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sábado, 13 de junho de 2020

O país mais racista é aquele que não o admite

Posted: 12 Jun 2020 03:19 AM PDT

«A morte trágica de George Floyd levou a uma justificada onda de indignação em muitos países, incluindo Portugal. Como sempre, logo há quem se apresse a vir a público lembrar que o país não é racista. Desta feita, coube a Rui Rio, líder do maior partido da oposição, afirmar que “não há racismo na sociedade portuguesa”.

A afirmação é tonta, desde logo, porque há racismo em todas as sociedades. Não só porque há pessoas abertamente racistas em todos os países como (quase) todas e todos nós somos, implicitamente e em vários graus, racistas. Se quer uma prova, vá ao site Project Implicit da Universidade de Harvard e faça o teste do preconceito racial. Este teste mede o preconceito, mesmo que o queira esconder deliberadamente ou, simplesmente, não tenha consciência dele. Vai ver que, mesmo se pensa que não é racista, a sua mente vai pregar-lhe partidas.

Segundo os dados do Project Implicit trabalhados por investigadores da Universidade de Sheffield, Portugal é dos países com mais preconceito implícito da UE, a par de Itália e ultrapassado apenas por alguns países de Leste. Depois, há o racismo declarado, aquele que as pessoas declaram mesmo sem testes sofisticados de associações implícitas. Como aqui lembrou Luís Aguiar-Conraria em Janeiro, o European Social Survey pergunta às pessoas se consideram que há etnias biologicamente menos inteligentes e o país com maior percentagem de pessoas que concordam com esta afirmação é Portugal. É o único país em que mais de metade dos inquiridos concordam.

Uma questão diferente é saber se o racismo das pessoas tem expressão na sociedade e na economia. Há uma semana, o Expresso falava dos “Seis indicadores para avaliar a desigualdade entre brancos e negros nos EUA” e apontava a desigualdade de rendimento, salarial, de riqueza acumulada, de desemprego, de pobreza e de saúde (como a probabilidade de morrer de covid-19, que já assinalei no PÚBLICO há duas semanas, a prevalência de doenças crónicas, o acesso a seguro de saúde). Como em Portugal continuamos com a teimosia de não recolher dados étnicos, não podemos quantificar estas disparidades com dados oficiais. Sem quantificar, dificilmente podemos agir.

Felizmente, a Agência Europeia para os Direitos Fundamentais conduziu em 2016 o Inquérito à Discriminação de Minorias na UE, baseada em entrevistas presenciais com mais de 25 mil indivíduos de diferentes minorias étnicas nos 28 países. O inquérito tem informação para várias etnias, mas vou concentrar-me aqui nas pessoas com origem na África subsariana. Em Portugal, um terço dessas pessoas afirma ter sido vítima de discriminação nos últimos cinco anos em diversos domínios: procura de emprego e no próprio emprego, procura de casa, contacto com a escola dos filhos ou outras instituições educativas, na utilização de serviços públicos ou privados, restaurantes, hotéis, lojas, bares, contactos com a administração pública, utilização de transportes públicos. Os indivíduos da segunda geração sentem-se mais discriminados: são 48% a afirmar que já foram vítimas de discriminação. Quase um quarto afirmam que foram vítimas de assédio ou perseguição devido à sua origem étnica ou estrangeira nos últimos cinco anos.

Estes números mostram como foi absurda e infeliz a comparação com investidores bolsitas que o deputado Cotrim Figueiredo levou ao parlamento. Senhor deputado: o racismo que dói implica falta de oportunidades. A menos que me tenha escapado alguma coisa, oportunidades não faltam à nata da finança que quis trazer ao debate.

Para além dos inquéritos, basta olhar em volta para perceber como este país trata as minorias. Há um ano, quando defendi quotas aqui no PÚBLICO, desafiei os leitores a pensar em nomes de pessoas oriundas de minorias que se destaquem em Portugal nos lugares de poder: política, empresas, comunicação social, academia. Infelizmente, há muito poucos. É que o problema vem de trás. Não sabemos como é o percurso escolar destas crianças, mas adivinhamos que é pejado de espinhos. O inquérito que citei mostra que apenas 5% das pessoas oriundas da África subsariana terminam o ensino superior, quando na população portuguesa em geral esse valor é de 20%.

