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sexta-feira, 12 de junho de 2020

O limite e o risco

Posted: 11 Jun 2020 03:33 AM PDT

«Vai por aí alguma barulheira por causa das manifestações antirracistas que desceram à rua no passado sábado em várias cidades do país. A extrema-direita protesta porque é racista e, naturalmente, não gostou de ver multidões de jovens irmanadas na sua denúncia. Outra parte da direita declina um antirracismo retórico, mas ataca com igual veemência todos os gestos práticos de condenação do racismo que, aliás, considera que não existe em Portugal. Estamos conversados. Mas há um sector da opinião que se preocupou com o que viu enquanto risco para a saúde pública. E considero que vale a pena, nesta perspetiva, discutir o assunto.

Começarei por dizer que sim, têm razão, não obstante todos os cuidados dos organizadores (em Lisboa vi distribuírem-se máscaras a todos os participantes e todos as usavam) é claro que houve riscos numa manifestação que trouxe uma massa de milhares de pessoas para a rua. Mas eu permito-me perguntar: o que levou milhões de mulheres e de homens no mesmo dia, nas principais cidades da Europa, em muitas da África, da Austrália e da América latina, em praticamente todas as maiores cidades do EUA, ao risco de enfrentar a pandemia para dar voz à sua indignação contra o assassinato de George Floyd?

Seguramente a morte bárbara de um homem negro desarmado e algemado, vítima de lenta asfixia causada pelo joelho de um polícia branco calcando sobre o seu pescoço enquanto num fio de voz que se extinguia ele dizia: “não posso respirar!” Seguramente a ação incendiária e provocatória de um presidente ensandecido que face à vaga de protestos apelava à repressão sangrenta e à guerra civil.

Mas há algo de mais decisivo que, penso eu, fez saltar em uníssono a mola do protesto internacional. O sentimento geral de que há um limite intransponível não só para a violência racista, não só nos EUA de Trump, mas para esse apodrecimento geral que traz consigo todas as formas de violência contra os mais pobres, contra o mundo do trabalho, contra os direitos das mulheres, contra as minorias racializadas, contra as minorias sexuais. Essa violência aparentemente inelutável que prepara a catástrofe climática e ambiental, esse inverno da humanidade que parece ameaçar-nos novamente não só na America first, mas desde o Brasil de Bolsonaro à Índia, às Filipinas, à China do capitalismo de Estado, à Itália de Salvini, à Hungria de Orbán, ao geral arreganho da extrema-direita europeia.

Um ambiente onde se está a formatar de novo, invisivelmente, a banalidade do mal, onde nas redes sociais e em certos media se produz organizadamente um clima de invisibilidade moral conducente à impunidade do abuso e do crime como forma de fazer política ou à indiferença normalizadora perante eles. À abolia e ao medo que matam a capacidade de escolha e historicamente abriram portas às piores formas de opressão.

É esse sentimento de limite, de urgência, que fez tanta gente, em tantos países, manifestar-se. Não “irresponsavelmente”, mas num assumido gesto de coragem cívica. E eu pergunto se lutar contra a vaga montante deste regressismo sinistro, por vezes em circunstâncias limite como esta, não vale a pena algum risco. Aliás, como a pandemia dramaticamente demonstra no Brasil e nos EUA, que saúde pública teríamos num mundo calcado pela violência racista e por essa espécie de fascismo que os Trumps e os Bolsonaros transportam?»

Fernando Rosas

Pela democracia e contra o genocídio no Brasil

Posted: 11 Jun 2020 12:22 PM PDT

Exmo Senhor Presidente da Assembleia da República,

Recentemente, centenas de juristas brasileiros de todos os quadrantes políticos assinaram o manifesto “BASTA!” para exprimir a sua preocupação pelo futuro da democracia no Brasil:

«O Brasil, suas instituições, seu povo não podem continuar a ser agredidos por alguém que, ungido democraticamente ao cargo de presidente da República, exerce o nobre mandato que lhe foi conferido para arruinar com os alicerces de nosso sistema democrático, atentando, a um só tempo, contra os Poderes Legislativo e Judiciário, contra o Estado de Direito, contra a saúde dos brasileiros, agindo despudoradamente, à luz do dia, incapaz de demonstrar qualquer espírito cívico ou de compaixão para com o sofrimento de tantos.»

