a ninguém, incluindo ao primeiro-ministro. Nem sequer depois de ter ouvido o seu compromisso, perante uma pergunta do PAN, a 22 de abril, de que essa transferência só aconteceria depois de se conhecerem os resultados da auditoria. Deixou-o na ignorância e com isso levou-o a mentir 15 dias depois, quando o BE o voltou a questionar, já a transferência tinha sido feita. Mário Centeno não quer saber. Não é ministro de Costa. Não responde perante Costa. Não tem nada a ver com os compromissos públicos de Costa.

Depois de Costa ter tentado salvar a honra do convento com “falhas de comunicação”, Mário Centeno fez questão de desautorizar de novo o chefe do Governo, que acontece ser o seu chefe. Chegou a dizer que "o primeiro-ministro entendeu que devia fazer um pedido de desculpas ao Bloco de Esquerda", como se mentir no Parlamento (por sua responsabilidade) não tivesse importância alguma. As farpas foram tantas que é inconcebível não ter anunciado a demissão na hora. É como se fosse ele o primeiro-ministro. E faz tudo isto num momento especialmente sensível para o país. Está-se nas tintas. Ele é o Ronaldo, o presidente do clube que tem a sorte de o ter descoberto na academia que trate dessas minudências que são a política.

Ficámos a saber que o Ministro das Finanças está desesperadamente à procura de uma saída, quando as coisas deixaram de ser fáceis. Fez o que qualquer ministro no seu lugar conseguiria fazer numa boa conjuntura – cativar, cortar, aproveitar uma boa situação económica, repetindo em tempo de vacas gordas o essencial do raciocínio de Vítor Gaspar no tempo das vacas magras.

Tudo o que o governo da “geringonça” fez de positivo para os que mais precisavam e em defesa dos serviços públicos, na legislatura passada, não foi feito por causa de Centeno, foi apesar e muitas vezes contra Centeno. Digo-o há cinco anos. E se algumas dúvidas houvesse sobre a sua postura, o papel obedientemente irrelevante que tem tido no Eurogrupo, transformando cada coisa nenhuma em imensas coisas sem precedentes, demonstram o engano que nos tem sido vendido.

Ficámos a saber que falta a Mário Centeno o sentido de dever que, num cargo político, só um político que não procura outras carreiras pode ter. Preparar a sua saída no momento em que Portugal vai entrar numa crise sem precedentes revela falta de grandeza. Mas a sua saída imediata poderia impedir uma possível nomeação para governador do Banco de Portugal, agora que a Europa começa a parecer um sonho mais distante. Todos os cálculos são possíveis, nenhum parece incluir os interesses do país.

Não lamento a saída de Mário Centeno, que não teria, para o tempo que aí vem, rigorosamente nada de diferente para oferecer do que aquilo que conhecemos em 2011. A pergunta é se António Costa, que à boa moda dos políticos dos anos 80 acha que não tem de se saber de economia para fazer política, tem alguém que o substtua. Não tem de ser um amigo. Tem de ser quem pense no Ministério o que o primeiro-ministro anda a dizer ao país desde que a pandemia começou.

Em tudo isto, esteve bem o Presidente da República, ao tentar, sem grande sucesso, recordar a hierarquia do Governo. Centeno está de partida. Ao contrário de quem andou a transformá-lo num Ronaldo, não o lamento. Nem me espanto que o queira fazer no momento em que nenhum político com algum sentido de missão o faria. Só tenho pena que, no fim, ainda exista a possibilidade de ser premiado. Mas sabendo que é candidato a substituir Carlos Costa, o homem que depois do desastre do BES ficou no lugar como se nada se tivesse passado, há uma certa coerência.

Jogos pré-estivais

por estatuadesal

(Miguel Sousa Tavares, in Expresso, 16/05/2020)

Miguel Sousa Tavares

1 Em 15 de Abril já estávamos em plena crise económica resultante do coronavírus, certo? Nessa altura, já o Governo se vira forçado a injectar milhares de milhões na economia — “os impostos de amanhã”, como lhes chamou o ministro Siza Viera —, não é verdade? Então, nessa data, quando, respondendo a uma pergunta deste jornal sobre se o Governo iria injectar também os 850 milhões já previstos no Orçamento do Estado e que o Novo Banco iria fatalmente pedir outra vez, António Costa respondeu textualmente que “o que está no Orçamento é para ser cumprido”, e acrescentou que não se tratava de “despesa”, mas sim de um “empréstimo”. E é, no papel: o Estado vai emprestar, em nome do Fundo de Resolução, até 3,89 mil milhões aos gestores autopremiados do NB, e depois o Fundo de Resolução (os outros bancos) terão até 2047 para devolver ao Estado o dinheiro “emprestado”, assim acabando eles por pagar a dívida acumulada pela gestão premiada do NB: acredite se quiser.