Será a falta de representação da minoria negra (e outras) no poder que explica o ensurdecedor silêncio das empresas e instituições portuguesas perante o movimento Black Lives Matter nas últimas semanas? Nos EUA, o número de grandes empresas que apoiou publicamente o movimento gerou surpresa. É provável que pelo menos algumas destas intervenções vão além da mera manobra de comunicação, como assinalou o Financial Times. Por um lado, há um risco de imagem, já que as sondagens mostram que nos EUA a polícia é mais respeitada do que a religião. Por outro, as intervenções mais marcantes vieram de empresas com executivos negros, como o Citigroup, cujo director financeiro falou de experiências pessoais de discriminação. Não foram só as empresas, nem foi só nos EUA. A generalidade das universidades inglesas e americanas publicaram posições públicas nos seus sites e a American Economic Association também.

O Conselho de Direitos Humanos da ONU tem um grupo de trabalho de “especialistas em pessoas de origem africana” que fez uma visita a Portugal em Maio de 2011. As conclusões estão publicadas num pequeno relatório de Agosto de 2012, disponível online. Talvez tenha passado despercebido porque estávamos a braços com a troika e a visita do grupo de trabalho aconteceu durante o último estertor do governo Sócrates. Logo na primeira página, o relatório diz: “o grupo de trabalho conclui que os desafios enfrentados pelas pessoas de ascendência africana em Portugal estão principalmente relacionados com a falta de reconhecimento como um grupo específico na política nacional e no quadro legislativo” e recomenda, entre outras coisas, “a revisão da política que impede a recolha de informação desagregada por origem racial ou étnica”. Pois. O país mais racista é o que escolhe varrer o problema para debaixo do tapete.»

Susana Peralta

sexta-feira, 12 de junho de 2020

Guia para derrubar estátuas

por estatuadesal

(Henrique Monteiro, in Expresso Diário, 11/06/2020)

Estátua de Gengis Khan na Mongólia, diz-se ser a maior estátua equestre do mundo

Além da idiotice que é olhar para a História com os olhos de hoje (não viveremos para ver o que dirão, daqui a 100 ou 200 anos, dos nossos heróis atuais), a ideia de que os seres humanos são dominados apenas por uma entre várias características é estúpida e primitiva. Sim, Churchill teve umas saídas racistas, mas livrou-nos de um (ou dois) totalitarismos sufocantes.


É sempre lamentável – e infelizmente é cada vez mais comum – verificar como um conjunto de energúmenos dão cabo de boas causas. Há imagens lindas e comoventes das manifestações antirracistas após o assassínio de George Floyd por um polícia. A própria família de Floyd apelou a que não existissem distúrbios. Porém, isso não impediu que extremistas partissem e pilhassem o que podiam, mesmo se de comerciantes sem outros meios de subsistência se tratasse.

Mas chegou-se ao cúmulo em Bristol, com o derrube e lançamento à água, de uma estátua do benfeitor da cidade (no séc. XVIII) que foi um traficante de escravos, e com a vandalização da estátua de Churchill em frente ao Parlamento de Londres, com o argumento de que o herói da II Guerra terá sido racista.

Além da idiotice que é olhar para a História com os olhos de hoje (não viveremos para ver o que dirão, daqui a 100 ou 200 anos, dos nossos heróis atuais), a ideia de que os seres humanos são dominados apenas por uma entre várias características é estúpida e primitiva. Sim, Churchill teve umas saídas racistas, mas livrou-nos de um (ou dois) totalitarismos sufocantes; sim, Colston ganhou dinheiro com o tráfico negreiro (numa época em que a consciência geral não condenava essa atividade, desenvolvida por negros, árabes, indianos, índios), mas fez na sua cidade (Bristol) e noutras, hospitais, creches, casas de recolhimento para pobres, enfim foi um filantropo. A sua estátua, atirada ao rio por um conjunto de inconscientes (que o próprio presidente da Câmara da cidade não condenou) mostra que este olhar unívoco sobre as personalidades do passado é uma desgraça a que poucos dão combate.