Nos últimos meses, o governo de Jair Bolsonaro foi alvo de dezenas de denúncias na ONU, apresentadas por entidades brasileiras e internacionais. O mundo não pode assistir impávido à degradação sistemática das instituições democráticas brasileiras, aos crimes contra a saúde pública provocados pela política negacionista da pandemia do Coronavírus, e às graves violações dos Direitos Humanos de que é vítima o povo brasileiro.

Assim, em nome dos laços que unem os dois povos, o Estado Português deve assumir, em todas as instâncias internacionais em que se encontra representado, uma posição de solidariedade com o povo brasileiro, defesa intransigente dos direitos humanos e condenação do Governo de Jair Bolsonaro.

A Petição pode ser assinada AQUI.

A má sorte do Columba livia

Curto

Ricardo Marques

Ricardo Marques

Jornalista

12 JUNHO 2020

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A estátua, por maior que seja, é um bicho fácil de caçar.

A sua principal fraqueza é estar permanentemente num estado de imobilidade absoluta. E apesar de não emitir qualquer som, capaz por exemplo de alertar outras estátuas em caso de perigo, a estátua comum é capaz de contar a mesma história durante vários séculos.

A coisa não muda. A pessoa passa na segunda-feira e é assim. Vai lá volvidos vinte anos e assim é. Passam mil anos e está na mesma. Calada, mas sempre a dizer o mesmo. O problema - da estátua, claro - é que as pessoas mudam e com elas muda aquilo que ouvem. O que soava bem passa a soar mal. E como é impossível mudar o passado, o que resta é tentar mudar a cara que ele tem no presente.

Estamos a viver um desses momentos, e por isso mesmo não sabemos ainda se é uma coisa passageira ou o tiro de partida para algo maior e de consequências imprevisíveis. O tempo o dirá, mas não se admire se a discussão começar a subir de tom nos próximos dias. É o tipo de assunto a que ninguém fica indiferente, ainda que a indiferença generalizada seja a sina de muitas estátuas.

Esta semana, em plena vaga crescente de protestos contra a morte de George Floyd às mãos da polícia, Cristóvão Colombo foi ver o fundo de um lago no estado americano da Virginia, foi atirado ao chão no Minnesota e ficou sem a cabeça em Boston. Várias estátuas de figuras ligadas à escravatura nos EUA foram destruídas ou vandalizadas.

Nem a rainha Vitória escapou à fúria da tinta. Na verdade, nem o rei Leopoldo.

Um pouco por toda a América, e não só, há estados e cidades a encaminharem para os respetivos armazéns estátuas de figuras ligadas ao colonialismo, ao racismo e à escravatura. A democrata Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Representantes, pediu a retirada de todas as estátua de confederados do Capitólio (são 11). Há outras tantas bases militares com nomes de generais confederados e Donald Trump já fez saber que não aceita qualquer mudança de nome.

séries de televisão ameaçadas, filmes que precisam de contexto, bandas de música que mudam de nome

E ontem, em Lisboa, a estátua do Padre António Vieira, no Largo Trindade Coelho, foi vandalizada com tinta vermelha. O líder do CDS comparou o ato a uma ação do estado islâmico. Francisco Rodrigues dos Santos prometeu limpar o monumento com as próprias mãos - mas a Câmara Municipal já se antecipou. (Eu avisei que isto ia aquecer, mas nunca pensei que demorasse só cinco parágrafos…)

A verdade é que quem faz uma estátua, fá-la a pensar na eternidade. Mas esse é um privilégio da pedra e do ferro, não dos homens. As mãos que constroem figuras capazes de viver para sempre desaparecem ao fim de uns anos, e raramente vivem tempo suficiente para perceber que as estátuas também morrem. Se há algo que a história nos ensina é que nenhuma está a salvo, e que por cada uma que cai logo outra se levanta. Eis outra lição: os pedestais dão-se mal com o vazio.

