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domingo, 24 de maio de 2020

Globalização infetada

Posted: 23 May 2020 02:55 AM PDT

«A globalização neoliberal, tal como a conhecemos, determina que as relações sociais são definidas pelo mercado, mas não de qualquer forma. Não basta simplesmente integrar as regras do comércio, importa eliminar todos os obstáculos à livre competição de interesses no mercado. Para se sobreviver neste mundo globalizado, é preciso ser-se mais competitivo do que o vizinho, quer se trate de uma pessoa, de uma empresa ou de um país. A solidariedade social deixa de ser a norma e, se cada pessoa é vista como um "recurso", os cidadãos passam a ser consumidores ou clientes.

Raras são as vezes que vimos a globalização ser analisada a partir da perspetiva dos mais pobres ou dos mais desfavorecidos. Com efeito, a globalização globalizou as desigualdades e as regras passaram a ser definidas pelas multinacionais. O comércio quis-se cada vez mais intensificado e a circulação dos capitais mais fluida. Quantas vezes assistimos ao filme de vidas deixadas para trás pela deslocalização da produção? Quantas economias locais foram destruídas? Quantos trabalhadores foram explorados? Quantas pessoas foram abandonadas à pobreza?

Sabemos bem que a globalização não traz só problemas, mas é inevitável perceber como o desenvolvimento das sociedades a seguir à II Guerra Mundial se fez de modo que as relações económicas e sociais de matriz capitalista determinassem todas as outras relações económicas e sociais. A tese que vigorava há menos de meio ano era a de que esse caminho teria de continuar a aprofundar-se.

Os tempos mudaram radicalmente. Creio que, hoje, a maioria das pessoas já percebeu como um problema global pôs em causa os pilares do modelo de globalização que tem dominado as nossas sociedades. É certo que a denúncia dos problemas associados à globalização neoliberal não apareceram hoje. Aprendemos muito com os êxitos e com os fracassos de movimentos do passado. De Seattle 1999 aos Fóruns Sociais Mundiais, passando pelos movimentos ambientalistas, há muito que se ouve vozes por um outro mundo possível. Continuamos a percebê-lo nos movimentos de precários, nas lutas contra a uberização das sociedades ou nas fridays for future. Mas com a crise atual sentimos ainda mais na pele os limites e as exclusões da globalização capitalista. São as desigualdades e a pobreza a reforçarem-se a cada dia que passa. É o recurso aos serviços públicos e o regresso da centralidade dos Estados na resposta que vão ajudando a reduzir impactos ainda mais trágicos da pandemia.

A covid-19 infetou a globalização que já dava muitos sinais de doença. Os desafios são mais do que muitos, desde a retoma do multilateralismo ao reforço das solidariedades e da democracia, à desmercantilização das relações sociais. Sabemos bem da capacidade regeneradora do capitalismo, mas também sabemos que as pessoas só se mobilizam verdadeiramente quando são afetadas. Veremos com o tempo se, paradoxalmente, do distanciamento físico poderá nascer uma maior proximidade social.»

Marisa Matias

Tu mediste bem, Costa?

por estatuadesal

(Joaquim Vassalo Abreu, 22/05/2020)

António Costa

Eu, tal como muita gente e nomeadamente militantes do PS que conheço, achei extemporâneo e mesmo um pouco inopinado o precoce anúncio do teu apoio, e por inerência do PS, à recandidatura de Marcelo a um novo mandato. E noto neles, militantes, enorme resistência em votarem num natural candidato da Direita.

Eu não sou militante do PS nem de Partido algum mas sou um dos que, não deixando de te apoiar, não irei votar em Marcelo. Por uma questão de princípio e por tudo o que sobre ele escrevi ao longo dos últimos anos. Mas isto são invalida que não aprecie positivamente a vossa pública e institucional convivência.

É que desta vez não haverá um Álvaro Cunhal a dizer-me para tapar os olhos e “engolir um sapo”, como em 1986 votando em Soares. Mas até que o “engoli” de bom gosto! Mas Soares era o Soares…e  Marcelo não passa de um Marcelo. Cantar “Marcelo é fixe”? Mas isso também não significa que vá votar em Ana Gomes e se foi por causa dela ou com medo que ela impusesse o seu nome dentro do PS que te antecipaste, então avaliaste mal porque, por todos os seus anticorpos, ela nunca à Presidência chegaria.