Por mim, e alinhando nesta onda histérica, tenho várias propostas. Por exemplo, todas as homenagens a Júlio César, ele próprio dizimador dos gauleses e possuidor de escravos. Mas não devemos ficar por aqui,

Na Hungria há uma estátua de Átila. Acorra-se a derrubá-la. Esse Átila invadiu a Europa e semeou o terror por aqui – tanto quanto Colston entre os negros, provavelmente. A palavra escravo provém de Eslavo, e perde-se na História quando os eslavos passaram a ser os seres mais procurados como… escravos.

A maior estátua equestre do mundo é na Mongólia. Dedicada a Gengis Khan, outro aterrorizador de chineses, indianos e europeus. Penso que é de bom senso derrubá-la.

Maomé II que fez cair Constantinopla e pôs fim ao Império Romano do Oriente, deixou que um saque (leia-se genocídio) brutal decorresse durante um dia inteiro. Profanando a cultura local, entrou a cavalo na principal Igreja (Santa Sofia, ou Hagia Sophia, em grego) e proclamou-a mesquita, numa demonstração de feroz colonialismo intolerante. Não sei se haverá por aí alguma coisa para destruir, mas há a de Solimão o Magnífico que fez do Império Otomano uma enorme potência imperialista, atacando os húngaros e os próprios austríacos, para além de gregos e búlgaros. Desde o seu antecessor Murat I que os otomanos raptavam crianças aos cristãos para os educarem de forma muçulmana e agressiva, transformando-os em janízaros, os mais fiéis ao sultão. Solimão tem uma estátua em Istambul que deve ter como destino o fundo do mar (para citar o piloto de Fórmula 1 Lewis Hamilton, a propósito de Colston).

Sitting Bull, o célebre ‘Touro Sentado’, índio que conjuntamente com ‘Crazy Horse’ dizimou as tropas norte-americanos em Little Big Horn (Montana), tem um monumento e um busto no Estado de South Dakota. É duvidoso. Tanto mais que ele depois se juntou ao circo de Buffalo Bill e ambos divertiram a América racista e a Europa colonialista. Teremos de pensar nesse monumento.

Como no da rainha Nginga, em Luanda. É certo que ela afrontou os portugueses por questões que nada têm a ver com a lenda que se fez. Mas é mais ou menos certo que, para não ficar de pé frente a um pouco cavalheiresco governador de Angola, mandou um negro pôr-se de quatro e sentou-se em cima dele. Num gesto que é manifestamente racista ou outra coisa qualquer que lhe queiram chamar.

E a rotunda da Boavista? Já viram que se chama Mouzinho da Silveira? O homem que derrotou Gungunhana e o obrigou às maiores humilhações? Será isto admissível? Para não falar de Pedro IV no Rossio, que parece não ser outro do que o seu primo Maximiliano do México, entretanto deposto quando a estátua feita em França ia a caminho do Novo Mundo. Não me recordo por que razão terá sido deposto, mas lá que o México estava cheio de escravos (se é que ainda os não tem…), sem dúvida.

Enfim, por motivos semelhantes a Colston, e bem piores do que as frases de Churchill, há muita coisa para os radicais antifa se entreterem. É pena que eles apenas olhem com os olhos de hoje, com o preconceito e certo ódio ao homem branco.

O limite e o risco

Posted: 11 Jun 2020 03:33 AM PDT

«Vai por aí alguma barulheira por causa das manifestações antirracistas que desceram à rua no passado sábado em várias cidades do país. A extrema-direita protesta porque é racista e, naturalmente, não gostou de ver multidões de jovens irmanadas na sua denúncia. Outra parte da direita declina um antirracismo retórico, mas ataca com igual veemência todos os gestos práticos de condenação do racismo que, aliás, considera que não existe em Portugal. Estamos conversados. Mas há um sector da opinião que se preocupou com o que viu enquanto risco para a saúde pública. E considero que vale a pena, nesta perspetiva, discutir o assunto.