Não sei se há alguma estátua de Johann Friedrich Gmelin perdida pelo mundo. Devia haver. Afinal, Gmelin foi o primeiro, em 1789, a descrever cientificamente um outro bicho, o Columba livia. Talvez o conheça por pombo-comum, esse rato alado eternamente alheado do complicado mundo cá embaixo, mas que é sempre a vítima mais improvável quando os homens, empurrados pelos ventos demasiado fortes da história, decidem que é hora de ajustar contas com o tempo passado.

quinta-feira, 11 de junho de 2020

Carta aberta ao Presidente da República

por estatuadesal

(Sérgio Tréfaut, in Público, 09/06/2020)

Bolsonaro saúda um grupo de apoiantes em Brasília, 31 de Maio

Dizem os políticos que Portugal e o Brasil são países irmãos. Marcelo Rebelo de Sousa aprecia esta figura retórica. Mas chegou o momento em que é necessário decidir de que país Portugal é irmão. Do Brasil que está a matar? Ou do Brasil que está a morrer? O que se passa no Brasil hoje é mais grave do que um crime de Estado.

Desde o final de março, das janelas da minha casa no Rio de Janeiro, ouvi todos os dias gritar: “Bolsonaro genocida!” Porquê gritam assim os vizinhos à janela? Porque vários genocídios invadiram suas vidas.

O primeiro é um genocídio de populações indígenas, denunciado no Tribunal de Haia em 2019, e denunciado também por Sebastião Salgado. A indiferença de Bolsonaro ao extermínio dos índios tornou-se óbvia no vídeo da reunião de 22 de abril, divulgado a pedido de Sérgio Moro.

Nessa reunião de ministros, vemos o ministro do Meio Ambiente definir a atual epidemia como uma oportunidade para fazer passar as leis (ilegais) de desmatamento da Amazônia, o que significa quase o fim dos índios. Sabemos que 90% das populações indígenas morreram no século XVI de doenças como a varíola, levadas por europeus. O governo brasileiro pretende agora que os índios que restam morram de covid. O ministro do Ambiente representa bem os valores do governo Bolsonaro.

A segunda forma de genocídio praticada no Brasil de hoje é a mais mortífera. Trata-se do negacionismo face à pandemia.

Desde março, Bolsonaro insultou as televisões por divulgarem as mortes na Itália: o Brasil nunca viveria aquilo. Hoje Bolsonaro esconde o número de mortos. Este negacionismo é o espelho da sua política. “O Brasil não pode parar”, afirmava Bolsonaro, apoiado pelos grandes industriais.

Os dois ministros da Saúde que tentaram defender o confinamento foram despedidos ou forçados a sair. Aliás, o negacionismo mais criminoso é o do Ministério da Saúde. Como se tratava de uma “gripezinha”, houve uma ausência total de plano para enfrentar a pandemia. Falta de testes, falta de material de proteção, falta de camas, falta de ventiladores, falta de tudo. Em números absolutos, Portugal fez mais testes à covid-19 do que o Brasil, com 210 milhões de habitantes.

Curiosamente, durante a epidemia de dengue de 2008 (174 mortos), o Governo de Brasília, com o apoio das Forças Armadas, montou três hospitais de campanha no Rio de Janeiro e salvou vidas. Face ao coronavírus, o Governo Federal negou a importância do perigo. Não ponderou um instante sobre a necessidade de cordões sanitários para proteger aldeias indígenas, ou para proteger áreas urbanas sobrepovoadas, onde o confinamento seria impossível por falta de condições. Tudo foi lançado para os governadores, não por uma visão descentralizadora, mas em forma de ataque. Assim Brasília culpou os estados pela crise sanitária e pela crise económica.

Bolsonaro e os seus filhos defenderam uma política eugenista, de cariz hitleriana: “É velho? É doente? Tem mesmo que morrer.” “É a lei da vida.” Frases como esta foram repetidas até a exaustão. São dez mil mortos? "E daí?”

