Translate

quinta-feira, 21 de maio de 2020

Rui Rio tem um pezinho a fugir para o Ventura

Curto

David Dinis

David Dinis

Director-adjunto

21 MAIO 2020

Partilhar

Facebook
Twitter
Email
Facebook

"São sete mil milhões mil milhões em impostos sem que a justiça tenha tido a capacidade de julgar quem quer que seja"
"É o maior crime de colarinho branco cometido em Portugal"
"A forma eficaz como o Conselho de Administração tem conseguido sacar dinheiro ao Estado"
"Houve ou não calotes para receber mais dinheiro do Estado?"
"Eu quase que sei o que aconteceu [no Novo Banco]"

Ontem, no debate quinzenal, Rui Rio usou todos estes termos para relançar a discussão sobre o Novo Banco. O tema é quente, sabemos como agitou o Governo. Mas o líder do PSD fez menos para atacar o Executivo ou António Costa do que para pôr em causa o próprio banco e, até, a investigação judicial que está em curso. É um modo particular de fazer política para o principal partido da oposição.
Não é fácil classificar o método de Rui Rio. Um dia, apresenta-se como agente político de responsabilidade máxima, disposto a apoiar o Governo no combate à epidemia, travando até as críticas do próprio partido; no outro, o mesmo Rui Rio usa de todos os meios para criticar as instituições do país - sobretudo onde as sente mais frágeis oi impopulares.
A banca, sabemos, é uma delas. Na crítica de ontem, Rui Rio fez como nas conversas de café se faz: misturou dúvidas pertinentes com insinuações e julgamentos pré-concebidos. Para pôr em causa a célebre transferência de 850 milhões de euros, tão badalada na semana passada. Bastaram 30 segundos para que Catarina Martins, do Bloco de Esquerda, pusesse em causa a base da sua argumentação: se era assim tão má (a transferência), por que é que o PSD não votou o projeto do Bloco que fazia depender todas as transferências para o Novo Banco da autorização do Parlamento? Rio já não tinha tempo para responder, mas é fácil antever a resposta (que não poderia dar): por que isso empurraria o Novo Banco para a sua segunda crise sistémica em seis anos, desta vez por responsabilidade dos políticos. O preço seria elevadíssimo, também para ele - como político e como contribuinte.
A Justiça, já sabemos, é outra instituição que Rui Rio nunca hesita em criticar. Sabendo que até hoje (quase seis anos depois da resolução do BES) não há ainda uma acusação, o líder do PSD também sabe quão complexa é a investigação. Assim como sabe (ou devia saber) que uma investigação é uma investigação e que, numa Democracia, ninguém é culpado antes dela -muito menos antes de ser julgado. A ouvi-lo, ninguém diria.
O líder do PSD não hesita em apontar o dedo à banca, nem à Justiça, assim como não hesita em atacar os media. Já os equiparou a "fábricas de calçado" quando criticou pela primeira vez o pacote de apoio que o Governo lhes destinou. Esta semana, porém, quando viu os números desses apoios, Rui Rio disparou mais um Tweet - aquela arma política que ficou colada à imagem de um outro político, do outro lado do Atlântico: “15 milhões de impostos para ajudar a pagar programas da manhã e o Big Brother”, disse ele. Não vale a pena explicar a Rui Rio que está a tomar a árvore pela floresta. Mas vale a pena registar a resposta de Nuno Artur Silva, secretário de Estado da Comunicação Social, nesta entrevista ao Expresso ontem: “Ele próprio foi a um programa da manhã”. O líder do PSD respondeu com outro tweet, noite fora: "Olha! Este acha que os sítios onde vou merecem subsídio público!". Eu não, só acho que Rui Rio brinca com coisas sérias.
Por isso, e como Rui Rio tem um pezinho a fugir para o Ventura, registo o que escreveu Thomas Jefferson em 1787, no momento fundador da Democracia americana:
"O povo é o único censor dos seus governantes. E até seus erros tendem a mantê-los dentro dos verdadeiros princípios de sua instituição. Punir esses erros com muita severidade seria suprimir a única salvaguarda da liberdade pública. A maneira de impedir essas interposições irregulares do povo é dar-lhes informações completas sobre os seus assuntos através dos jornais, e conseguir que esses jornais cheguem a toda a massa do povo. Sendo a opinião do povo a base do nosso governo, o primeiro objetivo deve ser manter esse direito; e se me fosse dado a decidir se deveríamos ter um governo sem jornais ou jornais sem governo, não hesitaria um momento em preferir o último. Mas com isto quero também dizer que todos os homens devem conseguir receber esses jornais e serem capazes de lê-los."
Eu, como escrevo aqui no Expresso e estou a escrever para si, acho que não preciso de acrescentar mais nada.

