A morte de George Floyd voltou a despertar os Estados Unidos para o combate ao racismo e à brutalidade policial. A extrema-direita que ocupa a Casa Branca ameaça com a repressão militar dos manifestantes e a criminalização dos antifascistas. Dossier organizado por Luís Branco.
6 de Junho, 2020 - 22:01h
A morte de George Floyd por asfixia provocada pelo joelho de um agente policial, enquanto a vítima gritava “Não consigo respirar” chocou o mundo e abriu caminho a uma vaga de protestos num dos países mais afetados pela pandemia e pelo desemprego que ela provocou em poucas semanas. Protestos que vieram retomar o movimento Black Lives Matter, cuja origem e percurso resumimos neste dossier.
Os protestos tomaram conta das ruas de várias cidades e a repressão policial não se fez esperar, desta vez alimentada e instigada pelo próprio chefe de Estado, que viu aqui uma oportunidade para avançar na sua agenda autoritária e desviar a atenção do fracasso criminoso da sua estratégia de contenção do vírus.
Reunimos neste dossier alguns artigos que refletem temas em debate na esquerda norte-americana ao fim dos primeiros dias de manifestações e ameaças da Casa Branca. Um desses debates é o do papel da polícia nas sociedades democráticas e as consequências do processo de militarização a que foi sujeita nas últimas décadas. O ex-agente da polícia de Boston e atual professor universitário Tom Nolan diz que as formação dos polícias em técnicas de “desescalada”, um dos objetivos da estratégia proposta após um caso semelhante em Ferguson, em 2014, não foi seguida. Enquanto isso, estudos apontam que quanto maior é o investimento em equipamento de categoria militar, maior é a probabilidade de virem a morrer civis no decurso de operações policiais.
Também por isso, uma proposta que tem vindo a ganhar terreno é a que defende o corte nas verbas para a polícia. Um dos seus defensores é o sociólogo Alex Vitale, que explica nesta entrevista que é necessário substituir boa parte das atuais tarefas policiais por outras respostas públicas para assim evitar o encarceramento e a criminalização em massa. Por seu lado, a jornalista Joan Walsh destaca a proximidade política entre Donald Trump e alguns líderes dos sindicatos policiais que não escondem o seu racismo e desprezo pelos direitos humanos.
Mas a resposta autoritária de Trump é um indício que o fascismo está a tomar conta do poder político dos EUA? O jornalista Adam Weinstein responde afirmativamente e diz que é altura de considerar o que os fascistas podem ainda fazer, durante uma pandemia sem precedentes, no meio de um desemprego sem precedentes, confrontados com uma resistência sem precedentes antes de uma eleição sem precedentes. Lembrando os tempos em que era agitado o papão da “Ameaça Vermelha” durante a Guerra Fria, o jornalista Chip Gibbons faz o paralelo com a “histeris antifa” de Donald Trump, que recupera uma teoria da conspiração da extrema-direita para tentar reprimir a dissidência.
Também o filósofo e ativista dos direitos civis Cornel West sublinha o contraste entre a resposta da polícia a estas manifestações e face aos provocadores de direita que aparecem dentro e fora das sedes estaduais com armas e munições carregadas. E fala dos sintomas de uma classe política decadente, marcada pelo duopólio de um crescente partido republicano neofascista liderado por Donald Trump e de um partido neoliberal democrata liderado por Joe Biden.
Porfim, incluimos também a opinião da deputada bloquista Beatriz Gomes Dias, para quem "é essencial que esta enorme vaga de indignação e mobilização por justiça se traduza em mudanças reais e profundas, tão profundas como as causas do racismo que esteve na origem deste e de tantos outros crimes. Quando a indignação por este caso esmorecer, não pode esmorecer com ela a luta contra o racismo e pela transformação das estruturas, instituições e processos que o suportam".