Pela falta de cuidados, o Brasil tornou-se o país com maior número de enfermeiros mortos por covid. Agora será o país com maior número de mortes do mundo. Não fazer face à pandemia, optar por 100 mil mortos em vez de 10 mil em nome da economia, o que é senão um crime de Estado?

O clã Bolsonaro lançou milícias anti-confinamento, com manifestações ilegais nas ruas. Assim, vários militantes anti-confinamento morreram de covid. Mas agora, com mais de mil mortes diárias, as manifestações já não são necessárias. Governos e prefeituras cederam a Bolsonaro, abrindo praias e comércio.

O que pensariam os portugueses se, durante o confinamento, Marcelo Rebelo de Sousa lutasse contra as normas do Ministério da Saúde, reunindo multidões em passeatas anti-confinamento? Em Portugal, imagino que o Presidente seria impedido, ou preso. Não é o caso no Brasil. Bolsonaro está acima da lei. E o genocídio no Brasil não se limita à covid.

Existe um genocídio diário levado a cabo pela polícia nas favelas. Os Estados Unidos mobilizaram-se agora com o assassinato de George Floyd. “Black lives matter” conquistou o mundo.

Se o assassinato de George Floyd tivesse ocorrido no Brasil, a polícia teria dado um tiro na cabeça da adolescente de 17 anos que estava a filmar, como faz todos os dias. Ninguém saberia. Esta é a banalização da impunidade policial validada por Bolsonaro. No ano de 2019, só no Rio de Janeiro, a polícia foi responsável por 1814 assassinatos, ou seja, cinco mortos por dia.

A polícia entra nas favelas e mata sem receio da lei. Nenhum polícia precisa de prestar contas dessas mortes. Bolsonaro assina por baixo: “Bandido bom é bandido morto.” Sem julgamento. Sem provas. Raras vezes um caso ganha destaque. Por exemplo, quando, no dia 18 de maio, João Pedro, 14 anos, brincava com amigos em casa e foi morto pela polícia. Dias antes tinham sido encontrados 12 corpos com marcas de tortura policial. Nenhum polícia foi detido. Nas favelas denuncia-se o genocídio negro. Mas ninguém ouve.

À banalização do crime acresce a liberação por Bolsonaro da venda de armas a civis, armas que eram de uso exclusivo dos militares. A imprensa diz que Bolsonaro aposta numa guerra civil. Aqui chegamos ao extermínio da própria democracia.

O que Portugal tem a ver com isto? Tudo.

No dia 1 de janeiro de 2019, há pouco mais de um ano, Marcelo Rebelo de Sousa era a estrela internacional da tomada de posse de Bolsonaro. Angela Merkel, Theresa May, Emmanuel Macron não foram à cerimónia, apesar de convidados. Os dirigentes da direita europeia tomavam uma posição distante face a um novo Presidente do Brasil, com um conhecido desprezo pela democracia.

Os únicos chefes de Estado europeus eram Marcelo e Viktor Orbán, primeiro-ministro húngaro, cujas declarações sobre ciganos parecem extraídas de compêndios nazis. O ministro dos Negócios Estrangeiros português também não esteve presente, mas, sendo quem é, bem poderia ter estado. Quanto a Marcelo, pode ser acusado de tudo o que quiserem, mas não pode ser acusado de ser mal informado. Por isso, o seu silêncio à data de hoje é preocupante.

Marcelo terá visionado a criminosa reunião de ministros de 22 de abril, chefiada por Bolsonaro, vulgo covil dos infames. Pode ser que outros presidentes do mundo não compreendam o que foi dito nessa reunião. Marcelo compreende.

Marcelo também sabe que Bolsonaro fez ameaças de morte aos membros do Supremo Tribunal Federal.

Marcelo sabe que Bolsonaro falou em manifestações que pediam uma ditadura militar e o encerramento do Congresso. Sabe que em nenhum país democrático um cidadão poderia sequer se candidatar às eleições presidenciais tendo feito a apologia da tortura e lamentando os poucos mortos de um regime ditatorial. Marcelo recebe informações sobre a impunidade da polícia no Brasil. Cinco George Floyd por dia. Marcelo sabe que Bolsonaro luta pelo descrédito da democracia. E que contra ele existem mais de 30 pedidos de impeachment. Quem cala, consente.