<span class="creditofoto">ILUSTRAÇÃO HUGO PINTO</span>ILUSTRAÇÃO HUGO PINTO

Temos, pois, que o primeiro-ministro não fez depender o pagamento de qualquer auditoria (ao contrário do que subentenderia uma semana depois, na AR), antes o assumindo como uma inevitabilidade. E as cinco verificações das contas do NB, a cargo de outras tantas instituições, nacionais e europeias, das quais dependia a viabilidade do pedido do banco, todas lhe deram luz verde — enquanto que a “auditoria” de que falou o PM, a cargo da Deloitte e que deveria estar pronta em Maio, está atrasada para Julho. Sabemos que António Costa não foi avisado a tempo por Mário Centeno de que o pagamento já fora feito. Mas não sabemos se foi avisado que ia ser feito, só não sabendo quando. E custa a creditar que desconhecesse que, nos termos do contrato de venda do NB, verificadas as contas pelas entidades externas, este tinha o direito de pedir o dinheiro do Estado e o Estado tinha 30 dias para o transferir, após a recepção do pedido: foi o que fez Mário Centeno, no último dia do prazo. Foi uma “falha de comunicação”, como disse o ministro das Finanças, mas não foi um azar de 24 horas. Muito antes de 15 de Abril, já eu, que não sou governante, mas apenas contribuinte, me interrogava se o NB teria o descaramento de, este ano, em plena crise inimaginável, vir outra vez esmolar o seu estipêndio. E já no ano passado, quando eles vieram assaltar-nos pelo terceiro ano consecutivo — e terceiro após a venda (não falharam um!) — no assomo geral de indignação que se seguiu, toda a gente se perguntou como seria em 2020. Portanto, meus caros, arranjem as minudências e sinuosidades processuais que acharem por convenientes, mas tenham o decoro de não passar ao lado do essencial: não pagar ao NB era uma decisão política, que envolvia uma quebra contratual e que o primeiro-ministro não quis assumir. Agora, se António Costa está farto de Mário Centeno e Mário Centeno farto de António Costa, isso é outra questão. Mas encerrar a crise com Centeno como bode expia­tório, dá muito jeito a várias partes, mas é apenas fumo para os olhos.

2 Numa coisa, Centeno (e Costa) dividem responsabilidade: na infeliz venda do Novo Banco à Lone Star, um negócio que já se sabia que só podia acabar mal. Mas também é verdade que Sérgio Monteiro andou ali uma eternidade para vender o banco e tudo o que arranjou foi estes piratas, com fama de atacarem animais feridos e abandonarem-nos cadáveres, que é o que vão fazer com o NB: sugarem tudo o que puderem dos contribuintes e, quando a mama acabar, fazem um garage sale daquilo ou entregam-no à falência. E também é verdade que mais uma vez o nosso querido Estado conseguiu assinar um contrato de milhares de milhões com privados em que eles ficam com o nosso dinheiro e nós com a experiência deles.

3 Desta vez, a administração do NB pediu ao Fundo de Resolução (aos contribuintes, como já vimos) 1037 milhões de euros, mas só lhe deram 1035. Recusaram-lhes 2 milhões para “prémios de gestão” dos administradores. Mesmo assim, quando Centeno apelou a que tivessem o bom senso de não retirar o prémio dos remanescentes 1035 milhões, os senhores gestores demoraram apenas minutos a produzir um comunicado a dizer que não prescindiam de tal. Estes tipos mereciam, como nos livros de banda desenhada do Far West se fazia aos mal-comportados do saloon, ser cobertos de alcatrão e penas e expulsos da cidade.