quarta-feira, 20 de maio de 2020

Uma auditoria "indispensável"

Posted: 19 May 2020 03:43 AM PDT

«Depois de, por duas vezes, ter garantido que não haveria uma nova injeção no Novo Banco sem antes conhecer a auditoria às suas contas, António Costa deu o dito por não dito.

O Governo sente-se agora confortável para continuar a alimentar o banco com dinheiro público, e dispensa saber pormenores sobre a forma como os créditos estão a ser geridos.

Para sustentar o volte-face, António Costa repetiu os argumentos que Mário Centeno tinha usado ao romper o compromisso do primeiro-ministro. Esse discurso assenta em vários equívocos:

1. Esta auditoria foca-se apenas na concessão inicial dos créditos pelo BES? A auditoria especial da Deloitte - anunciada na sequência do anúncio da injeção de 1147 milhões no Novo Banco em 2019 - visa analisar a concessão dos créditos, mas também a sua gestão e venda por esta administração, num período que vai de 2000 a 2018.

2. Esta é só mais uma de várias auditorias? Esta é a única auditoria que visa olhar para a gestão da carteira de créditos tóxicos que está na origem da garantia de 3900 milhões que o Estado deu ao comprador do Novo Banco. As outras auditorias que o Governo refere são a certificação legal das contas anuais; o relatório da Comissão de Acompanhamento; a análise do Fundo de Resolução, e a verificação da consultora Oliver Wyman. Nenhuma destas análises tem o âmbito ou o propósito da auditoria especial, e nenhuma garante que o Novo Banco não esteja a apressar o registo de perdas para aumentar a conta do Estado. A certificação legal, que acontece em todos os bancos, não visa analisar a utilização da garantia pública. Os poderes de verificação do Fundo de Resolução são limitados. Quanto à Comissão de Acompanhamento, falta-lhe um terceiro membro há mais de um ano. No Parlamento, o seu presidente remeteu a avaliação do valor dos créditos vendidos para a certificação de contas e para o próprio banco, e ainda acrescentou que há "casos [mediáticos] que um dia terão de ser tratados".

3. A transferência tinha de ser feita independentemente da auditoria? Os prazos que o Governo tem referido não são públicos e não podem ser verificados. O Orçamento do Estado continha um limite de despesa para o Fundo de Resolução, mas de forma nenhuma isso cria uma obrigação de prazos ou montantes a transferir (o Governo previa usar 600 e acabou a injetar 850). Além disso, o Governo tem o direito a desconfiar e exigir saber pelo que está a pagar.

Ficamos sem saber porque é que o primeiro-ministro se comprometeu perante o Parlamento a fazer uma coisa que, afinal, acha inútil. E porque é que entendeu que era necessário pedir a auditoria que agora dispensa conhecer atempadamente. Fez mal. A auditoria não era apenas útil, era "indispensável", tal como se lia no comunicado do Governo que a determinou, em março de 2019.»

Mariana Mortágua

Portugal precisa do Totoloto, mas não conta para o Totobola

por estatuadesal

(Pedro Santos Guerreiro, in Expresso Diário, 19/05/2020)

Pedro Santos Guerreiro

A Alemanha e a França vão quebrar o lacre que proibia dívidas conjuntas para subsídios a fundo perdido com esta dimensão. Porque a Itália é “grande de mais para falir”. Mas se pensa que 500 mil milhões de euros é dinheiro a rodos, faça as contas, porque não chega para combater a crise.