O que poderia fazer o Presidente da República? Poderia muito. Poderia liderar um movimento de pressão internacional. Poderia e deveria convocar o embaixador do Brasil e pedir explicações – nem que seja considerando a comunidade portuguesa no Brasil. A diplomacia não é apenas um entreposto para vender vinhos e azeite.

Além do Presidente, através do seu governo e dos seus deputados, Portugal pode apresentar moções condenatórias no Parlamento Europeu, no Conselho da Europa, na ONU.

Isto seria próprio de um país irmão.

terça-feira, 9 de junho de 2020

Diga-me, Dr. Rio, onde é que não vê o racismo?

por estatuadesal

(Francisco Louçã, in Expresso Diário, 09/06/2020)

Um deputado avisou, feliz, que ia proferir a mais racista de todas as frases da história do Parlamento, e lá perorou alguma coisa sobre distritos em que vivem ciganos. É uma forma de política que se repete enfadonhamente, a frase mais racista é sempre menos do que a seguinte frase mais racista e a pândega continua por aí fora. O homem já pediu uma lei especial para perseguir os seus ódios de estimação e assim continuará, é fácil e dá milhões.


Rui Rio, que se rebaixa a correr atrás do que lhe parece ser o prejuízo, vai mais longe, não há racismo em Portugal. Não sei se é só ingenuidade ou um episódio agudo de cheguismo que lhe passará depressa, desejo as melhoras. A pergunta talvez seja então se há contas desse racismo.

No "New York Times", que é inocente a respeito destas nossas questões, foi sugerida uma resposta por Nicholas Kristof, mas para os Estados Unidos. O comentador cita dados estatísticos do seu país a respeito de diferenças regionais: um jovem negro do Alabama ou do Mississippi, ou de outros Estados do sul, tem menor esperança de vida que um jovem do Bangladesh.

O "Financial Times" desta terça-feira lembra que estes dois Estados recusaram o modesto sistema do Obamacare, que procurava garantir um seguro de saúde para toda a gente (a percentagem da população negra sem qualquer proteção de saúde é o dobro da branca).

Há mesmo regiões onde a vida é um abismo. Mas sabe-se mais. No conjunto do país uma mulher negra tem uma probabilidade duas vezes e meia maior de morrer no parto do que uma mulher branca. Na atual pandemia, a taxa de mortalidade das pessoas afrodescendentes é 2,6 vezes maior do que a do resto da população. No emprego, mais um problema: nem metade da população negra tem trabalho.

Em Minneapolis, onde foi assassinado George Floyd, o rendimento das famílias negras é metade do das brancas. E são as pessoas negras que asseguram alguns dos serviços essenciais: nos transportes, cuidados de crianças, saúde e correios, a população negra está em muito mais postos de trabalho do que o que equivale à sua percentagem no país (13%). Outros dados demonstram que tem havido alguma mudança. Assim, em 1970, 47% dos afrodescendentes nos EUA eram pobres, agora serão 27%, mas ainda assim trata-se do triplo da média da população branca. Há mesmo diferenças nas condições essenciais da vida e elas permitem perceber o contexto da tensão e do protesto.

Em Portugal, é simples, não sabemos. Conhecem-se incidentes, desigualdade na habitação, diferenças nas carreiras profissionais, insultos em estádios de futebol e a vida ainda mais difícil para tantas pessoas. Mas números não sabemos. Apesar da sugestão de várias associações, as autoridades estatísticas não aceitaram incluir o registo pelas próprias pessoas, querendo, da sua origem étnica, o que permitiria conhecer alguma da realidade das diferenças.

Não sabemos qual é o peso da desigualdade no trabalho, na habitação, no sucesso escolar, na saúde. Estamos de olhos fechados. É cómodo mas não permite conhecer a verdade dos factos. E facilita o brinde de Rio com Ventura.