É preciso ter perdido qualquer vergonha pública para querer receber prémios de gestão do único banco que perdeu dinheiro em 2019 e que só fechou as contas no positivo com a esmola contratual dos contribuintes. De uma só penada, o NB leva o triplo do que a TAP pediu ao Governo — mas a TAP voa, não rasteja — ou o dobro do aumento previsto para o SNS — mas o SNS combate a pandemia e salva vidas, não é ele próprio um vírus ruinoso para o país e para a vida dos outros.

Não pagar ao NB era uma decisão política, que envolvia uma quebra contratual e que o primeiro-ministro não quis assumir

4 E numa coisa Centeno teve toda a razão: a Resolução do BES foi “desastrosa”. Aliás, foi bem pior do que isso: foi o mais ruinoso negócio feito em nome dos contribuintes portugueses nos últimos 50 anos. Obra de três personagens principais: Carlos Costa, Pedro Passos Coelho e Maria Luís Albuquerque. Mas, diga-se em abono da verdade, com o apoio quase generalizado de todos os partidos, sobretudo da esquerda apaixonada pelas nacionalizações, e a contribuição de alguns personagens menores, cujos nomes talvez um dia vejam a luz do dia. Segundo as contas de Vítor Bento, o primeiro presidente do NB, a Resolução custará no final entre 8 e 10 mil milhões, mas eu creio que ele não está a incluir nas contas coisas como os 4000 milhões perdidos com a desastrada gestão do assunto do BESA ou as vendas a desbarato de activos do ex-BES. Pelas minhas contas, o saldo final nunca será menos de 12 mil milhões de euros. Nada que tire o sono a certa gente: os pavões não dormem à noite.

5 Cordas, cercas metálicas, pulseiras de acesso, nadadores-salvadores virados ao contrário, polícia marítima, fuzileiros navais, sensores e drones a pairar sobre as cabeças para as contar e vigiar as distâncias sociais, não só na areia mas também na água: sob o comando da incansável Drª Graça Freitas, eis o Verão nas praias de Portugal que nos preparam. Mas também se fala de outros planos que regularão o tipo de calçado obrigatório, quando e como pôr e tirar a máscara (todo um manual de instruções!), o que é e o que não é um “desporto náutico” e o eventual alargamento das zonas concessionadas, em prejuízo das zonas para os banhistas normais. E tudo isto porque a maioria dos banhistas não é comunista, o Governo sabiamente não confia neles, como confiou e confia nos comunistas da CGTP ou da Festa do Avante, para se autodisciplinarem sanitariamente. E assim pretende não só incentivar o “faça férias cá dentro” como ainda atrair o pouco turismo estrangeiro que aparecer.

Prevejo o pior. Prevejo qualquer coisa próxima de uma guerra civil, com os portugueses — ansiosos por férias, por praia, por descontrair, por ver amigos — a guerrearem-se nos estacionamentos, a atropelarem-se nas passadeiras, a acotovelarem-se nas filas de entrada, a atirarem com a Festa do Avante à cara das autoridades, a discutirem o direito à sombra com os concessionários, a reclamarem o lugar ocupado com o guarda-sol e as toalhas da família que chegou às oito da manhã, marcou o seu espaço e depois foi à sua vida, deixando lá os preciosos dez metros quadrados reservados o dia inteiro. Prevejo que a fúria regulamentadora da DGS leve a que, em lugar de deixar que as pessoas, sabendo que neste Verão não haverá practicamente turistas estrangeiros, se distribuam tranquilamente e ao longo do dia por praias com muito mais espaço naturalmente disponível, acorram todas em magote e ao mesmo tempo, com medo que lhes roubem a praia. Temo que, entregue nas mãos dos “praiaocratas” aquele que eu pensei que poderia ser o melhor Verão desde a minha infância, se torne no maior Inferno que a imaginação deles conseguir parir. E começo a temer que o Verão seja apenas um sinal do que nos espera: quando oiço os “especialistas” dizer e repetir que o vírus veio para ficar durante muito tempo (e, infelizmente, são capazes de ter razão), também me interrogo se eles, as suas regras e a sua volúpia de controlar a nossa vida ao detalhe, não vieram para ficar durante muito tempo. Porque, diz quem experimentou, o poder é inebriante.

Miguel Sousa Tavares escreve de acordo com a antiga ortografia