Merkel e Macron mostraram esta segunda-feira garrafas magnum sem dizer ainda se lá dentro está champanhe ou água. Um número é um número, 500 mil milhões de euros a fundo perdido impressiona, até porque é difícil apreender a escala real de números com tantos algarismos. O anúncio do pacote para a recuperação carece de muitos detalhes, mas comecemos pelo número. Parece grande? E é. Mas calcule a percentagem que cabe a Portugal e divida por sete anos. Dá menos de 1% do PIB anual.

O Governo está a esconder o pânico com os cenários económicos atrás do sorriso para projetar confiança. O maior sinal é ver o primeiro-ministro às compras na Baixa de Lisboa para as câmaras de televisão e o Presidente da República fotografado numa fila de supermercado. Nesses exemplos está uma súplica: depois do feche-se em casa, o abra-se a carteira. Gaste à francesa e, se necessário, viva afinal à sueca. Porque a destruição económica, as falências, o desemprego, as dívidas, a pobreza, a fome não se extinguem no segundo trimestre maldito: começam nele.

Os primeiros indicadores económicos não são os mais relevantes. Março trouxe uma recessão a pique (provavelmente próxima de 10% na segunda quinzena) e abril será uma tragédia de dois dígitos. Isso não surpreende. A depressão será funda como um poço até junho, mas o Governo já percebeu que a destruição não será um desamor de primavera, que se enterre na areia quando formos para a praia. O turismo, que aguentava o país, no terceiro trimestre estará de maré rasa. E mesmo com todas as ajudas ao lay-off, linhas de liquidez e moratórias de créditos e de impostos, o que os números ainda não registam os olhos já veem.

A recessão será pesada, os riscos financeiros estão ao virar da esquina, as filas de desemprego e dos apoios alimentares estão a abarrotar; e o Estado terá de continuar a gastar em apoios à economia e sobretudo em apoios sociais, não se sabe durante quanto tempo, mesmo se não houver segundas vagas. Não ficar tudo bem e ainda pode ficar tudo mal. Por isso, "gastem". Por isso, "SOS Europa".

Portugal não tem peso político na UE, precisa de um Totoloto mas não conta para o Totobola. Paradoxalmente, a nossa salvação está na Itália, que é "grande de mais para falir", da mesma maneira que dizíamos dos grandes bancos quer eram "too big to fail". Trata-se de uma das maiores economias da Europa e tem uma das maiores dívidas públicas do mundo. Estás de rastos com a pandemia, que tudo agravou. Não salvar a Itália é agendar uma crise de dívidas soberanas no sul da Europa, no coração da UEM e na cabeça da UE. E se ajudas houver para Itália (como para Espanha), para outros países haverá. Incluindo Portugal.

Daí que o anúncio esta segunda-feira feito por Merkel e Macron avance até onde a UE nunca avançou, sobretudo por causa de Itália mas também de Espanha. Falta conhecer detalhes e a articulação com outros planos já anunciados (incluindo o programa SURE e o papel do BCE), mas já parece possível dizer o que de melhor e de pior se prepara.

A proposta de Merkel e Macron passa pela criação de um pacote de 500 mil milhões de euros, em dívida conjunta da UE e paga mais tarde pela UE, dinheiro que será distribuído a fundo perdido pelos Estados-membros, supostamente em proporção das suas contribuições para o orçamento comunitário, que por sua vez crescerá com a cobrança de novos impostos, designadamente de negócios digitais.

O modelo parece correto. Isso é o melhor deste plano: contemplar não apenas dinheiro a fundo perdido, "pedido" por todos em conjunto e "pago" por todos em conjunto, mas também um aumento do orçamento comunitário. A Europa perderá a virgindade nos financiamentos conjuntos desta monta. E como o que custa sempre é quebrar o tabu, depois será mais fácil aprofundar este tipo de mecanismos.

O pior do plano é que é pouco dinheiro. Sim, pouco. Veja o caso português: se for à proporção das contribuições para o orçamento comunitário, mesmo que Portugal receba 2%, serão dez mil milhões de euros. Ao longo de sete anos (2021-2027), o que dá uma média (que provavelmente será distribuída com mais dinheiro no principio do que no fim) de 1,4 mil milhões de euros por ano. É menos de 1% do PIB. 140 euros por português por ano. Não, não é muito. Para o que precisamos, não é muito.

