Pedro Candeias
Editor
08 JUNHO 2020
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Edward Colston tem várias ruas com o seu apelido na inglesa Bristol , a saber, Colston Avenue, Colston Parade, Colston Close, Colston Road, Colston Street, Colston Dale, Colston Street, Colston Fort, Colston Yard, Colston Hill; também deram o seu nome a três escolas e a um bolinho chamado Colston Bun. E até domingo à tarde havia uma estátua na Colston Avenue, em que era apresentado, sereno e pensativo, apoiado num bordão – ontem, a figura de bronze foi encordoada, arrancada pela base, arrastada pela estrada e por fim atirada ao rio Avon pelos manifestantes do “Black Lives Matter”.
Sucede que o benfeitor da cidade, que fora um filantropo generoso e a dada altura membro do Parlamento inglês, fizera parte substancial da sua fortuna a traficar escravos no século XVIII. Para o “Black Lives Matter”, Colston era um símbolo que precisava de cair e acabou por cair simbolicamente como a estátua de Saddam Hussein, em Bagdade.
O movimento nascido nos EUA – após a morte do afro-americano George Floyd, asfixiado aos joelhos de um agente da polícia de Minneapolis – viajou furiosamente de um lado para todo o lado através dos cabos submarinos que repousam no chão dos oceanos. Expandiu-se, tornou-se global e instalou-se em Lisboa, Milão, Roma, Madrid e Bruxelas, onde várias manifestações e marchas alertaram para desigualdades e para o racismo sistémico, e para os abusos físicos e verbais; em Londres, os protesters de caras tapadas pelas máscaras chegaram a enfrentar a polícia local.
Foram naturalmente levantadas as questões sanitárias, pois estamos a viver uma pandemia e os aglomerados e o inexistente distanciamento social são um rastilho para a covid-19; e também se discutiram, por outro lado, os excessos, sobretudo os ocorridos nos EUA, onde motins, pilhagens e violência desraizaram infelizmente a erva daninha do racismo e colocaram lá a semente da dúvida, que seria previsivelmente aproveitada por Donald Trump.
Então, o presidente norte-americano militarizou imediatamente o discurso, chamou “vândalos” aos manifestantes, pôs a Guarda Nacional à frente de lugares emblemáticos para conter os “criminosos” - e agarrou-se convenientemente a uma Bíblia que a sua filha levou dentro de uma mala elegante e imaculada, como um novo Cristão, a fazer lembrar o dia em que Charlton Heston se agarrou à espingarda e gritou “from my cold dead hands”. Trump gosta de encenações e não perde a oportunidade de agarrar o fiel eleitor, partindo os EUA ao meio; a propósito, o “Político” diz que os americanos acreditam que o país está “fora de controlo”.
E agora que os protestos acalmaram – e que Donald retirou os 3,900 tropas com uma ameaça pouco subtil (“podem regressar, se necessário”) e que os democratas ensaiam reformas da polícia no país, com cortes orçamentais incluídos, e que a policia de Minneapolis pode fechar –, descobre-se que o número e as medidas ficaram aquém do que o POTUS queria: aparentemente, Trump pedia 10.000 homens na rua, fortemente armados, mas encontrou inesperada resistência no Pentágono no processo.
À margem, Donald terá sido largado por alguns, digamos, notáveis republicanos moderados, nomeadamente Colin Powell, George Bush e Mitt Romney. O primeiro disse o que nunca dissera de outros presidentes, chamando Trump de “mentiroso”. “Ele mente todo o tempo”, atacou Powell, que irá votar no democrata Joe Biden.
Por sua vez, Romney participou numa manifestação pacífica “e cristã” a caminho da Casa Branca, para mostrar a toda a gente que “Black Lives Matter”.
É provável que, cada vez mais isolado e, bom, confinado à direita alternativa norte-americana, Trump continue a representar o pequeno John Wayne que há dentro dele, agitando-se, sobressaltando-se, interpretando cenas que apaixonam os seus eleitores, com um olho nas sondagens e uma mão bem dentro do coração do norte-americano desalinhado, insatisfeito e permeável às suas teorias e inconsistências.
Porque, como também argumentou Powell, Trump continuará a safar-se porque nunca será responsabilizado, pois o seu contraditório é feito nas redes sociais. Onde ganha quem grita mais.