É que ela, embora eu a aprecie em alguns aspectos, não faz o meu género, como se usa dizer, nem lhe vejo perfil adequado para o cargo de Presidente da República. Tão só!

Já em anteriores Eleições Presidenciais o PS cometeu sucessivos erros, erros esses que custaram a reeleição de Cavaco por míngua margem, mas aí ainda não eras tu que mandavas e a eleição de Marcelo, também por pequena margem, mas aí já tinhas uma palavra a dizer. Falo das candidaturas inoportunas e incongruentes, feitas de pavonice e soberba, de Manuel Alegre e Maria de Belém. E na última a negação do apoio a um candidato ( Sampaio da Nóvoa ) que bem teria merecido uma união das Esquerdas.

Mas será que o PS não aprendeu com os erros passados ou, visto de diferente prisma, terá mesmo aprendido ao não ousar apresentar uma candidatura contra Marcelo? Mas no meu modesto entender, e volto a sublinhá-lo, é uma posição que comporta riscos.

A primeira é a de que ao não conseguir agregar uma parte significativa dos seus militantes e eleitores, ficará sempre a sensação de que Marcelo será mais uma vez eleito maioritariamente pelo eleitorado de Direita.

A segunda é a de isso poder criar dentro do PS alguma erosão, para além da putativa criação no seu interior de uma “passionária” (Ana Gomes) pessoa que, para além dos seus já proverbiais defeitos, apresenta também características que muito eleitorado aprecia: a agressividade, o destemor, a independência e o espírito guerreiro e de luta.

E, finalmente, ficará sempre a pairar a sensação de que, afinal, foste tu Costa quem aproveitou a  boleia de Marcelo e não o contrário, como aconteceu com o Governo onde aí sim foi Marcelo quem aproveitou a tua.

Eu sei que numa fase como esta seria quase impossível arranjares ou promoveres um candidato capaz de ofuscar Marcelo pois este, como atrás referi, soube bem ir na tua boleia e, ao invés de uma força de bloqueio, soube sábiamente ser colaborante.

Mas aí eu acho que sairias muito melhor da situação não apresentando candidatura própria, para não hostilizar Marcelo, e dando liberdade de voto aos teus. É minha convicção de que sairias disto muito menos chamuscado e sem o anátema de teres apoiado um candidato de Direita e da Direita. Mas isso sou eu a pensar…

E ainda outro aspecto a considerar: tu não te podes esquecer Costa que, ainda antes das Eleições Presidenciais, tu já terás passado por um sério revés, a saída do teu melhor e mais popular Ministro: Mário Centeno! E, regressando ao tempo presente, não augurando nada fácil a sua substituição, não consigo prever as consequências que essa perda significará para ti.

Sendo certo que tu não podes negar a ninguém, principalmente depois de um assinalável trabalho feito, o direito a mudar de vida e desejar para si um”upgrade” profissional, a grande verdade é que tu, Costa, assumiste ou concentraste num curto e penoso período demasiadas e perigosas lutas.

Eu estou certo de que as acabarás por ultrapassar, mas talvez com danos colaterais que seriam evitáveis…

sábado, 23 de maio de 2020

Guerra civil no areal

Posted: 22 May 2020 03:13 AM PDT

«De cada vez que o Governo apresenta aos portugueses as regras de segurança para o admirável mundo novo que aí vem, a minha vontade é a de ficar em casa para sempre. Bem vistas as coisas, talvez seja esse o objetivo das autoridades. Expelir uma tal quantidade de regras e conselhos, limitações e normas, proibições e avisos que o cidadão comum, sempre pouco dado à leitura das letras miudinhas dos contratos, avente tudo ao ar, se resigne ao take away, à Netflix e ao passeio higiénico na varanda, qual canário confinado à gaiola.