Os subsídios deveriam ter em conta não apenas a proporção no orçamento mas também o impacto da pandemia e o ponto de partida da dívida pública de cada país. Se assim não for, Alemanha, França, Itália e Espanha (quatro países) receberão quase dois terços dos 500 mil milhões, dividindo-se o pouco mais de um terço final pelos outros 23 países, entre os quais Portugal.

Falta saber mais para fechar conclusões, incluindo as decisões finais do Conselho Europeu daqui a poucas semanas. Este anúncio prévio de programa de recuperação significa que se está a preparar terreno político, comunicação com as opiniões públicas e tranquilização dos mercados, que estão de dedo nervoso no gatilho. A dimensão, repartição e contrapartidas nunca serão politicamente fáceis, até porque as instituições europeias não pensam todas da mesma maneira, e repito que as medidas desbravam os muros que eram invioláveis. Mas não se encandeie com a grandeza do número. Para que tudo não se resuma a um "toma lá 140 euros e não digas que vais daqui". Para que o "a fundo perdido" não se seja na verdade um fundo perdido.

Desconfinar e olhar em frente. O sol, a praia e a política regressam às nossas vidas

Curto

Paula Santos

Paula Santos

Diretora-adjunta

20 MAIO 2020

Partilhar

Facebook
Twitter
Email
Facebook

Bom dia.
E subitamente, as eleições presidenciais entram na agenda.
Rui Tavares
, quem sabe embalado pela porta que Ana Gomes deixou aberta nos últimos dias, disse ao Expresso que vê, numa eventual candidatura da ex-eurodeputada, uma “esperança de convergência à esquerda”.
A reação do fundador do Livre surge dois dias depois de Ana Gomes ter prometido uma nova reflexão (tinha chegado a descartar a possibilidade) em que pondera uma eventual candidatura à presidência da República. O historiador acha que está na altura dos partidos da esquerda mostrarem que é possível construir compromissos para além da “geringonça”.
Não foi só junto de Rui Tavares que as criticas de Ana Gomes à forma como o nome de Marcelo Rebelo de Sousa foi lançado na corrida presidencial tiveram efeito.
José Luís Carneiro, secretário-geral adjunto do PS, deu voz à contestação socialista perante as palavras da ex-eurodeputada. “Declarações inaceitáveis” alega José Luís Carneiro que não gostou de ouvir Ana Gomes dizer que António Costa protagonizou um “episódio lamentável, grave e deprimente”. O dirigente assegura que o PS vai mesmo debater a questão das presidenciais, apesar de o Congresso do partido ter sido adiado por Carlos César para lá de janeiro do próximo ano (data prevista das eleições) e rejeita que haja falta de democracia interna no partido.
A resposta do PS é feita à medida das reclamações de Ana Gomes mas talvez também se encaixe nas críticas que Manuel Alegre deixa esta quarta-feira nas páginas do Público. “Não gostei do que se passou na Autoeuropa”, diz Alegre, “até porque as regras têm de ser respeitas no partido”. Continuamos assim no domínio da consulta, que não aconteceu… e do congresso que já não se faz a tempo das presidenciais.
A questão do adiamento do Congresso para lá de janeiro de 2021 não é um pequeno detalhe na agenda política de um partido em vésperas de eleições. O Expresso relembra-lhe o que aconteceu em 1991 quando Cavaco Silva decidiu não apresentar candidato face à popularidade de Mário Soares. Aí, a estratégia do então chefe do Governo partiu da mesma ideia mas não dispensou, justamente, o aval do PSD… em congresso.
Rui Rio ainda não se pronunciou sobre as presidências, mas as consequências da discussão dos últimos dia, também tiveram eco no PSD. O nome de Miguel Albuquerque surgiu na eventual lista. E já tem apoio prometido de Alberto João Jardim, confirmado pelo jornal i.
Com tantos ingredientes à partida e outros mais que se vão juntado, o debate não escapou à Comissão Política, o podcast do Expresso.
Não é preciso ser vidente para antever que esse é o resultado óbvio [reeleição de Marcelo]”. António Costa insiste, depois de ter dado o tiro de partida. Faltam 8 meses para as presidenciais.

terça-feira, 19 de maio de 2020

Remorsos de Magalhães

por estatuadesal

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 18/05/2020)

Daniel Oliveira

Com centenas de milhares de crianças casa, é impossível não recordar o projeto e-escolinha e o Magalhães. Os arquivos desse tempo são um retrato do nosso debate político. Casos, casos, casos. Fora isso, a reação geral da nossa elite foi a de ridicularizar.