Começarei por dizer que sim, têm razão, não obstante todos os cuidados dos organizadores (em Lisboa vi distribuírem-se máscaras a todos os participantes e todos as usavam) é claro que houve riscos numa manifestação que trouxe uma massa de milhares de pessoas para a rua. Mas eu permito-me perguntar: o que levou milhões de mulheres e de homens no mesmo dia, nas principais cidades da Europa, em muitas da África, da Austrália e da América latina, em praticamente todas as maiores cidades do EUA, ao risco de enfrentar a pandemia para dar voz à sua indignação contra o assassinato de George Floyd?

Seguramente a morte bárbara de um homem negro desarmado e algemado, vítima de lenta asfixia causada pelo joelho de um polícia branco calcando sobre o seu pescoço enquanto num fio de voz que se extinguia ele dizia: “não posso respirar!” Seguramente a ação incendiária e provocatória de um presidente ensandecido que face à vaga de protestos apelava à repressão sangrenta e à guerra civil.

Mas há algo de mais decisivo que, penso eu, fez saltar em uníssono a mola do protesto internacional. O sentimento geral de que há um limite intransponível não só para a violência racista, não só nos EUA de Trump, mas para esse apodrecimento geral que traz consigo todas as formas de violência contra os mais pobres, contra o mundo do trabalho, contra os direitos das mulheres, contra as minorias racializadas, contra as minorias sexuais. Essa violência aparentemente inelutável que prepara a catástrofe climática e ambiental, esse inverno da humanidade que parece ameaçar-nos novamente não só na America first, mas desde o Brasil de Bolsonaro à Índia, às Filipinas, à China do capitalismo de Estado, à Itália de Salvini, à Hungria de Orbán, ao geral arreganho da extrema-direita europeia.

Um ambiente onde se está a formatar de novo, invisivelmente, a banalidade do mal, onde nas redes sociais e em certos media se produz organizadamente um clima de invisibilidade moral conducente à impunidade do abuso e do crime como forma de fazer política ou à indiferença normalizadora perante eles. À abolia e ao medo que matam a capacidade de escolha e historicamente abriram portas às piores formas de opressão.

É esse sentimento de limite, de urgência, que fez tanta gente, em tantos países, manifestar-se. Não “irresponsavelmente”, mas num assumido gesto de coragem cívica. E eu pergunto se lutar contra a vaga montante deste regressismo sinistro, por vezes em circunstâncias limite como esta, não vale a pena algum risco. Aliás, como a pandemia dramaticamente demonstra no Brasil e nos EUA, que saúde pública teríamos num mundo calcado pela violência racista e por essa espécie de fascismo que os Trumps e os Bolsonaros transportam?»

Fernando Rosas

Pela democracia e contra o genocídio no Brasil

Posted: 11 Jun 2020 12:22 PM PDT

Exmo Senhor Presidente da Assembleia da República,

Recentemente, centenas de juristas brasileiros de todos os quadrantes políticos assinaram o manifesto “BASTA!” para exprimir a sua preocupação pelo futuro da democracia no Brasil:

«O Brasil, suas instituições, seu povo não podem continuar a ser agredidos por alguém que, ungido democraticamente ao cargo de presidente da República, exerce o nobre mandato que lhe foi conferido para arruinar com os alicerces de nosso sistema democrático, atentando, a um só tempo, contra os Poderes Legislativo e Judiciário, contra o Estado de Direito, contra a saúde dos brasileiros, agindo despudoradamente, à luz do dia, incapaz de demonstrar qualquer espírito cívico ou de compaixão para com o sofrimento de tantos.»

Nos últimos meses, o governo de Jair Bolsonaro foi alvo de dezenas de denúncias na ONU, apresentadas por entidades brasileiras e internacionais. O mundo não pode assistir impávido à degradação sistemática das instituições democráticas brasileiras, aos crimes contra a saúde pública provocados pela política negacionista da pandemia do Coronavírus, e às graves violações dos Direitos Humanos de que é vítima o povo brasileiro.