Também pode acontecer que o cidadão refratário se canse dos tratos de polé, do bom e velho paternalismo travestido de “pela-sua-saúde”, e desate a infringir todas as regras que lhe apareçam pela frente e mais algumas de que os burocratas e engenheiros da saudinha ainda não se lembraram, com projeção e pulverização de gotículas contestatárias para cima de todos aqueles, polícias ou aspirantes à função, que se interponham entre si e o gozo de um belo dia de praia sem fita métrica na alcofa, sem divisórias de acrílico e com vista desimpedida para os monumentos da toalha ao lado. Como diz o nosso primeiro-ministro, vamláver. Que ponham os espectadores de teatro a dois, três ou vinte metros de cada um é coisa que não comove o português médio que, das artes cénicas e tudo o que se passa nesses meandros, tem uma vaguíssima ideia, não sei quê do Gil Vicente e, já viu qualquer coisa na televisão, gente em pelota e a dizer palavrões. Música clássica costumava ouvir nos anúncios, Old Spice e Javisol, e Deus o livre de algum dia assistir a danças modernas, óperas ou atuações de orquestras sem adufes e cavaquinhos.

Já as restrições aos restaurantes são coisa que o desgosta porque nem só de pão vive o homem e embora se vá ao restaurante encher a barriguinha, o corrupio de empregados em equilibrismos de bandeja, o alegre cafarnaum de todos ao molho e fé em Deus, o “dê-me licencinha” e o “esta cadeira está ocupada?”, são parte inalienável do património imaterial de ir comer fora. Mas, pronto, nada que uma chispalhada bem apuradinha não resolva. Agora, o que lixa o português – e que me lixa a mim, que nestas coisas não sou nem mais nem menos português do que qualquer outro – é quando lhe começam a mexer na rica praia e ameaçam tornar a inigualável experiência de deslocar um pelotão familiar para a Fonte da Telha ao domingo de manhã num processo de controlo de fazer inveja às alfândegas chinesas.

O português conhece-se mal e parcamente, mas aos outros portugueses conhece-os de ginjeira e sabe que poucas coisas lhes dão mais prazer do que arruinar o prazer alheio. Se alguém se lembra de senhas, não há de faltar quem lhe acrescente bandeirinhas. Se as bandeirinhas não chegarem, de uma mente brilhante há de brotar a ideia dos torniquetes e dos semáforos e dos polícias e dos fuzileiros e das lanchas e das fragatas e um dia estendemos a toalha no areal de Carcavelos e damos por nós no meio do desembarque na Normandia.

Com as autoridades o português ainda sabe lidar. São séculos de amaciamento verbal, “é só desta vez, “ai não sabia”, “ainda no outro dia vim cá e não pediram nada disso”, “mas tem mesmo de ser”, de súplicas oculares enquanto se aponta para a infelicidade dos miúdos enfiados no monovolume, de cerviz dobrada que tem mais de manha do que de servilismo, e tudo se resolve com o proverbial jeitinho. Pior vai ser lidar com os compatriotas que, munidos de smartphones e do espírito de revisores da Carris, estarão atentos à mínima infração balnear: “olha aquele a menos de dois metros e meio da toalha do outro”, “olha aquela a desrespeitar a distância de segurança dentro de água”, “olha o gordo a comer uma sandes a pingar de polinsaturados”.

Os doutores estão preocupados com uma segunda vaga da Covid-19, mas tirem aos portugueses a praia que eles conhecem e pela qual anseiam, encham o areal de polícias e as arribas de delatores, e teremos uma guerra civil.»

Bruno Vieira Amaral

Nova vacina da China aumenta proteção contra coronavírus

A vacina, feita por pesquisadores chineses, foi testada em mais de 100 pessoas e aumentou o número de anticorpos que combatem o vírus causador da covid-19

Por Lucas Agrela

access_timePublicado em: 22/05/2020 às 12h40 - Alterado em: 22/05/2020 às 16h31

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Vacina coronavírus

Vacina: pesquisadores criaram vacina que aumenta proteção contra coronavírus (kuniharu wakabayashi/Getty Images)

Criado por pesquisadores chineses, um novo projeto de vacina contra a covid-19 teve resultados promissores reportados em um estudo publicado no respeitado periódico científico The Lancet. A vacina foi testada em 108 pessoas, divididas em três grupos, e gerou um aumento “significativo” — segundo os pesquisadores — de anticorpos contra o novo coronavírus.