Quando vejo centenas de milhares de crianças ficarem confinadas em suas casas, longe da escola, e dependentes dos recursos tecnológicos (e culturais) das suas famílias, é impossível não recordar o malogrado projeto e-escolinha, que ficou popularizado como Magalhães. Com vontade de recordar este projeto, nos seus acertos e falhas, fui procurar o que se foi escrevendo. Os arquivos desse tempo são um retrato da qualidade do nosso debate político. Pouco se encontra sobre as vantagens e perigos da ideia. Casos, casos e mais casos.

O caso da JP Sá Couto, com a acusação de fraude e fuga ao fisco. As polémicas em torno das burocracias e dos processos administrativos que caíram em cima dos professores por causa do portátil. Episódios caricatos em torno de cantigas sobre o Magalhães entoadas em ações de formação, que se espalharam em vídeos pela Internet. A utilização de imagens de crianças a usar o Magalhães em tempos de antena do PS. Os erros de português nas instruções dos jogos do computador. No meio de uma selva de polémicas mais ou menos relevantes, preocupantes ou apenas caricatas, quase não existiu debate público sobre a necessidade de dar a todos este instrumento.

Usando a memória, lembro-me que a reação geral da nossa elite foi a de ridicularizar. Do alto de um conservadorismo arrogante, que tendo a modernidade garantida em casa acha que aos mais pobres bastará o passado da ardósia e cursos profissionais para serem, quem sabe, canalizadores competentes, aquilo parecia-lhe uma bizarria. O herói desse tempo, que paralisou a modernização da escola pública durante quatro anos por causa dos seus preconceitos ideológico, foi Nuno Crato. Ainda me lembro de ver o mesmo homem que desfez o Magalhães e todas as modernices dos que achavam que os pobres precisavam de mais do que aprender a contar, ler, escrever e ter um ofício, a distribuir tablets oferecidos por uma empresa, já como ministro.

A forma como se fez o debate contribuiu para o seu fracasso. Porque a superficialidade da crítica, que se concentrou nos escândalos e em episódios e foi incapaz de perceber a função democratizadora do acesso de todos às tecnologias, foi acompanhada por um discurso modernizador simplista e deslumbrado, habitual em José Sócrates. Não percebia que dar a tecnologia sem modernizar a escola não é mais do que oferecer uma ardósia com teclas. E a verdade é que o Magalhães foi pouco usado no contexto da sala de aulas. Porque não se pode acreditar que a tecnologia do século XXI serve para ensinar como no século XIX. Nem o atavismo engraçadote, que despreza em tom anedótico tudo o que modernize a escola, nem o deslumbramento dos “choques tecnológicos”, que separa a tecnologia do modo de aprender, de produzir e de fazer as coisas, permite que a escola dê o salto que tem de dar.

Ao olhar para milhares de crianças isoladas da escola, sem um computador e Internet, que não é tratada como um bem essencial, constato o mesmo que na interminável polémica sobre o TGV, que nos deixou eternamente dependentes dos transportes aéreos sem futuro num mundo em transição energética: a incapacidade de olhar para o essencial, corrigindo o processo sem matar o objetivo. A ausência de democracia no acesso ao espaço público faz com que os mais pobres sejam sempre esquecidos nas polémicas que nos entretêm.

Podíamos ter atacado as suspeitas de ilegalidade, brincado com as parvoeiras e corrigido os erros. Mas se nos tivéssemos dedicado mais a debater o que era preciso mudar na sala de aulas para que o Magalhães fosse útil, é provável que hoje estivéssemos numa fase diferente. Provavelmente, com manuais digitais, poupando os recursos públicos e o ambiente. Provavelmente, com todas as crianças com um tablet e uma ligação à Internet. Provavelmente, sem ter de regressar à “telescola”, fraco remendo para quem não tem quem ajude em casa. Era tão bom que não nos distraíssemos sempre com as curvas quando queremos ir para algum lado.