Assim, em nome dos laços que unem os dois povos, o Estado Português deve assumir, em todas as instâncias internacionais em que se encontra representado, uma posição de solidariedade com o povo brasileiro, defesa intransigente dos direitos humanos e condenação do Governo de Jair Bolsonaro.

A Petição pode ser assinada AQUI.

A má sorte do Columba livia

Curto

Ricardo Marques

Ricardo Marques

Jornalista

12 JUNHO 2020

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A estátua, por maior que seja, é um bicho fácil de caçar.

A sua principal fraqueza é estar permanentemente num estado de imobilidade absoluta. E apesar de não emitir qualquer som, capaz por exemplo de alertar outras estátuas em caso de perigo, a estátua comum é capaz de contar a mesma história durante vários séculos.

A coisa não muda. A pessoa passa na segunda-feira e é assim. Vai lá volvidos vinte anos e assim é. Passam mil anos e está na mesma. Calada, mas sempre a dizer o mesmo. O problema - da estátua, claro - é que as pessoas mudam e com elas muda aquilo que ouvem. O que soava bem passa a soar mal. E como é impossível mudar o passado, o que resta é tentar mudar a cara que ele tem no presente.

Estamos a viver um desses momentos, e por isso mesmo não sabemos ainda se é uma coisa passageira ou o tiro de partida para algo maior e de consequências imprevisíveis. O tempo o dirá, mas não se admire se a discussão começar a subir de tom nos próximos dias. É o tipo de assunto a que ninguém fica indiferente, ainda que a indiferença generalizada seja a sina de muitas estátuas.

Esta semana, em plena vaga crescente de protestos contra a morte de George Floyd às mãos da polícia, Cristóvão Colombo foi ver o fundo de um lago no estado americano da Virginia, foi atirado ao chão no Minnesota e ficou sem a cabeça em Boston. Várias estátuas de figuras ligadas à escravatura nos EUA foram destruídas ou vandalizadas.

Nem a rainha Vitória escapou à fúria da tinta. Na verdade, nem o rei Leopoldo.

Um pouco por toda a América, e não só, há estados e cidades a encaminharem para os respetivos armazéns estátuas de figuras ligadas ao colonialismo, ao racismo e à escravatura. A democrata Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Representantes, pediu a retirada de todas as estátua de confederados do Capitólio (são 11). Há outras tantas bases militares com nomes de generais confederados e Donald Trump já fez saber que não aceita qualquer mudança de nome.

séries de televisão ameaçadas, filmes que precisam de contexto, bandas de música que mudam de nome

E ontem, em Lisboa, a estátua do Padre António Vieira, no Largo Trindade Coelho, foi vandalizada com tinta vermelha. O líder do CDS comparou o ato a uma ação do estado islâmico. Francisco Rodrigues dos Santos prometeu limpar o monumento com as próprias mãos - mas a Câmara Municipal já se antecipou. (Eu avisei que isto ia aquecer, mas nunca pensei que demorasse só cinco parágrafos…)

A verdade é que quem faz uma estátua, fá-la a pensar na eternidade. Mas esse é um privilégio da pedra e do ferro, não dos homens. As mãos que constroem figuras capazes de viver para sempre desaparecem ao fim de uns anos, e raramente vivem tempo suficiente para perceber que as estátuas também morrem. Se há algo que a história nos ensina é que nenhuma está a salvo, e que por cada uma que cai logo outra se levanta. Eis outra lição: os pedestais dão-se mal com o vazio.

Não sei se há alguma estátua de Johann Friedrich Gmelin perdida pelo mundo. Devia haver. Afinal, Gmelin foi o primeiro, em 1789, a descrever cientificamente um outro bicho, o Columba livia. Talvez o conheça por pombo-comum, esse rato alado eternamente alheado do complicado mundo cá embaixo, mas que é sempre a vítima mais improvável quando os homens, empurrados pelos ventos demasiado fortes da história, decidem que é hora de ajustar contas com o tempo passado.