O estudo é assinado por 21 pesquisadores chineses e traz informações tanto sobre a segurança quanto sobre a melhora da imunidade do organismo contra a covid-19, com base nos testes feitos em pacientes humanos. Nenhuma reação severa foi apresentada pela maioria dos pacientes.

O número de anticorpos contra o novo coronavírus aumentou no organismo dos pacientes vacinados após 14 dias e atingiu o pico após 28 dias.

A vacina causou reações na maioria dos participantes nos primeiros sete dias após a aplicação. Os efeitos colaterais reportados foram dor, febre, fadiga, dor de cabeça e dor muscular. Quem recebeu maior dose da vacina apresentou menos reações. Ainda assim, mais de 70% dos participantes desse grupo reportaram os efeitos colaterais. Em todos os grupos de pesquisa, as reações foram fracas ou moderadas. A idade média dos participantes era de 36 anos (eles tinham de 18 a 60 anos e nunca haviam contraído a covid-19).

Apesar de o grupo que recebeu a dose mais alta ter apresentado melhor resposta na produção de anticorpos, os pacientes também tiveram reações mais fortes do que a média, com quadros severos de febre, fadiga, dispneia, dor muscular e dor nas juntas.

A vacina criada na China usa um recombinante de adenovírus tipo 5 com foco na covid-19 para ajudar o organismo humano a desenvolver defesas contra a infecção pelo novo coronavírus. Os pesquisadores afirmam, no novo estudo, que as reações apresentadas pelos pacientes são similares às reportadas por participantes de um estudo com uma vacina baseada em adenovírus tipo 5 que avaliou sua segurança e eficácia contra o vírus ebola.

No mundo, existem cerca de 100 vacinas em fase de testes e 200 medicamentos analisados para combater o novo coronavírus.

sexta-feira, 22 de maio de 2020

Algumas coisas que aprendemos com esta crise

por estatuadesal

(Alexandre Abreu, in Expresso Diário, 21/5/2020)

A epidemia está longe de ter terminado e é cedo para tirarmos conclusões categóricas. A experiência histórica sugere que haverá provavelmente mais vagas até dispormos de uma vacina. A crise económica está apenas a começar e não vai ser ligeira. Mas há algumas coisas que podemos já aprender com a crise dos últimos meses e que é boa ideia começarmos já a registar e recordar, à medida que a vida começa a regressar à normalidade possível e antes que o manto do esquecimento se vá estendendo sobre a excecionalidade destes últimos meses.

O SNS, barreira contra a barbárie. Após anos decortes, subinvestimento e desperdício de recursos na contratualização muitas vezes irracional de serviços e meios de diagnóstico externos, o nosso Serviço Nacional de Saúde, público e universal, mostrou toda a sua qualidade técnica e humana e é um motivo de orgulho e tranquilidade para todos.

Ficou claro que quando as coisas apertam no domínio da saúde, não queremos estar dependentes de operadores privados que entram em lay-off porque esta crise não é suficientemente lucrativa, nem de seguros de saúde privados que alegam condições excecionais, muito menos à mercê de um sistema em que só quem pode pagar é que tem direito à saúde e à vida. Um Serviço Nacional de Saúde público, universal, gratuito e bem apetrechado é uma condição de civilização. Depois das palmas, devemos acarinhá-lo e dotá-lo dos recursos adequados.

Estamos tão seguros quanto o menos seguro de entre nós. Numa epidemia, quando alguns não têm possibilidade de aceder a cuidados de saúde, o risco aumenta para todos. Mas o mesmo sucede com a habitação em condições, ou com a segurança no emprego e no rendimento. Aqueles que, por falta de condições básicas de habitação e subsistência, não têm possibilidade de se resguardar adequadamente irão inevitavelmente expor-se a si e aos outros a riscos acrescidos e dificultar o controlo de qualquer surto epidémico. A habitação, o acesso ao emprego e a segurança no rendimento são, além de direitos humanos, fatores de saúde pública.

A sociedade existe e sem ela estamos perdidos. Quando recolhemos às nossas casas e limitámos os nossos contactos, quando nos vimos perante o risco de colapso dos sistemas de abastecimento, mas também quando neste contexto redescobrimos o valor e a importância da solidariedade e dos laços comunitários, percebemos que ninguém é uma ilhae que todos dependemosuns dos outros. A frase de Margaret Thatcher, “a sociedade não existe, só existem indivíduos e famílias”, além de objetivamente falsa, é um manifesto sociopata.

A produção local importa. A deslocalização da atividade produtiva no contexto da globalização vulnerabilizou trabalhadores e comunidades inteiras e criou absurdos ecológicos como os que levam legumes e fruta a dar a volta ao mundo antes de chegar às nossas mesas. No contexto desta crise, percebemos que a dispersão extrema das cadeias de valor é além do mais um fator de vulnerabilidade acrescida e que há muitas coisas – alimentos, medicamentos, equipamentos essenciais – que não podemos deixar de produzir. Devemos voltar a enraizar localmente a produção e desglobalizar aquilo que nunca devia ter sido globalizado.

A pobreza também faz perder anos de vida. No contexto do debate sobre o desconfinamento, foi argumentado por muita gente – de forma inteiramente correta – que a pobreza também mata. O argumento foi invocado para levar-nos a sair de casa e regressar à atividade, também em nome do valor maior da vida. Mas precisamente porque é inteiramente verdadeiro, este argumento deve ser levado às suas consequências. Combater a pobreza é também salvar vidas, e é também por isso que precisamos de reforçar as principais armas conhecidas contra a pobreza: serviços públicos universais e gratuitos e prestações sociais abrangentes e adequadas, financiadas por impostos progressivos. A nossa sociedade tem um nível de prosperidade suficiente para assegurar que ninguém vive na pobreza, só precisamos de distribuir melhor a riqueza que existe.

A importância da ciência. A ciência não é a revelação da verdade, mas é a busca sistemática pela correção do erro. É isso que a distingue das crenças. No contexto desta crise deparámos-nos com uma epidemia de boatos e desinformação e isso mostrou a importância da literacia científica para a nossa sociedade. A varíola, erradicada em 1979 graças à vacina, matou entre 300 e 500 milhões de pessoas só no século XX: números que ilustram a distopia catastrófica de um mundo em que o movimento antivacinas conquistasse mais adeptos. Essa e outras formas contemporâneas de obscurantismo são um perigo face ao qual devemos mobilizar-nos.

A política é indispensável. A política é o domínio das escolhas coletivas, que envolvem opções entre valores e interesses contraditórios. Quando o governo, após escutar os epidemiologistas que em geral apelavam à manutenção sine die do confinamento e os empresários e economistas que em geral apelavam ao desconfinamento imediato, optou por um rumo que procura conciliar de determinada forma os objetivos de controlo da epidemia e minimização da recessão, fez, bem ou mal, uma escolha política. Fê-lo com a legitimidade de quem foi eleito, de quem é escrutinado e limitado pelos outros órgãos de soberania e de quem vai continuar a ser avaliado pelos cidadãos. Ainda bem que assim é. A política não pode ser dispensada, nem as decisões coletivas delegadasem especialistas.

Quando é indispensável, o impossível torna-se alcançável. A pandemia de COVID-19 provocou, exigiu, algo que todos julgaríamos impensável: que mais de um terço da população mundial, e a grande maioria da população portuguesa, recolhesse a casa e reorganizasse profundamente a sua vida para responder a uma ameaça de saúde pública. Esta capacidade de responder coletivamente perante uma ameaça existencial é uma lição que devemos reter no contexto da resposta à crise climática, que pende igualmente sobre a vida e saúde de todos nós e dos nossos filhos e netos. É possível viver e produzir de maneiras diferentes. Sendo isso indispensável, temos mesmo de fazê-lo.

A liberdade que importa. Nas horas mais difíceis desta crise, foram-nos dados a perceber os sentidos mais profundos e fundamentais da liberdade. Não se trata da liberdade negativa de negociar e enriquecer. Trata-se da liberdade, de que temporariamente nos vimos privados, de nos movimentarmos como quisermos e estarmos com quem quisermos. Trata-se da liberdade, de que nunca considerámos abdicar, de nos expressarmos e participarmos nas decisões coletivas. E trata-se de nos mantermos livres da fome, livres da necessidade e livres do medo. São liberdades que se constroem em cooperação e não em competição, em segurança e não em precariedade, em sociedade e não cada um por si.